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O que é feminismo?

Símbolo do feminino também representa o feminismo - iStock
Símbolo do feminino também representa o feminismo Imagem: iStock

Helaine Martins

Colaboração para Universa

06/01/2020 04h00Atualizada em 21/07/2021 19h35

Nas redes sociais, em reuniões de família, na novela ou na mesa do bar, o feminismo está por toda parte. Nunca o tema foi tão discutido como nos últimos anos. Não à toa, em 2017, o dicionário Merriam-Webster, o mais popular entre os americanos, elegeu "feminismo" como a palavra do ano, após constatar um aumento de 70% nas buscas pelo termo em seu site e aplicativos em relação ao ano anterior.

Segundo o Google, por quase dez anos, violência doméstica teve mais buscas que feminismo. Mas, a partir de 2013, essa tendência se inverteu e o termo bateu o recorde de popularidade em 2018 —um aumento de 30 para 100, em uma escala de 0 (nenhuma popularidade) a 100 (recorde de interesses).

Mas você sabe o que é feminismo? Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Unicamp, Iara Beleli explica que é um movimento social e político que busca conquistar o acesso a direitos iguais entre os gêneros e, consequentemente, o fim do patriarcado.

"É uma luta pela ressignificação do papel da mulher na sociedade e pela sua emancipação e autonomia", diz. "Depois de analisar a realidade em que vivem, as mulheres tomam consciência da discriminação que sofrem pelo único motivo de serem mulheres e decidem se organizar para acabar com ela, mudar a sociedade."

O direito ao voto

Embora tenha se tornado mais popular nos últimos anos, o feminismo existe desde o século 19, na Inglaterra, após a Revolução Industrial, com a chamada primeira onda. O direito ao voto foi a grande bandeira das sufragistas, como ficaram conhecidas as que lutaram por essa conquista, além dos direitos femininos à educação, ao trabalho e ao divórcio. Para isso, adotaram como estratégia fazer greves de fome e promover grandes manifestações, culminando, em 1913, na morte da militante Emily Davison, que, em uma corrida, se atirou à frente do cavalo do rei. O direito ao voto foi conquistado no Reino Unido em 1918.

O direito à sexualidade

Nos anos 1960 e 1970, entra em cena a segunda onda feminista e, com ela, o direito ao corpo e ao prazer. "O Segundo Sexo", livro de Simone de Beauvoir lançado em 1949, é o seu marco teórico e contribuiu para as reflexões da época. Influenciada pelo surgimento do movimento hippie nos Estados Unidos e pelas manifestações estudantis na França, a luta nessa fase é, prioritariamente, pela diferenciação de sexo e gênero e contra a desigualdade de gênero.

"Enquanto a primeira onda era focada nos direitos legais, a segunda ampliou o debate. Trouxe à tona discussões sobre aborto, direitos reprodutivos e sexualidade. Elas questionavam o que causa essas desigualdades", explica Beleli.

Foi durante a segunda onda, em 1968, que houve a figurativa queima dos sutiãs. Pois é, figurativa: a famosa queima, na verdade, nunca aconteceu. A manifestação durante o concurso Miss América, contra os padrões de beleza, contou com uma pilha de objetos como sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, maquiagens, revistas femininas, cintas, sprays de cabelo e outros itens ligados à beleza feminina. A intenção era queimá-los, o que não aconteceu por falta de autorização, já que o evento era privado.

O direito à pluralidade

Na passagem para os anos 1980, as demandas trazidas pelas mulheres negras foram incorporadas ao movimento. Angela Davis e Patricia Hill Collins são alguns nomes do feminismo negro, que traz para o centro do debate o gênero associado às categorias de raça e classe. Ao mostrar que as opressões atingem as mulheres de modos diferentes, a terceira onda feminista, especialmente nos anos 1990, é marcada pelo questionamento ao próprio movimento e seus estudos, que representavam apenas as experiências de mulheres da classe média e brancas.

"Há um processo de desconstrução do conceito universal de mulher. Elas não são todas iguais, não vivem os mesmos problemas e opressões. E realidades diferentes precisam de estratégias diferentes para lidar com elas", analisa a coordenadora do USP Mulheres, professora Eva Alterman Blay.

