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'Sou fotógrafa de partos e ajudo mulheres a denunciar violência obstétrica'

A fotógrafa Carolina Campos, que faz registros de partos em Recife - Carolina Campos
A fotógrafa Carolina Campos, que faz registros de partos em Recife Imagem: Carolina Campos

Carolina Campos em depoimento à Rute Pina

De Universa

02/02/2022 04h00

"Tenho 29 anos e fotografo partos em Recife desde 2019. Já era fotógrafa, mas minha paixão por partos começou quando eu engravidei, em 2014. Frequentei rodas de conversa, li artigos, estudei muito. Em 2015, dei à luz, e a experiência foi revolucionária. Depois disso, pensei que gostaria de continuar vivendo aquilo. Conversei com uma amiga que é doula, e ela me indicou um dos partos que ela estava dando assistência para eu fotografar. Foi amor à primeira vista. Faço isso desde então e já fotografei 170 nascimentos.

Sempre pergunto quem é o médico da gestante, pois a maioria não gosta de fotógrafos no parto. Inclusive, mesmo quando eles autorizam fotos, muitos não permitem filmagens porque um vídeo mostra uma cena completa: o que é falado, o que está acontecendo realmente. É corriqueiro eu chegar ao hospital e me dizerem que eu não posso ficar em determinado lugar ou em determinado momento.

Em abril do ano passado, uma cliente sofreu violência obstétrica, e eu estava com ela. Foi um parto muito difícil — e eu registrei todos os processos da violência que ela sofreu. Ter fotos ao denunciar as agressões é prova de que realmente aconteceu.

Ela não queria que diversos procedimentos fossem feitos. Mas os médicos estavam forçando, por exemplo, a analgesia [uso de medicamento para aliviar a dor], para acelerar o parto, que estava demorando, mas que ela não queria. Começaram a dizer que ela era fraca e que já tinham visto milhares de partos e sabiam o que estavam dizendo, que ela era incapaz. Eles a insultaram dizendo que ela ficaria sozinha se não aceitasse a medicação. Minha cliente ficou assustada porque estava sendo ameaçada naquele momento.

Fotografei uma cena em que ela estava chorando muito, e os médicos emburrados, apontando o dedo para ela. Também tenho os registros da analgesia. Eles fizeram tudo o que achavam que tinham direito, inclusive a manipulação do períneo. E tenho fotos de tudo isso.

Logo após o parto, ela não quis ver as fotos, disse que não estava pronta para reviver aquilo ainda. Mas depois entrou em contato comigo pedindo os registros e áudios. E, na sequência, fez uma denúncia.

'"Médica me ameaçou quando quis registrar procedimentos proibidos em recém-nascido"

Em outro caso, em junho de 2021, uma médica levou o recém-nascido para fazer procedimentos de medição de tamanho e peso. Ela começou a fazer os procedimentos básicos, e eu pedi para fotografar, porque a família queria o registro. Na hora, ela disse que poderia me processar se eu fizesse fotos. Eu não falei nada porque não costumo brigar ou confrontar médicos, eles podem me impedir de ficar no local e a família fica sem o registro. Ela continuou dizendo que poderia me processar se aparecesse em alguma foto, e eu não teria dinheiro suficiente para pagar uma indenização. Continuei calada. O medo é porque ela estava fazendo diversos procedimentos proibidos, considerados violência neonatal. E eu poderia enviar aquelas fotos para família. Essa médica voltou a me ameaçar outras vezes.

Por isso, vivo em uma montanha-russa. Em alguns dias, essas ameaças me motivam a continuar para poder lutar por outras mulheres porque acho que precisamos ajudar a espalhar informação e fazer com que mais mulheres aprendam, entendam e lutem por seus direitos. Mas isso também mexe muito com meu psicológico. Trabalhar com essa área é muito difícil, é muito pesado vivenciar violência obstétrica, principalmente quando você não pode fazer nada. Eu já saí chorando de partos, já tive que parar para vomitar de tão mal que fiquei por causa das violências que vi. É algo que não é fácil, já pensei em desistir várias vezes. Mas a vontade de mudar esse sistema é maior.

Poder da imagem

Uma coisa que acho mágica na fotografia de parto é que nem sempre são registros bonitos. Às vezes, há a indicação para uma cesárea, e muitas mulheres sofrem depressão pós-parto porque elas criaram expectativa, sonhavam com o parto normal. E, de repente, elas têm que passar por cirurgia. Tem mulheres que demoram para aceitar esse momento da vida delas. E a fotos ajudam a ressignificar e vivenciar aquilo de novo, entender realmente o que aconteceu. Tem várias clientes que levam as fotos para terapia para tratar aquele parto ali. Então, a fotografia é muito mais do que o registro.

Parto humanizado fotografado por Carolina Campos, em Recife - Carolina Campos - Carolina Campos
Parto fotografado por Carolina Campos, em Recife; ela já acompanhou mais de 170 partos
Imagem: Carolina Campos

As pessoas não entendem tanto a força que a fotografia tem. A fotografia de parto também pode ser um ativismo porque permite mostrar o que é errado e tem o poder de mostrar também como deve ser o certo. Tanto que muitas equipes usam fotos de parto para passar conhecimento. Tenho vários colegas médicos que usam minhas fotos para ensinar residentes sobre como é que faz, o certo e o errado. A fotografia de parto é extremamente necessária.

"Tive um bom parto porque troquei de médico: senti que o primeiro estava me enganando"

Tive um bom parto porque tive informação. Estava sendo acompanhada por um médico da família e, durante meu pré-natal, ele me contava histórias de partos, era bem romântico com o momento e me incentivava em muitas coisas que eu queria. Só que eu percebi sinais de que ele me enganaria.

Quando eu estava entrando nas 37 semanas de gestação, ele começou a falar comigo sobre cesárea. Mas eu não queria. Procurei no Facebook, na época, hospitais que faziam partos humanizados em Recife. Larguei meu médico aos 45 do segundo tempo.

Muita gente fica com medo de trocar o médico em cima da hora. Eu tinha plano de saúde que dava acesso a um dos melhores hospitais aqui de Recife, mas fui para o SUS [Sistema Único de Saúde] porque eu queria um parto respeitoso. Foi uma experiência maravilhosa.