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Mãe sofre racismo no TikTok: 'Vão te demitir por expor filha dos outros'

Tiane Gleason e a filha, Eleanor: bebê nasceu com a cor da pele do pai - arquivo pessoal
Tiane Gleason e a filha, Eleanor: bebê nasceu com a cor da pele do pai Imagem: arquivo pessoal

Tiane Gleason em depoimento a Priscila Carvalho

Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro

10/05/2022 11h13

Vivendo há quase cinco anos nos Estados Unidos, a assistente jurídica Tiane Gleason, de 34 anos, compartilha a rotina de uma imigrante negra em Los Angeles, na Califórnia. Na internet, ela dá dicas de como se mudar para o país de forma legal. Ano passado nasceu sua primeira filha, Eleanor. A menina é muito parecida com o pai, o advogado Bryan, e tem a pele branca. Por causa disso, Tiane começou a receber mais comentários racistas e chegou a ouvir que seria demitida por expor um bebê que não era dela.

No depoimento abaixo, Tiane conta a Universa como lida e enfrenta o racismo e preconceito das pessoas na internet e no dia a dia. Ela ainda diz que aprendeu com a mãe a encarar situações como essas e que, infelizmente, sempre ocorrerão em qualquer parte do mundo. "Terei que ensinar para minha filha sobre como lidar e ter uma mãe negra", afirma.

Vida de imigrante e casamento inter-racial

Tiane Gleason, o marido Bryan e a filha - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Tiane Gleason, o marido Bryan e a filha
Imagem: arquivo pessoal

"Eu moro nos Estados Unidos há seis anos. Comecei a vir quando era criança, pois minha mãe era artista plástica, gostava muito de viajar e ganhou um prêmio no Canadá. Quando tinha 19 anos, vim para casa da minha irmã fazer intercâmbio de línguas, depois fiz outro para trabalhar como salva-vidas. Na sequência, trabalhei como au pair, fiquei um ano e me apaixonei pela faculdade.

Acabou o programa de au pair e voltei para o Brasil. Minha mãe queria que eu voltasse para os EUA a todo custo e comecei a pesquisar maneiras de imigrar de forma legal.

A princípio, iria cursar produção de cinema na Califórnia. Enquanto estava no Brasil, já conversava com meu marido, que é americano, em um site de relacionamento. Quando embarquei e cheguei lá, nos conhecemos pessoalmente, começamos a namorar e, depois de algum tempo, casamos.

O Bryan estudava direito, comecei a me interessar pela área também. Fiz um curso de assistente jurídico e desisti do cinema. Fiz todo o processo de visto. Durante esse período, minha mãe ficou bastante doente e logo depois faleceu. Foi então que decidi trazer meu pai para os Estados Unidos e permanecer aqui com a minha família.

"Você é babá dela?"

Queríamos engravidar e fizemos várias tentativas por dois anos. Eu tenho fibromas e, por isso, seria mais difícil ter um bebê, mas não sabia que seria tanto. Não foi um momento fácil. Começamos um tratamento, entramos para a fila da adoção e logo depois descobri que estava grávida.

Vivo um casamento inter-racial, isso é bem diferente. Aqui nos Estados, o racismo é mais escancarado e é encarado como liberdade de expressão. Eles acreditam que você está tendo liberdade de expressão ao falar algo assim.

O Bryan nunca tinha visto o racismo de perto até casar comigo.

Meu marido é branco, judeu e já chegamos a ouvir que ele não deveria ficar comigo porque sou negra. Uma vez um homem quase bateu nele na rua, dizendo que ele não deveria estar casado comigo.

Tivemos que entrar correndo em uma academia para nos proteger.

Quando engravidei, chegamos a conversar como iríamos orientar nossos filhos, imaginando que seriam negros. Se fosse uma menina, iríamos explicar a questão do cabelo crespo. Já se fosse menino, iríamos ensinar a sair do carro, se algum policial o parasse. Meu marido chegou a pesquisar como pentear cabelo afro.

Para nossa surpresa, quando nossa filha nasceu, ela era muito branca. Muita gente acha que a Eleanor não é minha filha. Quando saio com a minha cunhada na rua, perguntam tudo sobre a criança para ela em vez de para mim. As pessoas acreditam que eu seja a babá.

No fim, o que terei que ensinar para minha filha sobre como lidar e ter uma mãe negra. Já estou acostumada um pouco, pois passei a vida inteira ouvindo isso, porque minha mãe era indígena e achavam que eu e minha irmã éramos adotadas.

Trabalho nas redes sociais

Eu comecei a postar vídeos no TikTok sobre minha rotina e coisas engraçadas nos EUA, mas só postava no privado e depois mandava para os amigos.

Teve um dia que fiz um vídeo brincando com a cor da minha filha, esqueci de colocar só para mim e começou a viralizar, pois as pessoas acharam divertido.

Depois, comecei a crescer e postar conteúdos ensinando como imigrar, falar das possibilidades de fazer isso de forma legal e também um pouco da minha rotina. Tinha 60 seguidores e em menos de dois meses já atingi quase 170 mil. Fiquei impressionada.

Quando postava vídeos com a minha filha, algumas pessoas perguntavam se eu era a au pair ou babá. Não me incomodo com isso, pois não é todo mundo que é obrigado a saber, mas sempre tem gente que pergunta.

Um dos dias em que fiquei mais chateada foi quando uma moça disse 'que eu ia ser demitida por expor a filha dos outros'. Pensei: 'Ah, vai começar de novo'. Eu estava fazendo um vídeo com a minha filha no colo e ela escreveu isso. Não pensei em ser grossa e respondi da maneira mais educada possível e até meu marido apareceu. 'Ela minha esposa, não minha babá', ele fala no vídeo.

Mas ela podia perguntar antes e não pressupor algo. Podia ter adotado ela, se fosse babá poderia ter pedido autorização para aos pais para mostrar a imagem da criança.

Eu já vinha calejada disso e sei que existe racismo no mundo inteiro e aqui não seria diferente. Eu pensei que podia ensinar, educar e seguir em frente. E vamos que vamos.

Tentaram atacar a moça que escreveu isso, mas fui contra e disse que o melhor jeito era explicar. Lembro que ela chegou até a deletar sua conta.

Cresci nas redes sociais muito rápido e continuo ganhando muitos seguidores nas redes sociais. Gosto muito de trabalhar como assistente jurídica e inclusive lido com assuntos ligados às redes sociais. Como estou trabalhando em casa, sigo produzindo conteúdo, cuidando da minha filha e ensinando as pessoas a como vir para os Estados Unidos e também minha rotina como imigrante. Talvez trabalhe só com isso no futuro, já que algumas marcas estão me procurando." Tiane Gleason, de 34 anos, assistente jurídica, é brasileira e mora em Los Angeles, Califórnia