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'Em pico de pandemia em Manaus, viajei para fazer mastectomia'

Brenda de Oliveira viajou para fazer mastectomia durante a pandemia - acervo pessoal
Brenda de Oliveira viajou para fazer mastectomia durante a pandemia Imagem: acervo pessoal

Natália Eiras

Colaboração para Universa

01/06/2022 04h00

No início de 2020, a estudante Brenda Graziela Sousa de Oliveira, de Manaus (AM), tinha acabado de fazer 24 anos quando sentiu dor e um nódulo no seio esquerdo. Poucos meses depois, ela foi diagnosticada com câncer de mama em estado avançado e bastante agressivo. "Foi uma surpresa muito grande", fala em entrevista a Universa. "Minha mãe já teve câncer nas duas mamas, mas nunca tinha visto uma pessoa tão jovem ser diagnosticada com a doença".

A partir de agosto de 2020, a manauense fez 16 sessões de quimioterapia na Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (Fcecon). Quando terminou o tratamento, no fim do ano, marcou a mastectomia para fevereiro de 2021. Porém, em janeiro, uma nova onda de internações levou o estado do Amazonas a um colapso do sistema de saúde e à falta de oxigênio.

Por conta do alto risco à população, os hospitais de Manaus passaram a se dedicar exclusivamente aos pacientes infectados com covid-19. Os centros de terapia intensiva (CTI) ficaram lotados e houve a paralisação dos procedimentos cirúrgicos eletivos, inclusive dos que estavam em tratamento oncológico. "Eu já não tinha mais nenhuma previsão de quando faria a mastectomia e eu precisava fazê-la até o dia 9 de fevereiro, se não precisaria refazer o ciclo de quimioterapia novamente", narra Brenda.

A jovem foi uma das 22 pacientes de Manaus de câncer de mama encaminhadas a outros estados graças a uma força-tarefa feita por Hilka Espírito Santo, coordenadora da Fcecon e ganhadora do Prêmio Inspiradoras 2021 na categoria Inovação em Câncer de Mama. "O trabalho da Hilka foi crucial e excepcional para o nosso tratamento. Foi importante ver a equipe olhando a gravidade da situação e não cruzar os braços. Eles arregaçaram as mangas pelas nossas vidas. Não deixaram a pandemia impedir o nosso tratamento", afirma Brenda. Conheça a história dela a seguir:

Em fevereiro de 2020, senti um nódulo no meu seio voltando do trabalho. Sempre fazia acompanhamento, porque a minha mãe tinha tido câncer de mama nos dois seios. Assim, logo fui a uma clínica fazer um ultrassom. O médico só quis me receitar uma medicação, achava que eu era muito jovem para me preocupar. Mesmo com o remédio, a dor não passou e, como não senti firmeza no profissional que havia me atendido, marquei com o mastologista da minha mãe. Fiz uma biopsia e deu inconclusivo. Com a macrobiópsia, fui diagnosticada com câncer de mama triplo negativo, em estágio avançado.

Foi uma surpresa muito grande. Mesmo acompanhando a jornada da minha mãe, nunca tinha visto uma pessoa tão jovem com câncer de mama. Depois do choque, fui olhando com atenção, pesquisando na internet, e encontrei mulheres jovens que tiveram. Porém, ainda assim, o índice era baixo.

O mastologista me encaminhou para a Fcecom onde, em agosto de 2020, comecei a fazer os 16 ciclos de quimioterapia. A pior parte de fazer o tratamento durante a pandemia foi ter que fazer as sessões sem um acompanhante, por conta do alto risco de infecção dentro do hospital. A primeira, na qual eu tinha medo da minha reação à quimioterapia, pude ser acompanhada pela minha irmã. Mas, nas outras, ela não pôde entrar comigo.

Fiquei trabalhando de casa ao longo de todo o meu tratamento e tomava bastante cuidado para não me expor. Tinha medo de pegar Covid-19. Passei também por uma crise de auto-estima: não queria ficar com o cabelo ralo, então raspei a cabeça logo no início do tratamento e fiz uma peruca com os meus fios. Não me adaptei. Tentei usar lenço, mas também seria bastante calor. Assumi a careca, fiz uma sessão de fotos, comecei a usar maquiagem, mais acessórios e a me sentir bonita. É claro que teve dias que ficava triste, chorava, mas pensava que depois das lágrimas secarem, eu iria levantar e continuar.

