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'Fui internada com transtorno bipolar aos 30. Hoje dou palestra sobre tema'

A publicitária Dyene Galantini: pausa na carreira e recomeço - Filipe Medeiros/Divulgação
A publicitária Dyene Galantini: pausa na carreira e recomeço Imagem: Filipe Medeiros/Divulgação

Dyene Galantini em depoimento a Roseane Santos

Colaboração para Universa

03/02/2022 04h00

"Antes de ter o diagnóstico do transtorno bipolar, minha vida era bastante agitada. Na infância e adolescência, fazia ballet, jazz, sapateado, aulas de idiomas, adorava preencher meu tempo. Chegando na vida adulta, continuei nesse mesmo ritmo: fazia duas faculdades ao mesmo tempo e ainda trabalhava. Sempre precisei do estímulo intelectual para funcionar melhor.

Minha formação é em Publicidade. Em 1999, me mudei para os Estados Unidos para trabalhar e estudar — sou mestre em administração de empresas pela Texas Southern University. Lá, tudo estava indo conforme o esperado: vivia o sonho de trilhar uma carreira internacional de sucesso. Adorava meu emprego e podia ficar horas a fio trabalhando, 16 a 20 horas por dia. Nunca vi isso como algo atípico, esse era meu ritmo.

Até que, um dia, toda essa energia se transformou em letargia, angústia e várias crises de choro que me impediam de trabalhar. Não conseguia ser produtiva da mesma forma. Eu me lembro de levar meu tapete de ioga para o trabalho para dormir durante o expediente.
A primeira vez que procurei o psiquiatra foi por causa da depressão, que depois descobri ser apenas uma das fases do transtorno bipolar. Hoje, aos 45 anos, sei que o distúrbio é caracterizado justamente pela alternância, às vezes súbita, entre episódios depressivos e eufóricos. Entre esses dois, há períodos assintomáticos.

Em uma crise depressiva, não conseguia manter minha performance habitual e cheguei a enviar uma carta de demissão ao meu chefe. Ele não quis aceitar, me incentivou a cuidar da minha saúde e a permanecer no cargo até que ficasse bem novamente.
Inicialmente, fui diagnosticada apenas com depressão, e isso é normal em pacientes com transtorno bipolar, pois a depressão é o que causa um dano que te impede a fazer as coisas normais do dia a dia. Infelizmente, o tratamento para depressão não foi suficiente e ainda me levou a ter crises eufóricas.

Meu humor era bastante instável: em um momento eu estava paralisada em uma cama por causa da depressão e, no outro, eu estava com uma energia fora da curva, trabalhando incessantemente.

"Em uma fase da doença, sentia como se não merecesse estar viva"

Sinto que o transtorno bipolar se manifesta diferentemente em cada pessoa diagnosticada. No meu caso, minha personalidade mudava dependendo da fase.

Na euforia, sentia um pico criativo: era como se meu cérebro fosse uma árvore, e as ideias fossem galhos. Eram muitas ideias e muita energia para implementá-las. Meu chefe me pedia para ir mais devagar. Eu estava atrapalhando os outros departamentos, pois minhas demandas não eram realistas.

Já na depressão eu me tornava uma pessoa que eu desconhecia: isolada de todos, triste, angustiada. Sempre fui uma pessoa muito motivada, ativa, mas a depressão roubava isso de mim. Vários amigos não sabiam como lidar comigo, e alguns se afastaram. Me sentia extremamente insegura das minhas habilidades como profissional e um lixo como pessoa, como se eu não merecesse estar viva.

Em uma das fases depressivas, eu deixei tudo organizado caso eu morresse: fiz uma pasta de documento, deixei cheques assinados, escrevi cartas para todas as pessoas que eu amava. Minha psicóloga chamou isso de suicídio passivo.

"Saber que tinha uma doença mental feriu meu ego"

Em um dos momentos mais graves, precisei me internar em um hospital psiquiátrico para ajustar meus remédios. O que seria algo rápido se estendeu por 12 dias.

Lá, deram o diagnóstico de transtorno bipolar. Foi um baque. Saber que eu tinha uma doença mental feriu meu ego imensamente, achei que era uma falha pessoal, um "erro de fabricação". Tomar remédio era uma sensação de derrota.

Saí com medo e receio de não poder viver a vida como eu a conhecia. Como profissional de marketing, sabia que ter um histórico psiquiátrico com internação era uma mancha quase irreparável em minha marca pessoal e reputação. Além do mais, o transtorno é muito mal interpretado, já que o termo bipolar virou um jargão popular.

"Com tratamento adequado, consegui voltar ao trabalho"

Além de retomar a carreira, Dyene também escreveu um livro sobre sua história - Filipe Medeiros/Divulgação - Filipe Medeiros/Divulgação
Além de retomar a carreira, Dyene também escreveu um livro sobre sua história
Imagem: Filipe Medeiros/Divulgação

Depois de mais de um ano trabalhando intensamente nos meus sintomas e autoconhecimento, atingi uma estabilidade. Não eliminei os sintomas completamente, mas aprendi a reconhecê-los e a lidar com eles.

Com o tratamento adequado, que envolve medicação, terapia e mudança no estilo de vida, consegui voltar à vida normal e ao escritório. E é claro que isso só foi possível a partir do momento em que eu saí da negação, aceitei que tinha a doença e que precisava me tratar.

Quando voltei ao Brasil, precisei me readaptar e procurar um novo médico. Entrei numa crise de depressão profunda e o primeiro médico que me consultou disse que eu tinha critério para me aposentar por invalidez. Não aceitei isso.

Mesmo estando muito mal, me senti completamente desconfortável em ter um médico que não acreditava na minha recuperação. Mudei de profissional rapidamente e já estou estabilizada há alguns anos.

"Tive sorte por não sofrer preconceito"

Tive muita sorte por não ter sofrido preconceito, nem de familiares ou de empresas em que trabalhei. Pelo contrário, recebi grande apoio de todos, o que foi uma ajuda imensa na minha estabilização.

A minha volta ao trabalho foi lenta. Passei por um processo de me entender melhor e conseguir diferenciar o que era, de fato, em sintoma. Investi em leitura e muita terapia para melhorar relacionamentos interpessoais e colocar limites claros, onde priorizo minha saúde mental. A terapia é importantíssima, principalmente para controlar o stress, que é um gatilho para que os sintomas voltem.

"Transtorno bipolar é batalha diária"

Quando fui diagnosticada, minha terapeuta sugeriu que eu escrevesse crônicas, relatos e textos sobre o que estava passando naquele momento. Esses relatos viraram o livro "Vencendo a Mente: Como Uma Executiva de Sucesso Superou o Transtorno Bipolar" [ed. Mind Duet Comunicação e Marketing].

A partir disso, criei o projeto Vencendo a Mente nas redes sociais. Por meio dele, trazemos informações relevantes para pessoas interessadas em saúde mental. Além das redes, dou palestras em escolas, universidades e empresas para combater o estigma, que é o principal culpado para as pessoas não procurarem tratamento.

Ao contar minha história, busco conscientizar as pessoas sobre a importância do tratamento adequado para a estabilização.

Coloquei o nome do livro em gerúndio porque é uma batalha diária: se eu não me cuidar, os sintomas graves podem voltar. Então, continuo tomando os remédios diariamente, tendo consultas com psiquiatra e terapeuta, faço meditação e ioga, priorizo o sono e vejo o exercício como uma prescrição médica. Estou estável há vários anos, acho que encontrei uma fórmula que funciona para mim."