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Eduardo Paes: 'Temos que banir nas eleições quem manifesta preconceitos'

O prefeito do Rio Eduardo Paes está em seu terceiro mandato - Divulgação/Prefeitura do Rio
O prefeito do Rio Eduardo Paes está em seu terceiro mandato Imagem: Divulgação/Prefeitura do Rio

Luiza Souto

De Universa

16/02/2022 04h00

A política brasileira falhou com a população, e esse fracasso culminou na morte do congolês Moïse Kabagambe em um quiosque no Rio de Janeiro, em 24 de janeiro último. A conclusão é do prefeito da cidade Eduardo Paes (PSD), 52 anos. Para ele, seus colegas "não foram capazes de construir soluções para os problemas gerais do país".

Comportamento como o dos assassinos do congolês são avalizados por mensagens de ódio transmitidas principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). "Há um presidente que claramente tem um viés de preconceito permanente, uma incapacidade de entender, dialogar e aceitar o diferente. Nós, políticos, não fomos capazes de impedir que alguém com essas características chegasse ao cargo mais importante do país", Paes afirma durante entrevista por vídeo a Universa, um dia após receber a mãe e os irmãos de Kabagambe em seu gabinete. A prefeitura deu a ela a concessão do quiosque que foi cenário do crime, mas por medo a família desistiu de assumir o local.

O prefeito do Rio Eduardo Paes deu a concessão do quiosque à família do congolês Moïse Kabagambe - Redes Sociais - Redes Sociais
O prefeito do Rio Eduardo Paes deu a concessão do quiosque onde o congolês Moïse Kabagambe foi assassinado à sua família, que acabou desistindo da oferta
Imagem: Redes Sociais

Na sua terceira passagem pela prefeitura do Rio de Janeiro, Paes, que também já foi vereador e deputado federal por dois mandatos, admite que de nada adianta avançar em políticas públicas de segurança, principalmente aquelas voltadas para defesa da mulher, negros e da população LGBTQIA+ enquanto houver "personagens importantes na política brasileira que olham para isso e falam que é 'mimimi'".

Formado em Direito pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e pós-graduado em Políticas Públicas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é casado há 20 anos com a engenheira Cristine Assad, 44, e pai de Bernardo, 17, e Isabela, 16. O prefeito conta que são os adolescentes que ensinam ele a diariamente identificar comportamentos machistas, e que vê mais esperança com a geração da dupla. "Minha filha é toda engajada e volta e meia eu levo um 'misógino e machista' pela casa", revela o mandatário, fã da deputada federal Benedita da Silva (PT) e da ministra do STF Cármen Lúcia.

UNIVERSA: Como foi o encontro com a mãe do Moïse?
Eduardo Paes:
É a parte mais dura de ser prefeito, mas me senti na obrigação de, em nome dos cariocas e dos brasileiros, em se tratando de uma imigrante, receber a família. Mãe é sempre mãe. Como pai, falo que quando se inverte a ordem natural das coisas o sofrimento é muito maior. É um momento difícil de cumprir com esse papel. Tenho orgulho de poder representar essa cidade, e digo que não somos assim, não somos isso. Aquilo ali é uma vulgarização da barbárie, o desprezo pela vida humana e uma alta dose de racismo, que é um pouco o retrato da sociedade que estamos vivendo.

Somos melhores do que isso, mas infelizmente tem pessoas com esse grau de maluquice.

A gestão dessa cidade também é culpada por essa morte?
Acho que todos nós, enquanto sociedade, temos [culpa]. Você está falando com uma pessoa que está no seu terceiro mandato como prefeito. Agora, alguns governantes têm mais responsabilidade quando a sociedade desvia do seu rumo e parte para a barbárie. Esse mea-culpa é coletivo, mas compete a nós, que somos eleitos pela população, cumprir com esse papel de tentar entender, interpretar e ver de que maneira podemos fazer a transformação necessária.

Crimes principalmente contra mulheres, homossexuais e negros só aumentam. Segundo o último Atlas da Violência, os altos índices de óbitos registrados como Morte Violenta por Causa Indeterminada estão mais concentrados no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Ceará e na Bahia. Onde as autoridades estão falhando nessa questão e o que de fato diminuiria esses números?
Há uma falha política. A política brasileira não foi capaz de construir soluções para os problemas gerais do país, não só das ditas minorias. E nós vivemos um período onde há um presidente da República, um líder político máximo do país, eleito pelo voto direto, que claramente tem um viés de preconceito permanente, uma incapacidade de entender, dialogar e aceitar o diferente. Nós, políticos, não fomos capazes de impedir que alguém com essas características chegasse ao cargo mais importante do país.

Um estudo feito pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostra que desde que o governo do estado determinou o isolamento social, em 13 de março, até o dia 31 de dezembro de 2020, mais de 73 mil mulheres foram vítimas de violência no Rio de Janeiro. Desses casos, 45.477 crimes foram registrados sob a Lei Maria da Penha. A sua secretária de Políticas e Promoção da Mulher, Joyce Trindade, afirmou que aumentou na capital a quantidade de mulheres que procuram atendimento nos Centros Especializados de Atendimento à Mulher (CEAM). O que a sua gestão está fazendo para que essas mulheres não precisem chegar a esses centros?
Tem um monte de política pública que a Joyce conduz na secretaria como o Mapa da Mulher Carioca, tem a coordenadoria da igualdade racial, a da diversidade. Mas a questão é mais de fundo, precisa estar na mensagem política. E a mensagem hoje, da política brasileira, é de ódio. É a de que ser mulher, preto, gay, diferente, faz o outro ser violento.