As ondas brasileiras

No Brasil, a primeira onda do feminismo também foi marcada pela luta pelo voto, direito conquistado apenas em 1932, quando foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro. O primeiro nome ligado a essa fase é o da escritora e educadora Nísia Floresta, que desafiou os limites do seu tempo ao criar uma escola somente para meninas, com aulas de matemática, ciências sociais e línguas, por exemplo. É dela o livro "Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens", considerado a primeira publicação feminista do país.

Já nas décadas de 1960 e 1970, enquanto o feminismo e sua segunda onda ganhavam força em todo mundo, por aqui vivia-se um momento de repressão total da luta política. Ainda assim, em meio à forte repressão da ditadura brasileira, aconteceram as primeiras manifestações feministas no Brasil. Organizadas por todo o país, elas protestaram e lutaram contra o governo ditatorial. Foi nesse período, em 1977, que o divórcio passou a ser permitido por lei, garantindo às mulheres a liberdade de não permanecer no casamento se não desejassem.

Nos anos 1980, o feminismo no Brasil entrou em sua terceira fase junto com a redemocratização do país e passou a influenciar a criação de políticas públicas. Foi um período de grandes conquistas: a criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), em 1984, e a criação da primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher, em 1985. Já em 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha, que protege mulheres em situação de fragilidade ou perigo em função da violência doméstica.

Uma nova onda?

A quarta onda do feminismo ainda não é uma unanimidade, mas é fato que, a partir dos anos 2010, o movimento passou a ter espaço e voz cada vez mais amplificados pela internet, especialmente com o uso das redes sociais. É o que chamam de ciberfeminismo, que propiciou a popularização dos ideais feministas, a aproximação de mais mulheres, o destaque do movimento em países latino-americanos, a organização de manifestações em níveis mundial e nacional e a criação de campanhas online que ecoaram em mudanças concretas.

No Brasil, foram duas as principais e mais recentes conquistas: em 2015, a publicação da lei nº 13.104 e, em 2018, da lei 13.718. A primeira alterou o Código Penal e classificou o feminicídio, quando a mulher é vítima justamente por ser mulher, como homicídio qualificado. A segunda tornou crime a importunação sexual, ou seja, a realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem a sua anuência. O caso mais comum é o assédio sofrido por mulheres em meios de transporte coletivo, como ônibus e metrô.

As vertentes do feminismo

Se a multiplicidade de mulheres —e suas diferentes realidades e opressões— se tornou um dos principais focos do movimento a partir da terceira onda, nada mais natural que passarmos a falar cada vez mais em feminismos. Assim mesmo, no plural. Desde a primeira onda, surgiram diferentes vertentes. Qual é o seu feminismo?

Liberal
Considerado o mais antigo, surgiu no século 19, durante a Revolução Francesa. As libfem desejam alcançar a igualdade entre homens e mulheres na sociedade por meio de reformas políticas, legais e econômicas, inserindo as mulheres no sistema (em cargos de poder, por exemplo) em vez de romper com ele.

Socialista
Surgiu em oposição ao feminismo liberal. Essa vertente vê no capitalismo a fonte da desigualdade entre gênero. Ou seja, além do machismo, a mulher também é oprimida pela forma como a economia a impede de acessar oportunidades iguais às dos homens. Luta pela abolição dos meios privados de produção e pela redivisão sexual do trabalho.

Radical
Conhecidas como radfem, elas se definem como radicais não por serem extremistas, mas por partirem da etimologia da palavra, que significa "de raiz". Há uma busca pela origem da opressão, ou seja, os papéis sociais atribuídos aos gêneros. Essa linha luta pela exclusão de homens e transexuais do movimento e é contra a prostituição e a pornografia.

Interseccional
O termo interseccionalidade foi cunhado pela americana Kimberlé Crenshaw, pesquisadora de estudos de gênero e raça. Segundo ela, não há como o feminismo partir apenas da opressão de gênero, sem levar em consideração raça e classe. O debate, portanto, precisa ser plural e considerar as demandas específicas de cada grupo de mulheres. Com o tempo, a vertente se expandiu para outras minorias, abarcando o transfeminismo e os feminismos indígena e lésbico.

