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Mexeu com mulher na rua? Em Salvador, isso pode dar multa de até R$ 20 mil

Toques no corpo da mulher sem consentimento e falas constrangedoras podem resultar em punição financeira - iStock
Toques no corpo da mulher sem consentimento e falas constrangedoras podem resultar em punição financeira Imagem: iStock

Fernando Barros

Colaboração para Universa, de Salvador

16/08/2022 04h00

Se, para alguns homens, um comentário com conotação sexual a uma mulher desconhecida na rua é um "elogio" ou uma "cantada", em Salvador, agora, isso é motivo de multa. Desde o início de agosto, a cidade implementou a Lei do Assédio, que obriga o autor de ofensas e de outras práticas —como toque no corpo sem consentimento— a pagar um valor que vai de R$ 2 mil a R$ 20 mil. Segundo a nova regra, qualquer comportamento, fala ou gesto de pessoa que assedie, importune ou constranja uma mulher em local público ou privado será passível de punição financeira.

Com a nova lei, casos como o que ocorreu com a assistente de salão de beleza Betania Silvério, 41, no dia 20 de julho deste ano serão enquadrados como infrações. Betania, que é mineira e mora em Salvador desde 2017, relata que estava em um ônibus a caminho do trabalho quando foi vítima de importunação sexual.

Ela estava em pé no coletivo quando um homem que ela não conhecia se aproximou por trás e e se encostou nela com o pênis ereto. "Num primeiro momento não acreditei que aquilo estava acontecendo, precisei olhar três vezes para me certificar. Me senti invadida, com nojo e repulsa de ter meu corpo tocado por alguém que nunca vi na vida."

Ao se dar conta que estava sendo assediada, Betania começou a filmar a situação com o celular, tentando disfarçar para o homem não perceber. Com o vídeo em mãos, ela foi até o cobrador e o motorista do ônibus, explicou o que estava acontecendo e pediu para que fossem até a delegacia.

"Nessa hora, o motorista parou o veículo e muitos passageiros começaram a reclamar porque o ônibus tinha parado. O homem que me importunou começou a dizer que eu era maluca e, como as portas ficaram abertas, ele aproveitou para fugir no meio da confusão", recorda Betania, que registrou, depois, um boletim de ocorrência na delegacia.

"Homem pôs o pênis pra fora na minha frente. Gritei mas ninguém fez nada"

Isabela Garrido foi vítima de importunação sexual em Salvador - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Isabela Garrido foi vítima de importunação sexual em Salvador
Imagem: Arquivo pessoal

A relações-públicas Isabela Garrido, 34, também já viveu uma situação de constrangimento parecida há alguns anos.

"Estava no ponto esperando o ônibus quando, do nada, um homem empurrando um carrinho de vender milho na rua parou em minha frente e pôs o pênis para fora da calça, se insinuando. Comecei a gritar, mas ninguém me ajudou nem fez nada. Acabei passando por louca", relata.

Betania espera que a nova lei ajude a inibir atos como o que aconteceu com ela.

"Espero que, pesando no bolso, um homem pense duas vezes antes de assediar, importunar ou invadir o espaço de uma mulher. E que mais pessoas denunciem para que os casos não fiquem subnotificados" — Betania Silvério, vítima de importunação sexual

Ao contrário dela, Isabela se mostra cética em relação à efetividade da nova legislação. "Pela morosidade e o descaso com que os casos muitas vezes são recebidos, acho que ainda há pouca estrutura para acolher as denúncias de violência contra a mulher, seja na polícia, seja na Justiça, e isso ocorre mesmo quando há agressão física", opina.


Multas variam entre R$ 2 mil e R$ 20 mil

De acordo com a "Lei do Assédio", o valor devido vai depender da gravidade da situação. As classificadas como "leves" ou "de menor potencial ofensivo" terão multas entre R$ 2 mil e R$ 2.500. Já as infrações consideradas médias, como tocar o corpo da mulher sem a sua concordância, poderão custar ao bolso dos importunadores até R$ 5 mil.

As infrações mais graves, como estupro, serão punidas com multas de até R$ 20 mil. Além de proceder à aplicação das multas, as denúncias também serão encaminhadas à polícia e ao Ministério Público Estadual, para o processamento nas respectivas esferas.

O dinheiro arrecadado com as infrações definidas pela nova lei será destinado ao orçamento da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude de Salvador, para ser investido em iniciativas de enfrentamento e combate à violência contra a mulher.

Importunação sexual é crime no Brasil, mas não prevê multa

O crime de importunação sexual existe no Brasil desde 2018, e é definido como sendo a prática de um "ato libidinoso", algum tipo de contato sexual contra uma pessoa sem que ela tenha dado consentimento. A pena é de um a cinco anos de prisão, mas não prevê multa.

O projeto de lei surgiu após diversos casos de homens que se masturbaram ou agrediram sexualmente mulheres dentro de transporte público terem ganhado repercussão nacional.

Como denunciar

Em Salvador, as denúncias podem ser feita pela própria vítima ou por terceiros por meio do número 156. Após discar, a pessoa deve escolher a opção nove do menu e, depois, a quatro, para denunciar. Dessa forma, a comissão estabelecida pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres vai investigar o ocorrido para que haja a punição financeira. A queixa também é encaminhada às autoridades para investigação criminal.

Se você foi ou conhece uma mulher que tenha sido vítima de importunação sexual ou outro tipo de crime de gênero, pode ligar para o número 180, canal do Governo Federal que registra denúncias e dá orientações de como agir nesses casos. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

Para denunciar formalmente, procure a delegacia próxima de sua casa, de preferência especializada no atendimento à mulher, ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet.