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Maria Ribeiro: 'Sou vaidosa com a minha idade. Quero ter 46 com cara de 46'

A atriz e escritora Maria Ribeiro - Bob Wolfenson
A atriz e escritora Maria Ribeiro Imagem: Bob Wolfenson

Nina Rahe

Colaboração para Universa, de São Paulo

16/06/2022 04h00Atualizada em 21/07/2022 13h19

Você sabe o que é ser uma garota nesse mundo? Quais são os obstáculos para uma mulher e não para um homem? Essas são algumas das questões que a atriz Maria Ribeiro levanta todas às sextas, sábados e domingos no monólogo "Pós-F" (em cartaz até 26 de junho em São Paulo), criado a partir das experiências da roteirista e escritora Fernanda Young narradas no livro de mesmo nome. Morta em 2019 vítima de uma parada cardíaca, a ideia inicial da peça era que as duas contracenassem.

No caso de Maria, entender o que é ser uma mulher no mundo foi justamente o que a fez tentar, por muito tempo, ser vista e aceita como um garoto. Mas durante a maternidade —e com a grande rede de proteção que se formou em torno dela, composta apenas por mulheres —a atriz percebeu que o sexo feminino não tem nada de frágil. "Descobri que a força masculina não era uma força que me interessava, porque não é uma força que inclua vulnerabilidades", lembra. "Sempre fui sensível, cheia de dúvidas e, para ser aceita nesse clube, eu não podia ter. De alguma forma, estava me violentando."

Maria Ribeiro para Bob Wolfenson - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
Imagem: Bob Wolfenson

A atriz, que já chegou a se declarar bissexual mesmo não sendo, mas por acreditar que era importante abordar o tema na televisão, diz que jamais quer ser colocada dentro de uma gaveta, ainda que essa gaveta seja a de uma mulher corajosa e que banca suas ideias.

A ausência de definições estanques está também no cerne de um dos projetos que Maria anunciou como seu terceiro filho. No podcast "Isso Não É Noronha", que realiza com a atriz e amiga Isabel Guéron, o roteiro é simplesmente falar sobre aquilo que quiserem - do projeto que pretende legalizar o homeschooling à ditadura do bem-estar.

Tudo porque Maria segue investindo cada vez mais no que considera o maior charme de todas as mulheres: a inteligência. "Claro que faço laser, botox, mas não vou colocar algo que não vai diminuir a minha idade e talvez ainda tire a minha dignidade. Quero ter 46 com cara de 46", conclui a atriz.

UNIVERSA - No monólogo "Pós-F", a Fernanda Young diz ter pago um preço altíssimo por não se dobrar, não se curvar às regras. Você também paga?
MARIA RIBEIRO - Acho que sou bem menos corajosa que a Fernanda porque ela se jogava sem rede de segurança. Eu tive uma formação muito repressora, mas mesmo que eu faça um esforço enorme para lutar contra --e seja até um dos meus prazeres afrontar essa família, que é careta--, ainda faço parte disso. Mesmo quando afronto, existe uma coisa apolínea na forma de fazer. Me posiciono, mas dentro desse lugar que entendo como combativo há uma aceitação nem que seja de uma bolha.

Maria Ribeiro em cena do monólogo "Pós-F" - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
Maria Ribeiro interpreta Fernanda Young em cena do monólogo "Pós-F"
Imagem: Bob Wolfenson

A Fernanda era muito mais "foda-se, sou livre, não me adequo". E eu também não tento fazer do meu jeito uma prisão. Trabalhei com o [ator e diretor] Fauzi Arap, e ele mudou minha vida. Dizia: "Essa história de ser, a gente não é nada". Então vai sendo, e uma hora você irá olhar para trás e verá o que tem sentido. Eu não quero ser colocada em uma gaveta, nem mesmo de alguém que é corajosa e que banca suas ideias porque não é algo que eu programei, mas que faço naturalmente.

Você disse ter tido uma criação repressora e a peça enfatiza muito um lugar de aprender e também desaprender. Na sua criação, como se deu esse processo de construir e desconstruir certezas?
Minha mãe sempre quis trabalhar e meu pai não deixava, e via também como ela se sentia desprotegida sem ele. Como não queria passar pelas mesmas coisas, me tornei um garoto e me achava muito especial por ser aceita entre os homens da família. Mas quando tive filho, aos 27 anos [João Betti, 19 anos, de seu casamento com o ator Paulo Betti], não quis contratar nenhuma ajuda porque queria fazer diferente da minha mãe, e comecei a perceber que as pessoas que estavam do meu lado, seja para ajudar com meu filho ou quando estivesse angustiada, eram mulheres.