Negro
Essa vertente surgiu das experiências de mulheres negras que não se viam representadas pelas lutas do movimento branco e elitista porque sofriam com a dupla opressão, o machismo e o racismo. Enquanto mulheres brancas batalhavam, por exemplo, pela inserção no mercado de trabalho, mulheres negras eram obrigadas a trabalhar como escravas e empregadas domésticas. O genocídio da juventude negra e a solidão da mulher negra são algumas das principais pautas.

Glossário Feminista

Falar sobre o movimento feminista é também falar em termos e conceitos que nem sempre fazem parte do nosso cotidiano. Alguns nem aparecem nos dicionários, outros não têm tradução para o português. Mas conhecê-los é fundamental para entender melhor o feminismo. Veja os principais:

Bropriating
Junção de "bro" (brother, irmão, mano) e "appropriating" (apropriação). Acontece quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela.

Empoderamento
Foi criado pelo educador Paulo Freire, que se inspirou no termo "empowerment" (fortalecimento, em inglês). No âmbito feminista, significa o reconhecimento do poder das mulheres enquanto grupo social. É um dos caminhos do movimento de resistência da mulher na sociedade patriarcal machista.

Gaslighting
O termo surgiu em 1944, por causa de um filme de mesmo nome. Nele, um homem descobre que pode tomar a fortuna de sua mulher e desenvolve artimanhas para que ela acredite que enlouqueceu. É um tipo de violência emocional que leva a mulher e todos ao seu redor a acharem que ela é louca ou incapaz. "Você está exagerando", "para de surtar" ou o clássico "você está louca" são repetidos a exaustão nesses casos.

Lugar de fala
Não importa o assunto: todo mundo tem o seu lugar de fala. E ele é demarcado pela posição social (o lugar) de quem fala. Portanto, um homem pode falar sobre feminismo e uma pessoa branca sobre questões raciais, mas sempre tendo consciência dos seus limites e do quanto a sua posição dentro da sociedade (e, consequentemente, suas experiências e privilégios) afetam sua visão acerca do tema.

Mansplaining
Junção de "man" (homem) e "explaining" (explicar), faz referência à situação em que, na intenção de desmerecer o conhecimento de uma mulher e tratá-la como intelectualmente inferior, um homem dedica seu tempo para explicar a ela coisa óbvias.

Manterrupting
Junção das palavras em inglês "man" (homem) e "interrupting" (interrupção), o termo se refere àquele cara que está sempre em reuniões e palestras e não deixa a mulher concluir qualquer frase ou raciocínio. Ele sempre a interrompe.

Patriarcado
Sistema baseado no poder e dominação dos homens sobre as mulheres. Sua raiz é a "propriedade" do homem sobre a mulher, no mercado de trabalho ou nas posições ocupadas na sociedade, legitimada por convenções sociais.

Sororidade
Trata-se de estabelecer uma rede de apoio entre mulheres, ainda que não haja concordância entre elas. Criado para desconstruir a ideia de que mulheres sempre são rivais, o termo se tornou um preceito básico da luta contra o patriarcado.

Por que ser feminista?

O Brasil é o quinto país mais populoso do mundo e as mulheres são mais da metade da população. Mesmo assim, os dados não são nada animadores. Para a professora Eva Alterman Blay, a violência contra a mulher é a área em que menos conseguimos avançar. "Assassinato de mulheres, violência dentro de casa, estupro. Tudo isso continua acontecendo, e não só no Brasil como na América Latina toda e no mundo. Mas aqui o cenário é muito pior", avalia.

- Dos 513 deputados federais só 77 são mulheres

- As mulheres no Brasil ganham, em média, 20,5% menos que os homens em todas as ocupações. Se forem mulheres negras, elas recebem menos da metade do que os homens brancos (44,4%).