Acabei a quimioterapia em janeiro de 2021, mas o tumor não tinha diminuído e continuava bastante agressivo. Precisava, então, fazer uma mastectomia radical. Na mesma época, no entanto, teve o segundo pico de infecções por covid-19 em Manaus. O sistema de saúde colapsou e todas as cirurgias eletivas foram desmarcadas. Estava sem saber se seria operada ou não. A minha mastectomia estava agendada para fevereiro, mas meu médico disse que não tinha nenhum leito, que a Fcecom estava recebendo apenas pacientes oncológicos com covid.

Fiquei com medo do que poderia acontecer. Existe um prazo para fazer a cirurgia, que era o dia 9 de fevereiro. Se eu não fosse operada até essa data, teria que refazer o ciclo de quimioterapia. Era um passo para trás no meu tratamento. Foi bem difícil encarar essa realidade. Estar presa em uma cidade sem ter o que fazer, porque não poderia simplesmente ir em um hospital de outro município para ser operada. Há todo um protocolo certo a ser seguido.

No fim de janeiro de 2021, a equipe de navegação da Fcecom, que marca as nossas consultas, me ligou e pediu para eu comparecer a uma reunião no fim de semana. Fiquei surpresa, mas compareci à marcação. Nesse encontro, a doutora Hilka explicou para mim e mais seis ou sete mulheres, também pacientes oncológicas, que pretendia nos levar para outros estados para fazermos a operação. Ela fez uma triagem e reavaliou os nossos prontuários. Teve que escolher os casos mais graves. Eu estava entre eles.

Inicialmente, não queria viajar para fazer a mastectomia porque não seria o meu médico a me operar. Ela disse que, se eu ficasse, não teria previsão para fazer a operação. Isso me fez repensar. Concordei, então, em ser encaminhada para fora do Amazonas. Em uma semana, refizemos vários exames, foi feito o teste de covid-19 e enviamos os nossos documentos. Foi um trabalhão, tive que ir ao hospital quatro ou cinco vezes em sete dias. Embarquei para o Rio de Janeiro (RJ) no dia 29 de janeiro em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) com um grupo de pacientes para ser operada no Instituto Nacional de Câncer.

Senti bastante medo, porque era uma cidade desconhecida, uma equipe médica desconhecida, um médico desconhecido. Não sabia qual seria o resultado da cirurgia. Você quer estar perto da sua família e, de repente, muda completamente seus planos para fazer uma cirurgia tão delicada como essa. Fui ganhando confiança quando cheguei no INCA, percebi a empatia, conheci a equipe.

Éramos um grupo de mulheres em uma situação delicada, passando por um momento difícil longe da nossa família. Por isso, ficamos bastante próximas. Dividi o quarto com elas e, durante a recuperação, nós nos apoiamos. Fui a primeira a ser operada, no dia 2 de fevereiro, então foram elas quem me deram comida no primeiro dia do pós-operatório. Estava assustada, mas me mantive forte para tranquilizá-las. As cirurgias delas seriam no dia seguinte e não queria deixá-las apreensivas. No fim, nós nos apoiamos bastante, conversamos e fizemos companhia umas para as outras. A doutora Hilka também falava com a gente o tempo todo por um grupo de mensagens. Ficamos, ao todo, 10 dias no Rio de Janeiro (RJ).

Hoje percebo que essa iniciativa foi muito importante para a minha evolução na busca pela cura. O trabalho da Hilka foi crucial e excepcional para o nosso tratamento. Era indispensável que a gente tivesse esse cuidado. Foi um projeto que salvou não só a minha vida, mas a de outras mulheres. Foi importante ver os médicos olhando a gravidade da situação, não deixar a pandemia impedir o tratamento. Elas arregaçaram as mangas, foram atrás de hospital que aceitassem nos operar.Ter essa confiança, a vida dessas mulheres em mãos, é muita responsabilidade. Eles se arriscaram muito e nós nos sentimos especiais, acolhidas, com tanto cuidado.

Em novembro de 2021, eu terminei o tratamento do câncer de mama. Resolvi deixar o trabalho e dar um tempo para mim, para eu poder respirar. Passei seis meses viajando, fui para o Pará, Mato Grosso. Agora vou voltar ao meu médico, fazer os exames para ver o resultado e o próximo passo é a reconstrução da minha mama. Agora também tenho dado palestras sobre o cuidado e acompanhamento do câncer de mama desde cedo, que esta é uma doença que não tem idade.

O Prêmio Inspiradoras é resultado de uma parceria firmada entre Universa, a plataforma feminina do UOL, e o Instituto Avon, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua na defesa de direitos fundamentais da mulher. Nossa missão é pesquisar e reconhecer iniciativas e, assim, dar maior visibilidade às mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras.

Já estamos em fase de seleção das finalistas que devem concorrer na edição 2022. Os nomes e as histórias delas serão divulgadas em Universa a partir de julho. Acompanhe!

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.