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Premiada nos EUA e superação de burnout: quem é a criadora da Conta Black

Fernanda Ribeiro, 37 anos, é sócia-fundadora da Conta Black, fintech que atua para democratizar serviços financeiros - Divulgação
Fernanda Ribeiro, 37 anos, é sócia-fundadora da Conta Black, fintech que atua para democratizar serviços financeiros Imagem: Divulgação

Caroline Marino

Colaboração para Universa, de São Paulo

15/08/2022 04h00

Depois de uma jornada de sucesso no mundo corporativo, chegando a posições de liderança, a paulista Fernanda Ribeiro, 37, se tornou sócia-fundadora da Conta Black, empresa que atua para democratizar serviços financeiros, e uma das 50 mulheres influenciadoras na área de sustentabilidade pela Bloomberg. Mas, antes disso, ela sentiu os reflexos do trabalho em excesso e de atuar com um chefe extremamente machista e racista. "À medida que eu crescia na empresa, via cada vez menos pessoas parecidas comigo e minha sensação era de que eu precisava trabalhar ainda mais. Ser negra em um cargo de liderança é ter que entregar o triplo", diz.

Em um domingo, ela teve um burnout e chegou a ficar alguns dias internada. "Quando meu gestor ligou questionando se eu não iria trabalhar, percebi que era hora de mudar e fazer uma transição de carreira", lembra. Fernanda conta que era comum ver o mesmo perfil de profissional se destacar na companhia: "É o que chamam de 'broderagem': homens se favorecendo, mesmo que não haja entrega efetiva. Esse ambiente é adoecedor", afirma.

Mas antes de pedir demissão para tirar um ano sabático e, assim, encontrar seu propósito e buscar novos conhecimentos, ela se organizou, preparando um sucessor para seu cargo e fazendo um planejamento financeiro para não passar perrengue. Fernanda deixou o emprego e, no oitavo mês de reflexão, conheceu alguns profissionais, como Sergio All e Celso Kleber, que propuseram a criação da Afro Business, uma rede para unificar seus networkings.

Nesse processo, perceberam o gap financeiro para pessoas pretas, que têm mais dificuldade em abrir conta e ter acesso a crédito. Segundo um levantamento feito em 2020 pelo banco JP Morgan e pela aceleradora Preta Hub com 1.220 pessoas negras e brancas em todo o país, cerca de 30% das negras tiveram crédito negado sem explicação. E Sérgio havia feito parte dessa estatística. "Há uns 10 anos, ele solicitou crédito e mesmo com o nome limpo, tendo movimentação financeira e à frente de uma empresa com mais de 30 funcionários, não conseguiu."

Como nasceu a Conta Black

Foi para ajudar a mudar esse cenário que Fernanda, Sérgio e Celso fundaram, em 2018, a Conta Black. "Nosso objetivo é olhar a inclusão social e financeira do público preto e periférico", ela explica. O negócio, que começou como uma empresa de arranjo de pagamento que, por trás, ofertava conta bancária e cartão pré-pago, hoje conta com uma base de 30 mil clientes espalhados nos 27 estados do Brasil, com serviços de ponta a ponta —de pagamentos, TEDs e Pix a empréstimo, consórcio e seguro. Além disso, tem como parceiros empresas como Google e Mastercard. E Fernanda, além do reconhecimento da Bloomberg, ganhou os prêmios EmpregueAfro Talentos da Diversidade (2016) e Citi Jovens Empreendedores (2017). Ela também foi reconhecida pelo governo dos Estados Unidos como mulher negra líder, em 2019.

O desafio do primeiro investimento

Mas o processo até aqui não foi simples. A empresa só conseguiu o primeiro investimento depois de dois anos. "Sabia que seria difícil e o processo exigiria paciência e determinação. Isso num cenário no qual sabemos que muitas startups conseguem aporte bem no início, quando o negócio nem está no papel e não há números para mostrar. Nós já estávamos estruturados e tínhamos dados, mas o 'sim' demorou", diz. Até que um investidor-anjo negro de fora do Brasil investiu o equivalente a R$ 1,5 milhão na época.

"O acesso ao crédito é cansativo e as rodadas de investimento sempre foram desafiadoras", diz. Fernanda conta que no início da empresa, havia mais dois sócios, que eram brancos, e quando o time ia às rodadas de captação, eles também participavam —o que mostrava claramente o preconceito.

Fernanda - Divulgação - Divulgação
Fernanda é uma das 50 mulheres influenciadoras na área de sustentabilidade pela Bloomberg
Imagem: Divulgação

"A Conta Black sempre foi uma empresa de protagonismo preto e a maioria dos sócios eram negros, mas quando íamos às reuniões, todas as perguntas que envolviam conhecimento específico do público eram direcionadas para um dos sócios que era branco, que não tinha vivência para responder sobre a comunidade negra. Às vezes, toda a conversa era direcionada a ele", afirma. Segundo Fernanda, o então sócio até falava: "acho que essa pergunta deve ser direcionada à Fernanda, por exemplo", mas não adiantava.

'Não existe um lugar que não seja para nós'

Mas a palavra desistir nunca esteve no vocabulário de Fernanda, nem dos sócios. "A jornada do empreendedor é uma montanha-russa de emoções. Você começa o dia motivado e pode terminar desanimado. Mas nós, pessoas pretas, estamos meio acostumadas a resistir, calejadas mesmo. Além disso, tínhamos certeza do potencial de nosso negócio e continuamos de pé", diz.

Para Fernanda, essa certeza, aliada ao brilho nos olhos de construir algo com propósito, na linha "vamos continuar independentemente de qualquer coisa", é essencial para construir uma empresa e ter sucesso. "Temos no DNA do negócio o ímpeto de tentar transformar escassez em abundância, sobretudo um propósito que está para além de nós mesmos, que quer mudar as coisas e inverter essa lógica que está posta, que empurra as pessoas, em especial as pretas, para o processo de endividamento", afirma.

Isso, claro, com números que mostram o potencial do negócio, uma equipe bem preparada e tecnologia para fazer tudo acontecer da melhor maneira. E, para as mulheres, Fernanda dá um conselho: "Estejam disponíveis para 'hackear' o sistema. Sabemos que existe uma estrutura jogando contra, literalmente, e precisamos encontrar brechas para fazer os nossos negócios acontecerem", diz. Para ela, as mulheres têm muitos pontos positivos para chegar lá, como a sapiência de ler os lugares e as pessoas de maneira mais rápida para agir e tomar decisões.

"Sei que é cansativo e desafiador, mas trabalhe para encontrar essas brechas, pois não existe um lugar que não seja para nós. Precisamos ocupar esses lugares e, se for preciso, causar incômodo para que as pessoas olhem e pensem: 'o que aquela mulher está fazendo aqui?", completa. Para a empreendedora, conseguimos muitas transformações com isso. "Olhe para mim: sou o contraponto do estereótipo do mercado financeiro que, normalmente, é formado por homens brancos e mais velhos, mas estou aqui gerando mudanças", finaliza.