'Minha filha caiu do berço e criei fábrica de móveis que fatura R$ 9 mi'

Quando Amanda Chatah engravidou de Flora, aos 20 anos, no ano 2000, não havia o costume de usar o Google para se informar.

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"Descobri tudo na marra. O médico colocou o pé no meu peito no parto e só descobri muitos anos depois que havia sofrido violência obstétrica. Minha filha nasceu com a clavícula quebrada. Me separei do pai dela quando Flora tinha 9 meses e criei meio sozinha e muito nova. Não tem nada romântico: conciliar carreira e maternidade é uma dificuldade da nossa sociedade", ela conta.

Mas, apesar das dificuldades, levou consigo um ensinamento da mãe, que também a criou sozinha: aconteça o que acontecer, é importante ser independente.

Com uma criança pequena em casa, terminou o curso de design de moda na faculdade e trabalhou como produtora, fazendo stylist, campanhas, catálogos e grandes produções - "imagina fechar a Broadway em Nova York, com fotógrafo vindo da Alemanha e um monte de modelos?", lembra-se. A experiência a levou a trabalhar com marketing de marca de beleza e aprender um pouco mais.

Mas quando conheceu o atual companheiro, José, e engravidou pela segunda vez de Olívia, em 2014, tudo mudou. Após quatro meses de licença, voltou ao trabalho ainda amamentando, fazendo reuniões. "Porque voltamos a trabalhar antes do período de aleitamento materno recomendado pela OMS? Percebi ali que não cabia nesse sistema. Fui demitida em três meses", ela diz.

Amanda Chatah
Amanda Chatah Imagem: Divulgação

O clique do tombo

Ao montar o quarto de Olívia, escolheu um berço alto, com sistema de grades. Um dia, escutou o barulho de longe: a bebê, aos 9 meses, havia caído após baixar a grade de proteção sozinha. Após levar ao hospital desesperada e concluir que não havia acontecido algo mais grave, ela percebeu que havia algo errado.

Passei a me perguntar por que a gente coloca a criança em um berço. Quero dormir em paz e saber que a filha não vai cair de lugar nenhum, conta.

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Na época, ela compartilhou os pensamentos em um blog de maternidade no qual escrevia. Várias mães compartilharam as histórias dos filhos e queda de mobília. Foi assim que ela descobriu a Montessori, filosofia educativa que defende que os espaços precisam ser feitos para as crianças, de modo que tenham autonomia.

"Tive um clique: quem habita o quarto é minha filha e não eu. Tudo precisa estar ao alcance dos olhos e das mãos e ser seguro. Resolvi desenhar um quarto baixinho para ela", diz.

No apartamento que havia acabado de comprar, ela montou móveis montessorianos e compartilhava em seu blog. Um dia, uma das mães a chamou pedindo para mostrar uma das peças na loja onde trabalhava, a Westwing.

Uma mãe sempre salva a outra. Já havia feito alguns móveis a preço de custo e levei o que tinha. Saí de lá com contrato assinado e assim nasceu a Muskinha. Tinha que fazer uma campanha para o Dia das crianças e em 40 dias entregar tudo.

Ambiente do Muskinha
Ambiente do Muskinha Imagem: Divulgação

Lá vem o sucesso

Depois de ficar em dúvida se daria conta, vendeu o próprio carro, alugou um galpão e ia buscar marceneiros na rua do Gasômetro para trabalhar das 18h à 0h todos os dias. Tudo fluiu e ela resolveu investir: montou uma marcenaria, vendeu o apartamento e entenderam que era o momento deles seguirem o sonho.

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O resultado foi positivo: participaram do Shark Tank Brasil, ganharam repercussão e fizeram o mundo entender que a proposta não era apenas mudar os móveis das casas de pessoas que têm filhos mas, sim, transformar a família.

"Temos depoimentos muito animadores. Por exemplo, mães com crianças no espectro autista que passaram a comer sozinhas porque a mesa tinha altura deles. Isso foi nos levando em frente", ela conta.

E assim, de feiras de produtos para crianças no fim de semana, marcenaria e loja física e online, o negócio cresceu.

"O que impede as pessoas de empreenderem é achar que precisa ter tudo certinho. Na verdade, o que precisa é acreditar e começar", ela diz, hoje com 50 funcionários e uma fábrica de 1.500 m² que atende todo o Brasil e recebe alguns pedidos de fora do país, mas ainda não tem trabalhado a exportação. No catálogo são 2.500 variações de produtos.

Em 2019, ela engravidou outra vez, do Antônio.

Dia desses, levei meus filhos para a academia e os deixei em uma salinha na recepção, porque não tinha com quem deixar. Fui chamada e expulsa do local porque ali não poderiam ficar crianças. Mesmo que estivessem sentadas, desenhando. Temos que ser mães magras e lindas, mas não podemos ser mães nem na academia, ela conta indignada.

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Amanda Chatah cercada por Flora (a dir.), Olívia (à esq.) e Antônio
Amanda Chatah cercada por Flora (a dir.), Olívia (à esq.) e Antônio Imagem: Divulgação

Seu propósito, então, é criar um design que cuida e luta para dar protagonismo à criança. A ideia é tirar as crianças das telas, fazendo um circuito do brincar. "Vender mais que móveis", ela defende.

A Muskinha hoje tem parceria com a Casa Cor e já fez brinquedotecas em espaços "de adulto", criou design de palmilhas de sapatos e ainda tem um projeto filantrópico: o Decor Social, no qual reformam espaços e projetam móveis funcionais para abrigos de crianças.

"Às vezes, tudo que eles precisam é de uma escada no beliche para poder ir ao banheiro à noite. Vivemos em sociedade para isso, para contribuir. As crianças merecem e o rosto delas depois da reforma compensa demais", ela conta.

A Muskinha hoje faz parte da Hestia Holdings, que trabalha com outras marcas voltadas ao bem-estar infantil. Amanda ainda tem planos de lançar um livro em setembro com oito módulos de aulas para incentivar mulheres a terem independência financeira.

Muito mudou desde que a primogênita Flora nasceu, há 24 anos. "Eu não tinha amigas com filhos e aprendi tudo na marra, inclusive que havia vivido violência obstétrica. Quase 20 anos depois, Antônio nasceu na banheira de parto normal sem anestesista, graças à informação que acumulei nesse tempo", diz.

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Para colaborar com outras mães que tenham passado pela mesma dificuldade que ela ao serem demitidas na volta da licença maternidade, ela só comprar de mães.

Até a empresa que faz limpeza no sofá de casa é de uma mãe solo. A gente tem que se ajudar. Quando alguns caminhos se fecham, outros se abrem. Precisei passar por isso para tudo acontecer e hoje eu contratar outras mulheres que têm filho para trabalhar comigo. Enquanto a gente não entender que que precisa de uma aldeia pra cuidar das crianças, nada muda. Todos nós somos responsáveis pela criação deles, ela diz, ciente de que o caminho para a independência começa com autonomia. E vem de berço. Literalmente.

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