Black é belo. E um negoção

Leila Velez é dona do Beleza Natural, rede de 40 salões, um deles em Nova York, especializada em cabelos afros

Débora Miranda Especial para Universa Karime Xavier/Folhapress

A carioca Leila Velez aprendeu com a mãe o pai, trabalhadores humildes, que a educação era o atalho para que ela conseguisse ser o que quisesse na vida. Ele era porteiro, e ela, empregada doméstica. Leila estudou em escolas públicas e se esforçava para achar bolsas de estudos e cursos gratuitos. Começou a trabalhar ainda criança, entregando roupas que a mãe lavava e, jovenzinha, fez faxina numa escola de línguas em troca de aulas de inglês. No começo da vida adulta, entrou como atendente no McDonald´s e, de tanto empenho no trabalho --que incluía ler manuais da empresa referentes a cargos que nem eram os dela -- , se tornou a gerente mais jovem da rede no mundo todo.

Foi um colega de trabalho, Rogério Assis, que a apresentou a Zica Assis (irmã dele), de quem Leia ficou amiga. Zica tinha sido babá e também faxineira. Tinha cabelos crespos e só conseguiu emprego depois que, contra sua vontade, os alisou. Mas não se conformava com essa realidade e a vontade de mudá-la foi o que faltava para ela investir em outra profissão: a de cabeleireira.

Nos idos de 1993, Leila e Zica decidiram empreender juntas e abrir o salão Beleza Natural, no bairro periférico da Muda, no Rio de Janeiro. As duas contaram com o apoio --e as economias-- de Rogério. E também, com a venda do Fusca do marido de Zica, que trabalhava como taxista, mas decidiu apostar no sonho da mulher.

O pequeno salão, hoje, é a maior rede do Brasil especializada em cabelos crespos, cacheados e ondulados. Tem cerca de 130 mil clientes mensais, que são atendidos em 40 salões, localizados em cinco estados brasileiros. A primeira unidade internacional foi aberta recentemente, no bairro do Harlem, em Nova York.

Leila é quem preside a empresa. O inglês, que ela ralou para aprender, foi essencial para que ela conseguisse fazer cursos em Harvard, Columbia e Stanford, nos Estados Unidos. Aos 44 anos, casada e com dois filhos, ela cumpre de dez a doze horas de trabalho por dia e, para dar conta do stress, cansa a beleza em corridas de rua e equitação. Além de reforçar a autoestima da mulher cacheada, ela replica em seus funcionários a lição que aprendeu com os pais: a educação é o caminho que leva para cima. Por isso, investe em treinamentos e incentiva os estudos, inclusive em faculdades, de sua equipe --formada 90% por mulheres.

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3 dicas para mulheres que querem ascender a chefes

Ousadia é importante: Às vezes a mulher se critica tanto, que acaba sem coragem para empreender. Acha que não está preparada, que não é a hora, que não vai conseguir. Ousadia, aliada, claro, à preparação, é fundamental

Leila Velez

Não pare de estudar: Não precisa ser num banco de escola. Dá para aprender visitando uma outra empresa, por exemplo. Preparada, você lida com mais facilidade com as novidades que aparecem todo dia numa companhia

Leila Velez

Fortaleça quem está ao seu lado: Dar musculatura para seus comandados fortalece a equipe. E, quanto mais forte ela for, mais você poderá contar com suas (diferentes) competências nos momentos complicados

Leila Velez

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Você tem origem humilde e, por isso, precisou trabalhar desde criança. Como conseguiu estudar?

Meus pais são muito simples, mas sempre deram valor à educação --que a gente chamava em casa de "atalho" para conquistar sonhos. Eu focava em tentar achar bolsas de estudos ou cursos que fossem gratuitos. Estudei em escolas públicas. Fiz faculdade de direito na UFRJ --que também é pública--, mas não cheguei a concluir e vi que não era minha vocação. Mas, quando a minha empresa começou a crescer, senti necessidade de alguns conhecimentos específicos. Então, voltei a estudar e fiz administração na ESPM. Tirei primeiro lugar no vestibular e consegui bolsa. Depois, não quis mais parar.

