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Empresária faz sucesso com laces: 'Me salvou quando quase fiquei careca'

Irlaine Tavares, proprietária da It Wigs - Reprodução/Instagram
Irlaine Tavares, proprietária da It Wigs Imagem: Reprodução/Instagram

Hysa Conrado

De Universa, em São Paulo

25/10/2022 04h00

"De unha no fiado aos R$ 6 milhões faturados". Por algum tempo, essa foi a descrição do Instagram de Irlaine Tavares, 31 anos, empresária pioneira na venda de laces no Brasil. A frase, que revela um salto dos dias difíceis aos dias de glória, resume cerca de 15 anos da vida dela no Rio de Janeiro (RJ).

A Universa, Irlaine revelou as estratégias que fizeram da It Wigs uma das principais lojas online de laces do país —a personagem da atriz Taís Araújo na novela "Cara e Coragem", da TV Globo, usa um dos modelos da marca— e contou como aprendeu a usar a internet a seu favor. "Tenho a curiosidade de entender se o meu problema também atinge outras pessoas. Então, se resolver o meu problema também ajudar outras pessoas, percebo que tem uma possibilidade de negócio", afirma a empresária.

Primeiro, a manicure

Aos 14 anos, Irlaine decidiu que iria trabalhar como manicure depois de passar por uma situação embaraçosa: na escola, um rapaz disse que ela precisava começar a usar sutiã.

"As minhas amigas já usavam, menos eu. Dali em diante decidi que ia começar a fazer dinheiro para poder comprar minhas coisas, porque a minha mãe não podia me dar", lembra ela.

Irlaine conquistou a clientela do bairro e, com a agenda cheia, chegava a andar 4 quilômetros para ir à casa das clientes. O dinheiro entrou, mas as coisas começaram a dar errado. "Eu não sabia nada sobre empreendedorismo, então não cobrava nenhum valor a mais por isso."

Além de tudo, o banquinho que usava para atender as clientes não comportava seu 1,74m de altura, então sua coluna começou a doer. O jeito foi largar o trabalho de manicure que exerceu por dois anos.

irlaine  - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
“Eu não sou só empresária. Eu sou empresária e mulher preta, uso diversos tipos de cabelo porque eu amo”, afirma Irlaine
Imagem: Reprodução/Instagram

Por saber que não poderia ficar parada, Irlaine conseguiu uma oportunidade para trabalhar como vendedora para uma das gigantes de telefonia, onde passava cerca de 12 horas por dia em pé.

"Aguentei nove meses e pedi demissão. Sabia que se eu continuasse ali não ia conseguir abrir a minha empresa", conta. Pegou, então, o dinheiro da rescisão, investiu em equipamentos de fotografia, e passou a registrar casamentos e festas de 15 anos.

"Quase fiquei careca"

Foi durante os três anos em que trabalhou como fotógrafa que Irlaine começou a vender laces. Aqui, um outro capítulo da sua experiência pessoal serviu como estalo para começar o negócio. Aos 20 anos, ela quase ficou careca devido ao uso excessivo de mega hair.

"Toda mulher preta passa por essa fase", afirma. Foram os anos de baixa autoestima no colégio que a empurraram para o uso da extensão dos fios. "Meu cabelo foi ficando cada vez mais ralo, até que chegou o dia que não dava mais para colocar o mega. Tive que dar um jeito", conta.

A lace é um tipo de peruca que há algum tempo se tornou queridinha de famosas como Ludmilla, Pabllo Vittar e Anitta. Bem antes disso, porém, era no visual das cantoras norte-americanas que elas brilhavam: Beyoncé, Rihanna e Kelly Rowland são alguns exemplos.

irlaine  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Irlaine com a primeira lace que comprou para uso pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Até então, ela pensava que as afro-americanas usavam um tipo de alisamento especial e, por isso, o cabelo delas ficavam com um aspecto liso natural que não era possível de atingir usando os produtos brasileiros. Fuçando no YouTube, descobriu que eram as laces responsáveis pelo visual.

Quando comprou a primeira para uso próprio, precisou enfrentar uma verdadeira saga para importar o produto dos Estados Unidos: ela pesquisou até encontrar no Facebook um grupo de brasileiras que usavam lace, depois, como não tinha cartão de crédito internacional, pediu que uma das integrantes comprasse para ela. Deu certo e, tempos depois, as duas se tornaram sócias e abriram a primeira loja de laces.

"Descobrir as laces foi perfeito, porque era a única coisa que eu poderia usar e manter o meu cabelo guardado ali embaixo, cuidando para que pudesse voltar aos poucos à saúde", afirma.