Como classe política a gente tem que ser capaz de exterminar, no sentido eleitoral, aqueles que de alguma maneira manifestam preconceitos. E na minha opinião estamos falhando nessa capacidade.

A gente avança nas políticas públicas, as mulheres pressionam mais, mas infelizmente você tem personagens importantes na política brasileira que olham para isso e falam que é "mimimi". Isso estimula esse aumento de casos. Não estou nem fulanizando, mas todo mundo entende.

O prefeito do Rio Eduardo Paes com a mulher, Cristine, e os filhos Isabela e Bernardo - Reprodução/Instagram @eduardopaes - Reprodução/Instagram @eduardopaes
O prefeito do Rio Eduardo Paes com a mulher, Cristine, e os filhos Isabela e Bernardo
Imagem: Reprodução/Instagram @eduardopaes

Enquanto pai, o que você ensina para seus filhos sobreviverem à violência e para que eles não reproduzam nem aceitem o machismo tão enraizado na sociedade?
É difícil, porque há um choque geracional. Eu tenho 52 anos, fui criado numa sociedade diferente, machista. Claro que o fato de estar na vida pública e lidar com diferentes segmentos da sociedade faz com que eu preste mais atenção. Mas essa não é a média da minha geração. Ao mesmo tempo, me dá muita esperança quando diálogo com meus filhos porque pelo menos, no mundo que eles frequentam, o respeito à mulher já é algo muito mais enraizado. Eu acredito que levo valores para meus filhos de maneira deficiente. E diria que eles me ensinam muito mais do que eu e minha mulher ensinamos a eles. Nosso papel é o de sermos abertos o suficiente, ter a sensibilidade para entender esses choques geracionais.

O senhor se vê tratando sua filha diferente do seu filho?
Sim. Minha filha é engajada, e volta e meia eu escuto um "misógino e machista" pela casa. Eles estão com 17 e 16 anos, na fase de namorar, e confesso que sou mais rigoroso com a Isabela que com o Bernardo. Outro dia ouvi uma dessa: "Por que Bernardo pode e eu não? Você é machista". É um pouco da cultura mesmo. Mas acho que essa capacidade que ela tem de identificar o meu traço de machismo e minha qualidade de dar abertura para que ela possa apontar é o ponto correto.

Outro dia, conversando com meus filhos sobre orientação sexual, perguntei se uma determinada pessoa de quem falávamos era gay. Eles ficaram me olhando como se estivessem perguntando "qual o problema?".

Eu e minha mulher não temos preconceito, mas se faz ainda comentários. Então, acho que quando existe o movimento negro, o movimento gay, o movimento feminista te pressionando, cutucando, essas pautas são a forma que temos para sair da zona de conforto.

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), diz que escolheu falar abertamente sobre ser homossexual para que se discuta mais a pauta. O senhor concorda que autoridades e famosos, em geral, devam expor suas vidas para estimular o respeito às diferenças?
Acho que sim, é importante, mas não é algo que deva ser demandado para que as pessoas façam. É importante quando se tem a intenção de fazer.

O senhor já foi alvo de boatos de que teria tido um relacionamento homoafetivo. Se sentiu ofendido com esses comentários?
Vou fazer o quê? Posso só tomar uns cascudos da mulher em casa.

O senhor apoia o nome do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, ao governo do estado nas próximas eleições. O Rio não mereceria ter outra mulher ocupando o Palácio Guanabara, até para olhar com mais cuidado essas questões?
Eu fiz um esforço, na hora de montar o secretariado, de chamar o maior número de mulheres possíveis (dos 26 secretários, há seis mulheres na equipe), mas pela realidade política dos parlamentos, dos chefes de executivo e pelo Brasil afora, ainda há a maioria de homens brancos. Concordo, mas a opção que me vem é essa. A [possível candidata] mais próxima a mim, e com dimensão, seria a Laura Carneiro (secretária municipal de Assistência Social do Rio). E daí a importância das cotas, de o peso da mulher valer mais, e você tem uma série de medidas que estão sendo tomadas ao longo dos últimos anos no Brasil que fazem com que essa participação da mulher na política se dê de forma mais efetiva, e as políticas afirmativas ajudam nessa direção.

No próximo dia 14 de março irá completar quatro anos do assassinato de vereadora Marielle Franco (PSOL). Crimes como esse impactam na sua agenda?
Não. Meu caso é diferente, não sou o melhor exemplo. Mas é óbvio que vereadores, deputados, pessoas sem a posição que eu tenho mudam a sua rotina em razão disso. Nunca mudei. E a Marielle representa o símbolo do que não podemos aceitar. Ela fez muita oposição a mim, era do PSOL, eu do PMDB, foi braba para caramba comigo, deve ter me descido o sarrafo, feito protesto. Dane-se. Merece ser respeitada. Não podemos ter ódio do contraditório.

Vou dizer uma coisa doida, mas vou falar: se tem um lado que o Bolsonaro ajudou foi fazer com que o campo democrático, racional, defensor dos direitos humanos entendesse que a luta enfraquecida não pode ser a tônica da nossa disputa política. Ficamos muito tempo nos tratando como inimigos. E a população falou: "Esses caras querem se matar, então vamos colocar aqui um cara que é diferente deles."