Maria Ribeiro - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
"Quero envelhecer cada vez mais inteligente, sabendo mais, porque o charme tem muito a ver com inteligência"
Imagem: Bob Wolfenson

Percebi ali que a grande rede era feita por mulheres e até então eu estava perdendo isso porque achava que era legal ser amiga dos meninos. Foi nesse momento que descobri que a força desses caras não era uma força que me interessava, porque não é uma força que inclua vulnerabilidades. Eu tinha medo de avião e meu pai dizia que não existia esse sentimento. Eu sempre fui sensível, cheia de dúvidas e, para ser aceita nesse clube, eu não podia ter. De alguma forma, estava me violentando.

Você já declarou que considera os seus filhos 100% feministas. Como foi educar o João e o Bento?
Eles passam o fim de semana com os pais [Bento, 12 anos, é fruto de seu relacionamento com o ator Caio Blat] mas a maior parte do tempo estão comigo. Tenho vários defeitos como mãe, mas não sou hipócrita e eles sabem que podem conversar comigo sobre tudo. Dividindo a vida comigo, também não há esquema que os proteja das situações que eu passo. E já passei por situações de machismo muito violentas. Acho que virei feminista aos 8 anos, quando vi minha mãe ser barrada ao ir me buscar no clube e não conseguir entrar porque tinha se separado do meu pai.

Eu tinha saído do tênis e a vi chorando, numa situação muito frágil e achei que teria que ser muito dura para não passar por algo assim. Enquanto na minha casa o lado forte era o masculino, meus filhos estão em um lugar de entender que o lado forte sou eu. Hoje eu sei que não preciso ser tão dura, mas meus filhos ainda me veem em situações nas quais sou tratada diferente por ser mulher. E quando me coloco, eles estão tendo aulas na prática de uma feminista ainda sofrendo em um mundo machista.

Maria Ribeiro em ensaio para Bob Wolfeson - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
"Claro que faço laser, faço botox, mas não vou preencher minha boca", diz Maria
Imagem: Bob Wolfenson

Você se pega pensando sobre o envelhecimento vendo seus filhos crescerem?
Amei ser mãe de adolescente e amo ser mãe de um adulto. Vivo com dois caras muito maneiros e o tempo inteiro tenho noção dessa sorte. Fico aproveitando porque sei que daqui a pouco eles vão sair de casa. Agora, se tenho um filho de 19 anos, isso quer dizer que tenho 46? Não, não quer dizer, eu tenho. E quero ter 46 com cara de 46. Acho que quero envelhecer cada vez mais inteligente, sabendo mais, porque o charme tem muito a ver com inteligência. Esses dias estava ouvindo um podcast com a Heloisa Starling e, quando terminou, eu queria casar com ela. Ela tem 66 e, cara, como é sexy ser inteligente.

Mas como é lidar com a passagem do tempo em uma sociedade com tanta pressão estética?
Tenho amigas que falam que não fazem nada, que comem de tudo. Mentira. Come de tudo e está com esse corpo? Eu seguro minha onda pra caramba para comer porque o metabolismo vai desacelerando.

A aceitação do corpo é o máximo, mas eu sou feliz desse jeito, cabendo nas minhas calças, e também tenho que poder escolher o jeito que quero viver.

Maria Ribeiro - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
Maria Ribeiro em ensaio para Bob Wolfenson
Imagem: Bob Wolfenson

Não pretendo fazer plástica, mas pretendo continuar entrando nas minhas calças. Claro que faço laser, faço botox, mas não vou preencher minha boca. Se eu estiver com rugas em cima dela, vou ficar triste, mas não a ponto de colocar algo que não vai diminuir minha idade, e ainda talvez tire minha dignidade. E, outra, eu tenho uma vaidade de assumir a minha idade. A minha vaidade passa por ter a idade que tenho. E aí você vai nos truques, sai usando mais camiseta, mais jeans, deixa os babados de lado.

E qual é o lugar que o autoprazer ocupa na sua vida? Você usa vibradores, gosta?
Descobri muito recentemente e fico constrangida de falar sobre isso. O que posso dizer é que descobri recentemente, mas não é algo que fico super à vontade de falar.Na peça, tem um momento que falo do pau. O dia que minha mãe foi assistir, fiquei superconstrangida. Porra, tenho 46 anos, pago as minhas contas e essa parte da peça sobre sexualidade é uma parte que me deixa constrangida.

A Fernanda termina falando que quer que a gente fale mais da ereção da mulher, que a gente precisa falar tanto da ereção da mulher quanto a gente fala da ereção do homem e é um lugar que não me sinto à vontade. Hoje em dia tenho vibradores, claro, mas os descobri faz três anos, é ridículo. Preciso evoluir nesse departamento.