Fiz MBA, um curso de liderança em Stanford e outro de estratégia em Harvard. Continuo fazendo treinamentos a cada dois anos. É fundamental rever, de tempos em tempos, as nossas verdades.

O jeito como você aprendeu inglês já mostrava um pouco do seu perfil self-made woman, certo?

Sim. Eu queria aprender a falar a língua e não tinha condições de pagar, então, me ofereci para fazer faxina na escola em troca de aulas. Por causa das minhas notas altas, consegui depois uma bolsa de estudos. Comecei a trabalhar cedo. Com 10 anos, ajudava a fazer as entregas das roupas que minha mãe lavava. Com 12, passei a vender cosméticos de porta em porta. Adorava! Acho que daí surgiu a minha paixão por beleza e por fazer as pessoas se sentirem bem. Com 14, tive meu primeiro emprego formal, que foi no McDonald's. Comecei fritando batata, fazendo hambúrguer, e me apaixonei pela empresa. Me encantava aquela estrutura que se replicava em diferentes mercados e com sucesso. E como isso é feito? Com organização, controle, padronização e busca constante por melhorias. Comecei a ler todos os manuais, os que tinham a ver com a minha função e os das funções gerenciais. Fui promovida com 16 anos e me tornei a gerente mais jovem da rede no mundo.

Sair na frente quebrando barreiras é condição básica para empreender?

Claro que é. Quando você decide ser empreendedor, seu chefe é o cliente. E o cliente muda o tempo todo, quer coisas novas, te desafia todos os dias. Muito empresário, quando atinge um certo sucesso se acomoda; e esse é um passo definitivo para o negócio definhar.

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E como começou a Beleza Natural?

O Rogério Assis foi meu colega no Mc Donald's e me apresentou à Zica, sua irmã. Disso nasceu uma amizade que, depois, transformou-se em sociedade. Essa junção de forças e de visões diferentes de mundo foi muito importante para o sucesso do negócio. A Zica sempre foi apaixonada por cabelo, pela técnica, por esse viés de cabeleireiro profissional. No meu caso, a paixão é o negócio; eu queria criar uma organização que tivesse excelência em atendimento, que pudesse ter produtos e serviços inovadores. 

O que você considera importante que mulheres que queiram empreender saibam?

Meu conselho independe do sexo: o empreendedor tem que ter vontade que o mundo todo experimente aquela solução fantástica que ele ciou. Também é muito importante que o aspirante a empreendedor tenha clareza do que é o diferencial do seu negócio. Não precisa ser inovação pura e simples, mas precisa ter uma abordagem diferente. O Beleza Natural é um exemplo disso. Salões de beleza existem desde sempre. Nosso diferencial foi transformar o padrão em algo completamente novo, para um público novo, com produtos e serviços diferentes. Outra questão super importante é ter a clareza de que sozinho a gente não faz nada. Tenha sócios que sejam diferentes de você; isso normalmente é muito benéfico para o negócio.

Você deve ter sofrido diversos tipos de preconceito.

Inúmeras vezes. De bancos, fornecedores, parceiros. Nós quatro, os sócios fundadores, somos bem diferentes do perfil comum de empreendedores do Brasil. Somos negros e provenientes de uma realidade muito simples. E estávamos apostando em um nicho de mercado que praticamente não existia. Isso tudo foi motivo de dificuldades.

Muitas vezes, eu ia com um colaborar ou um gerente a uma reunião, e o interlocutor se dirigia a ele o tempo todo, por ele ser homem, branco ou qualquer outra razão. E, no final da reunião, quando percebia que eu era a tomadora de decisão, via-se claramente o constrangimento.

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Que erros cometeu na sua vida profissional e que agora, como líder, serviram de aprendizado?

As pessoas não têm a mesma energia, resiliência ou velocidade. Já exigi desempenhos que não podiam ser dados, por mais que fossem desejados. Algumas pessoas não conseguem acompanhar o ritmo de crescimento do negócio e, a cada momento, posso ter que mudar os funcionários. E isso é duríssimo. Errei muitas vezes porque insisti em fazer com que algumas pessoas mudassem de ciclo, quando elas já tinham chegado ao seu limite. Nessa situação, você frustra alguém e penaliza o negócio.

Na sua área, quais as vantagens de ser uma chefe mulher?

A questão da beleza e da autoestima é universal, mas a mulher tem uma sensibilidade maior com relação à importância disso. Então, uma das grandes vantagens é estar próxima da forma de pensar da maioria dos nossos clientes. E essa empatia facilita o negócio em todos os aspectos. A gente tem mais de 90% da equipe formada por mulheres. Em geral, acho que a mulher se comporta de uma maneira mais agregadora, ela entende o quanto uma visão mais holística é importante para o negócio. Não ser tão focado em apenas um aspecto do problema, mas entendê-lo de uma maneira mais abrangente, acho que é uma característica bastante feminina.

Com quem uma chefe mulher pode contar dentro da empresa?

Infelizmente, vejo mulheres que foram forjadas num nível de dificuldade muito grande para chegarem a uma posição de liderança. E várias, quando chegam, não pensam em ajudar as outras. Acredito que o ideal é a gente criar condições para que haja uma rede de apoio mútuo, para que ela se torne cada vez mais resistente. Um líder inteligente, independentemente do sexo, quer ver o seu time se desenvolvendo. E, para que isso aconteça rapidamente, é necessário apoio, feedback e crítica construtiva.

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Você acha que demonstrar fraqueza pode atrapalhar, num cargo de liderança?

Acho que não, sinceramente. Essa atitude pode trazer uma relação muito mais transparente com a equipe. Você não se enfraquece por mostrar que não tem todas as respostas. Isso humaniza e mostra que você realmente acredita que o trabalho em equipe é importante. Agora, é claro que a equipe quer se inspirar na energia do líder, e, nisso é muito importante ter firmeza.

Qual você considera que tenha sido o seu principal feito como líder?

Eu tenho um orgulho enorme, todos os dias, dessa organização que criamos. Do fato de a empresa representar a valorização da maioria da nossa população: a mulher brasileira cacheada e crespa.

Cerca de 75% do país tem cabelos crespos e ondulados e 54% é negra ou parda. Então, ter uma empresa que respeita essa mulher e que a valoriza é o meu maior motivo de orgulho. Além disso, 90% da nossa equipe tem no Beleza Natural o seu primeiro emprego. 

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Por que investir em jovens profissionais é importante para a empresa?

O mesmo pensamento que sempre pautou a minha vida, que a educação é um atalho, eu replico na nossa equipe. Os treinamentos que a gente dá --e eles já começam nos primeiros dias --vão se sofisticando à medida que o funcionário vai subindo nas funções. Eles são sobre liderança, trabalho em equipe e autodesenvolvimento, por exemplo. É uma energia criadora muito forte.

Temos também parcerias com universidades e conseguimos descontos bastante relevantes. Além disso, trabalhamos com um horário flexível para que as pessoas possam voltar a estudar. É um ambiente que empurra para cima.

Vocês recentemente abriram a primeira loja em Nova York. Como foi tomar essa decisão?

Dá um frio na barriga só de pensar. Escolhemos lá como o primeiro local porque ele concentra características promissoras como economia estável, concentração muito grande do nosso público-alvo e poder aquisitivo do consumidor condizente com os serviços e os produtos que a gente oferece. Até hoje, você conta nos dedos de uma mão a quantidade de cabeleireiros fora do Beleza Natural que sabem como cuidar, cortar e fazer escova num cabelo crespo/ondulado. Estamos criando essa cultura de valorização e isso fala com o mundo todo.

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