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Ex-The Voice: 'Após infarto e bariátrica, me senti normal, olha o absurdo'

Kall Medrado chegou a infartar pro problemas de saúde antes de sua bariátrica  - Divulgação
Kall Medrado chegou a infartar pro problemas de saúde antes de sua bariátrica Imagem: Divulgação

De Universa, em São Paulo

26/10/2022 04h00

A cantora Kall Medrado participou do programa The Voice em 2014, quando viu todas as cadeiras dos jurados virarem para seu talento. Na época, ela escolheu ser do time da Claudia Leitte e passou por quatro etapas do programa. Mas muito mudou em oito anos. Ela infartou, passou por uma cirurgia bariátrica, enfrentou a gordofobia de frente e hoje, além de lançar seu álbum Musi-Kall, conta sua história de superação abertamente.

"Às vezes, eu me emociono por causa da minha trajetória. Sou resistência. Tenho uma mãe muito forte que sempre lutou por pessoas que ela nem conhecia, aprendi a viver dessa forma e não posso ser diferente", disse, em entrevista para Universa.

Desde muito nova, Kall conta que sofreu com a gordofobia. Formada em artes cênicas pela Universidade Federal da Bahia, Kall nunca conseguiu empregos na sua área de atuação, por exemplo, pelo preconceito que as pessoas tinham com seu corpo.

"Sempre fui ligada às artes, mas quando em formei, em 2007, as pessoas do mercado tratavam a pessoa obesa como incapacitada, acreditavam que eu tinha uma doença. Sempre tive muitos amigos artistas e me tornei a 'garota da canja'. Meus amigos, em evento, me viam e me chamavam para cantar um pouquinho", conta Kall.

Em 2014, surgiu a oportunidade dela participar da primeira edição do The Voice Brasil. Na audição, seu corpo não importava, apenas a potência da sua voz. "Foi um divisor de águas na minha vida e carreira. Na verdade, eu nem tinha carreira, começou a existir depois do programa. As redes sociais estavam ganhando força na época. Com isso, além da TV, consegui ter uma visibilidade e um alcance muito bom em meus perfis. Até comecei a me perguntar como eu preencheria essa nova lacuna da minha vida".

Segundo ela, a Globo e o programa abriram muitas portas e trouxeram muitas oportunidades. "No Carnaval de 2015, a Cláudia Leitte me deu a oportunidade de cantar com ela no trio. Participei de blocos e eventos grandes", relembra. O problema é que, passado um tempo, o buzz acabou. Kall disse ter encontrado diversas pessoas em seu caminho que prometeram mundos e fundos, mas se viu de volta à estaca zero. "Eu me vi perdida".

Determinada a continuar sua carreira no meio artístico, ela ouvia julgamentos sobre seu corpo todo tempo. "Todos os dias me diziam que eu estava errada, que precisava emagrecer. Ouvia isso de meus amigos, família e até de desconhecidos, dos contratantes... Sei que meus amigos e família são vítimas, eles falavam pensando no meu bem, porque sabem o sofrimento que passei", conta.

Saúde em risco

Para Kall, o peso acabou influenciando em sua saúde, mas ela não sabia até parar no hospital em 2018. Os amigos já estavam na festa quando chegou e ela decidiu tomar energéticos para se divertir ali com eles, sem saber que estava enfrentando problemas de saúde silenciosos. Tomou quatro litros de energético em uma festa com os amigos - e tornou-se uma bomba pronta para explodir.

"Imagine fazer isso sem saber que você estava hipertensa, com colesterol alto e diabete descontrolada. Eu comecei a sentir meu corpo travando. Eu não sentia mais nada. Travei. Chamei um amigo e me levaram para o hospital", relembra. Durante o atendimento, ela sequer conseguia explicar para os médicos o que tinha acontecido.

Kall Medrado se torou uma voz no combate a gordofobia - Divulgação - Divulgação
Kall Medrado se torou uma voz no combate a gordofobia
Imagem: Divulgação

"Parecia cena de filme. Um monte de pessoas em cima de mim, me perguntando se era efeito de droga e eu me questionando se eu tinha morrido mesmo. Eu não conseguia falar que não tinha consumido nenhuma droga, meus músculos do corpo estavam todos travados. Foi meu amigo que avisou que eu tinha tomado energético. Fiquei 10 horas internada."

Ela se arrepende de ter deixado de lado os exames de rotina da época. "Poderia ter sido completamente diferente. Quem sabe hoje eu não seria uma mulher gorda, empoderada e saudável?", se questiona, mas também destaca que até os médicos costumam ser gordofóbicos em seus consultórios.

Para ela, só tinha sobrado uma opção, de acordo com os médicos: a cirurgia bariátrica. Ainda assim, ela esperou 10 meses para tomar a decisão de ir para o centro cirúrgico. Pesquisou, se informou, fez os exames necessários e começou a cuidar mais da saúde. "O apoio da minha família foi fundamental nesse momento".

"Comecei a me sentir normal. Olha que absurdo"

Após sua cirurgia, Kall criou o "Diário da Bariátrica" para dividir com seus hoje 820 mil seguidores seu processo de emagrecimento. Inicialmente, ela sentiu alívio em ver seu corpo perdendo peso. "Eu tinha roupas que usava há trinta anos que, de repente, não cabia mais em mim. Morando sozinha em São Paulo, me desesperei".

A possibilidade de comprar roupas em qualquer loja que encaixasse no seu corpo era algo novo, mas que ela também vê como um sinal da violência sofrida pelas mulheres gordas. "Comecei a me sentir normal. Olha que absurdo", diz.

Mesmo assim, ela recebia muitos comentários gordofóbicos disfarçados de elogios. "As pessoas me elogiavam, falavam que eu estava magra e linda. Mas olhava para a cara delas e não me sentia feliz. Quando você começa a entender o preconceito, você tenta, de forma educada, guiar as pessoas para que elas não cometam mais esse erro", explica.

Kall passou até a repensar o conteúdo que disponibilizava online para não pressionar as outras pessoas a se tornarem magras e nem atribuir julgamento de valor aos corpos. "Decidi mostrar minhas fraquezas e dar voz para combater a gordofobia. Quando comecei, postava as versões de antes e depois. Se me pedir para fazer isso hoje, vou dizer que não. Não tenho orgulho disso", conta.

Hoje Kall afirma que conseguiu alcançar uma relação saudável com o corpo. Sabe que fazer exercício é bom para saúde, por isso dedica algum tempo a isso. "Hoje sei que ser magra não é sinônimo de ser bonita e nem de sucesso. Procuro me cuidar e ajudar outras pessoas que passaram e passam pelo menos que eu", afirma. "Me sinto uma voz na luta contra a gordofobia".