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'Aos 85 anos, saí da roça para conhecer o mar. Realizei um sonho'

Maria Isabel com o neto Edson - Reprodução
Maria Isabel com o neto Edson Imagem: Reprodução

Maria Isabel Santos Silva em depoimento a Aliny Gama

Colaboração para Universa

06/02/2022 04h00

"Trabalhei a vida toda na roça, com uma enxada nas costas e o sol quente na cabeça, no povoado de Umbaúba, zona rural de Amargosa [cidade na Bahia a cerca de 119 km de Salvador]. Aqui, criei meus cinco filhos. Tenho 85 anos e, durante minha vida, nunca sobrou dinheiro ou tempo para eu conhecer o mar. Até recebi alguns convites, mas não dava para aceitar. Ficava difícil para mim. O tempo foi passando, e aí já comecei a pensar que nunca conseguiria realizar esse sonho.

Mas, neste verão, consegui, graças a minha família. Viajei de Amargosa com filhos, netos e bisnetos para a praia de Aratuba, na Ilha de Itaparica (BA), agora em janeiro. Foram dez dias maravilhosos na praia. Quando estava indo para lá, fiquei ansiosa imaginando como seria ver o mar com os meus olhos. Pode ser besteira para quem já viu e vê sempre, mas não era meu caso.

Logo que chegamos na casa que minha família alugou, não quis perder tempo, pedi que fossem comigo à praia.

Já tinha visto pela televisão, mas é muito diferente estar ali, pisando na areia, sentindo o cheiro que vem com o vento, o sol e a quentura aliviada pela água. Aquela beleza... Meus olhos vão ver novamente assim que for possível. Se Deus me der vida, quero rever o mar até cansar. Se bem que acho que nunca vou cansar. É muito encantamento.

Contar não chega perto do que é para quem nunca foi. Cheguei à praia e fiquei observando, encantada com tudo. Tem onda que vem pequena, tem onda que vem grande, tem umas que fazem mais espuma. Vem aquele cheiro de peixe, mas um cheiro bom. Senti uma felicidade no coração muito grande.

Maria entrou na água nos braços do neto - Reprodução - Reprodução
Maria entrou na água nos braços do neto
Imagem: Reprodução

Ao mesmo tempo me deu um pouco de medo de entrar na água. Aquelas ondas indo e vindo, tudo desconhecido para mim. Pensei em ficar só olhando, mas meu neto Edson [Andrade] logo me pegou nos braços e entrou comigo, na parte rasa. A sensação foi tão boa. Senti muita alegria, eu só dava risada e me refrescava na água.

Depois do primeiro dia, comecei a ir sozinha. Teve dia que fiquei tanto tempo na água que as mãos enrugaram. Todos os dias, eu andava mais de uma légua descalça sentindo o pé na areia molhada e aquele vento no rosto. Ô, coisa boa! E quem pensou que eu ia me cansar em andar isso tudo [cerca de 5 km] se enganou, pois ainda faço as coisas em casa. Bati enxada a minha vida toda, só parei por causa de uma bursite no braço. É estar todo dia ali com a enxada nas costas e bater no chão duro, na quentura do sol e nenhuma água.

Da minha viagem, trouxe como recordação uma garrafa de dois litros com a água do mar para casa. Toda vez que lembro, pego a garrafa para sentir o cheiro. É de peixe! Já até me pediram um pouco, mas não sei se vou dar. Vou tomar banho e colocar um pouco da água no meu banho para revigorar minhas energias. É uma sensação que não sei descrever, só sei que fiquei maravilhada. Vivo falando aqui para quem não conheceu o mar que vá, pois eu gostei demais. E digo: vá logo porque está perdendo tempo, não sabemos até quando vamos estar aqui."