"As Tavares"

Ficar com o visual parecido com o da Beyoncé pode não ser suficiente para convencer uma mulher a comprar uma peruca, principalmente quando existe um movimento de aceitação do cabelo natural até então inexistente no país. Mas foi nesse cenário que Irlaine viu sua primeira loja de laces crescer a ponto de largar a fotografia.

"Tive resistência, mas usei desse momento para fazer com que as mulheres usassem a lace para ajudar na transição. É um período em que o cabelo fica com duas texturas, então mostrava que a lace era uma saída para não sofrer e não precisar expor os fios até o dia do grande corte [que retira as pontas alisadas]", afirma a empresária.

Irlaine levou conteúdo sobre o acessório para a internet. No YouTube, passou a publicar vídeos no quais mostrava as facilidades da manutenção e a possibilidade de mudança rápida no estilo. "Foi assim que conheci a lace, então adotei o mesmo método. Muitas mulheres tinham a mesma ideia que eu sobre o alisamento das norte-americanas."

E foi uma foto dela ao lado da irmã, Marcelly Tavares, ambas usando laces com os fios platinados, viralizou nas redes sociais em 2016. As duas também postavam tutoriais de maquiagem, então não demorou para que "As Tavares" virasse hit.

"Naquela época muita gente pensou que realmente era nosso cabelo natural. Até hoje vemos muitos salões de beleza que usam aquela foto nas fachadas, como se fizessem aquele loiro", conta.

Carga roubada

Depois de cinco anos na sociedade que alavancou sua primeira loja de laces, Irlaine decidiu abrir uma nova empresa do zero e abriu a It Wigs. Ela tinha 24 anos e R$ 70 mil na conta, valor que usou para comprar a mercadoria.

"Estava apostando nisso e simplesmente fui roubada. A carga chegou em São Paulo depois de dois meses em trânsito, e aconteceu o roubo. Fiquei perdida e precisando de um plano B", lembra.

Como nas outras vezes em que precisou "dar um jeito", Irlaine pensou rápido: ela já tinha se firmado como influenciadora e percebeu que as seguidoras elogiavam suas sobrancelhas. A saída foi fazer um curso de micropigmentação.

irlaine  - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Irlaine também não abre mão do seu cabelo natural
Imagem: Reprodução/Instagram

Para isso, pegou dinheiro emprestado, fez cursos e recorda que chegou a dormir na rodoviária de Belo Horizonte (MG) para poder estudar. "Fiz o que precisava ser feito, trabalhei com isso por três anos, até que consegui reerguer a minha empresa", afirma.

Quando isso aconteceu, ela já tinha se tornado, também, uma referência na área da micropigmentação de sobrancelhas, tinha a agenda disputada e chegava a viajar para atender clientes de outros estados. Mas na hora de escolher a It Wigs como prioridade, não teve dúvidas.

Eu perdia até três horas para fazer 450 reais na micropigmentação e com as laces eu fazia isso em questão de minutos.
Irlaine Tavares, empresária e dona da It Wigs

Só no ano passado, a loja faturou R$ 2,2 milhões. Das clientes da loja, Irlaine conta que 80% são mulheres negras, e que os feedbacks que recebe vão além da sensação de liberdade por poder experimentar diversos visuais.

"Toda mulher preta passa por uma fase que não sabe o que fazer com o cabelo, porque a gente coloca tanta química que ele não desenvolve. A lace foi um ponto de virada na vida de muitas delas, que estão podendo cuidar do cabelo natural e vê-lo crescer saudável pela primeira vez", diz a empresária.

Mentora de outras mulheres negras

Hoje, além da It Wigs, o faturamento de Irlaine também vem do mercado de marketing de afiliado, uma modalidade de e-commerce na qual é possível ganhar comissões vendendo produtos de outras empresas ou marcas —Shopee, Amazon e Magalu são exemplos.

Nesse ramo, a empresária começou como afiliada, a pessoa que recebe a comissão, e hoje é produtora, que é quem cria o produto. A mercadoria, nesse caso, é sua visão e domínio do uso da internet para fazer dinheiro. Foi assim que ela se tornou mentora de outras mulheres negras que querem empreender.

"Elas têm dificuldade em se comunicar, não têm habilidade com a internet. Eu ensino tudo isso e consigo ver que há uma uma evolução por parte delas. Algumas já estão começando a fazer dinheiro, deixando de depender do marido ou de um emprego CLT. Tem uma que já faz R$ 30 mil de faturamento por mês", conta Irlaine.

Para ela, é importante ter outras referências de empreendedores negros no mercado. "Senti muito essa carência na minha trajetória", lembra a empresária, que tem como inspiração nomes como Rachel Maia, ex-CEO da Lacoste Brasil, e Zica Assis, fundadora do Beleza Natural.