Depois de dois casamentos, como vê o modelo ideal para uma boa relação?
Eu vivi 20 anos da minha casada e em relacionamentos monogâmicos. Foram oito anos com o Paulo [Betti] e 14 com o Caio [Blat]. Namorei dos 17 aos 21 anos, depois casei com o Paulo e emendei com o Caio. Após esse período, vivi aos 40 anos uma solteirice que ainda não tinha vivido. Conheci muita gente legal, mas não consigo nem pensar em morar junto, ainda mais agora que vivo com dois garotos, de 12 e 19.

A atriz Maria Ribeiro - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
"Tenho vontade de relações monogâmicas com pausas e sem grudes"
Imagem: Bob Wolfenson

Agora, relacionamento aberto, já não sei, acho que não conseguiria. Acho incrível quando ouço minhas amigas, a Fê Nobre, minha comadre, virou embaixadora do relacionamento aberto e eu penso, caramba, ela veio com um chip melhor que o meu. Gosto de dividir a vida, acho dois um número legal, mas também porque sou velha e careta. O que tenho vontade são relações monogâmicas com pausas e sem grudes, cada um podendo ficar sozinho quando quiser. Vivi dois casamentos nos quais o casal era a entidade acima do indivíduo e hoje sou muito feliz com o indivíduo.

Você está em um relacionamento deste tipo agora?
Eu sempre peguei minha vida na esteira do [diretor e dramaturgo] Domingos Oliveira. Casei, vou transformar em filme. Separei, vou transformar em filme. No meu último documentário, que foi "Outubro", juntei meu descrédito na democracia com a desilusão do casamento, mas a quantidade de matéria que saiu sobre se o Caio [Blat] votou ou não no Aécio me fez tomar uma decisão de não falar mais sobre a minha vida amorosa.

Eu sou muito exibida, adoro redes sociais, adoro postar minha vida, mas a repercussão que tomou meu divórcio foi algo que me machucou. Não dá para ficar vendo tantas mentiras sobre a sua vida, sobre divisão de bens e sobre o Aécio.

Eu fiz um filme na raça, do qual me orgulho. Fui de noiva para Avenida Paulista em plena passeata bolsonarista. Fiz uma associação superinteressante sobre casamento e democracia e ver isso transformado em fofoca de casal, fiquei muito puta. Sou muito cascuda, mas nessa história me machuquei.

A atriz e escritora Maria Ribeiro - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
Imagem: Bob Wolfenson

Você chegou a dizer em uma entrevista que estava em um período de várias paixões por mulheres. Paixões que não eram físicas, mas intelectuais. Já chegou a se relacionar com alguma mulher?
Quando entrei no [programa] "Saia Justa", em 2013, falava com muita frequência que todo mundo era bissexual e eu certamente era, mas não tinha encontrado a mulher certa. Naquele momento, achava que aquilo era importante politicamente. Hoje em dia, já acho que, se eu disser que sou bissexual, vou estar mentindo e eu não tenho lugar de fala porque nunca namorei mulher.

Então, quando meus filhos me perguntam por que na Wikipedia está que sou bissexual, eu digo que é porque eu gostaria de ser e porque, naquele momento, quando eu tinha voz toda semana para falar para o Brasil, achava que era algo importante de ser dito e naturalizado.

Mas o fato é que só namorei rapazes, não aconteceu ainda de me apaixonar por uma mulher e não quero me apropriar de um discurso só porque hoje em dia talvez pegue bem.

Maria Ribeiro em seu primeiro monólogo, "Pós-F" - Bob Wolfenson - Bob Wolfenson
Maria Ribeiro em cena de seu primeiro monólogo, "Pós-F"
Imagem: Bob Wolfenson

Você se dá muito bem com as atrizes Luisa Arraes e Dadá Coelho, respectivamente, atuais do Caio Blat e do Paulo Betti. Como foi conquistar essa relação?
Acho que eu tive esse aprendizado com o Paulo. No nosso primeiro ano de namoro, ele me levou para conhecer a [atriz] Eliane Giardini. Fui colocada nessa situação muito garota, com 21 anos, e eu a admirava pra caramba. Por que eu me privaria disso? Acho que o Paulo foi um grande professor para mim nesse lugar e aí fui refinando isso também. Antes da Dadá, ele foi casado com a [artista transdisciplinar] Mana Bernardes, então, quando o relacionamento com a Dadá começou, a gente já era praticamente irmão.

A aproximação com a Luisa levou mais tempo porque ela começou com o Caio em seguida da nossa separação. Demorou uns seis meses, mas, a partir do momento que a pessoa é maneira com meu filho, como não vou gostar dela? E a gente chegou em um lugar que já não passa pelo Paulo ou pelo Caio. Acho que é o natural. Se fiquei dez anos com uma pessoa e ela conhece outra, supostamente eu tenho alguma coisa a ver com essa pessoa também. Acho que isso é algo que veio com o feminismo e fui achando maneiro fazer essa propaganda de que é possível ter essa relação.