- O número de mulheres desempregadas é 29% maior que o de homens, embora representem 55,1% das universitárias e 53,5% do total de alunos de pós-graduação. E, quando falamos das posições de liderança, elas representam apenas 2,8% dos cargos mais altos.

- Somos o quinto país no ranking mundial de feminicídio. Só no ano passado, foram 16 mil mulheres vítimas de violência.

- Foram mais de 66 mil casos de violência sexual em 2018, o que corresponde a mais de 180 estupros por dia. Entre as vítimas, 54% tinham até 13 anos.

- Em 70,5% dos casos de exposição de conteúdo íntimo sem consentimento na internet, as vítimas são mulheres.

- Entre 2011 e 2016, 4.262 meninas e mulheres de 10 a 19 anos tiveram uma gestação resultante de estupro e o consequente nascimento do bebê.

- 88% das brasileiras acumulam dupla jornada de tarefas domésticas e trabalho pago. Entre os homens esse número cai para 46%.

#MeRepresenta

A história do feminismo no Brasil e no mundo só pode ser contada pela trajetória de inúmeras mulheres que dedicaram a vida à luta pela igualdade de gênero e foram decisivas na conquista dos direitos de que usufruimos hoje. Conheça algumas delas:

Angela Davis
Filósofa americana e professora emérita do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia, foi personagem emblemática do movimento em defesa dos direitos civis nos Estados Unidos. Integrou o Partido Comunista americano e fez parte do grupo Panteras Negras, sendo presa na década de 1970. São dela alguns dos mais importantes livros do feminismo negro, como "Mulheres, Raça e Classe" e "Mulheres, Cultura e Política".

Celina Guimarães Viana
Do Rio Grande do Norte, foi a primeira mulher a exercer o direito de voto no país, em 1927. O fato repercutiu mundialmente, por se tratar não somente da primeira eleitora do Brasil, como da América Latina.

Djamila Ribeiro
Considerada a principal porta-voz do feminismo e ativismo negro atualmente no Brasil, a filósofa e escritora chegou a ser escolhida como Personalidade do Amanhã pelo governo francês em 2019. Seus livros "Quem Tem Medo do Feminismo Negro?" (2018) e "O Que É Lugar de Fala?" (2017) são best-sellers.

Lélia Gonzalez
Por meio de sua obra acadêmica e militância, Lélia contribuiu para impulsionar não apenas a problemática racial no Brasil mas também o papel da mulher negra na sociedade. Foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, em 1978, ajudou a criar o Grupo Nzinga, coletivo de mulheres negras, e integrou o conselho consultivo da Diretoria do Departamento Feminino do Granes Quilombo.

Leolinda Daltro
Nasceu na Bahia, em 1859, foi professora, sufragista e indigenista, e lutou pela autonomia das mulheres. Em 1910, juntamente com outras mulheres, fundou o Partido Republicano Feminino. Em 1917, liderou uma passeata exigindo a extensão do direito ao voto às mulheres.

Nísia Floresta
Nascida no Rio Grande do Norte, em 1810, foi a primeira educadora feminista do Brasil, a primeira mulher a publicar textos em jornais e é autora de "Direito das Mulheres e Injustiças dos Homens", primeira obra brasileira feminista.

Patrícia Rehder Galvão, a Pagu
Tornou-se a primeira mulher presa no Brasil por motivações políticas, em 1931, ao participar da organização de uma greve de estivadores em Santos (SP). Em 1935, voltou a ser presa e torturada após participar do Levante Comunista. Ao longo da sua vida, ela seria presa, ao todo, 23 vezes por causa de sua militância.

Simone de Beauvoir
A francesa, nascida em 1908, foi uma filósofa e escritora ícone do pensamento feminista em todo o mundo. É dela a frase "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher", escrita em sua célebre obra "O Segundo Sexo", que se tornou um marco dentro do movimento feminista. A obra estabelece uma importante distinção entre os conceitos de gênero e sexo.

Sueli Carneiro
Intelectual negra, é uma das principais representantes da luta contra o racismo no Brasil, desde o início dos anos 1970. E também uma das responsáveis por levar as demandas raciais ao movimento feminista, resultando no que conhecemos como feminismo negro.