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'Adotei quatro irmãos de uma vez depois de tentar engravidar por 11 anos'

Fernanda Fabris e seus quatro filhos: Flávio, Fabrício, Arthur e Flávia - Arquivo pessoal
Fernanda Fabris e seus quatro filhos: Flávio, Fabrício, Arthur e Flávia Imagem: Arquivo pessoal

Fernanda Fabris em depoimento a Luciana Franca

Colaboração para Universa

01/02/2022 04h00

"Sempre quis gerar um filho, ver a minha barriga crescer, e durante 11 anos tentei engravidar. Mas não consegui, e eu e meu marido nunca tivemos um diagnóstico. Em 2018, cheguei a fazer tratamento com hormônios e nada. Sofri muito com tudo isso. Mas eu já tinha um olhar para adoção, era uma coisa natural por ter um caso na família.

Foi durante uma busca na internet que conheci o site Adote um Boa-Noite [programa do Tribunal de Justiça que incentiva a adoção de crianças e adolescentes acima dos 7 anos]. Cliquei e vi a foto dos meus filhos. Naquele momento, soube que aqueles quatro irmãos eram meus filhos. No dia seguinte, iniciamos o processo pela nossa habilitação, enquanto ligávamos na Vara da Infância e da Juventude da cidade deles e dizíamos: 'Por favor, não separem nossos filhos, em breve, estaremos aptos para adotá-los'.

Seis meses depois da abertura do processo, em dezembro de 2019, conseguimos a guarda provisória das crianças: Flávio, então com 11 anos, Flávia, 9, Fabrício, 6, e Arthur, 3. Foi rápido por causa do perfil: quatro irmãos e adoção tardia. Antes de chegarem definitivamente, eles passaram dois fins de semana em casa, é o período que chamamos de aproximação.

Fernanda Fabris, marido e filhos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Fernanda Fabris junto ao marido e os quatro filhos do casal
Imagem: Arquivo Pessoal

Foi uma lua de mel. Você acha que a criança é perfeita, a criança acha que você é a mãe perfeita. Porém, quando eles vieram para casa de vez, notamos diferenças no comportamento, no olhar, na expressão.

"Tudo começou a mudar no primeiro dia"

É comum a criança passar por um processo de regressão quando vai para um lar. Ela quer viver tudo o que não teve em família: pedem mamadeira, fazem xixi na cama, é uma fase natural, mas não sabia disso. Entramos em uma nova fase da adoção, a fase do teste. A criança testa os novos pais de todas as formas possíveis. A gente não entendia o que estava acontecendo.

O Arthur começou a fazer xixi na cama, o Fabrício queria atenção o tempo todo e cada dia apresentava uma dor diferente.

O Flávio tinha baixa autoestima e a Flávia mostrou sua pior face. Pedia todos os meses para voltar para o abrigo. Ela declarava que não me queria como mãe, me enfrentava de várias formas. Foi muito difícil.

Além do comportamento das crianças, tive que lidar com o meu. Queria ser uma supermãe, tudo deveria ser impecável: comida balanceada, casa limpa, não deixava uma roupa suja no cesto e, ao mesmo tempo, criança no colo, pendurada na perna...

No início, tínhamos acompanhamento dos grupos de adoção da nossa cidade [na região de Campinas/SP], nossos filhos conversavam com outras crianças que passaram por adoção e nós, com pais e psicólogos. Com a pandemia, tudo parou. Meu marido, Maurício, que é alpinista industrial e dá treinamento na área de resgate e salvamento, foi demitido. Não tínhamos mais como pagar a terapia e o posto de saúde da nossa cidade cortou esse atendimento.

Quando a nossa condição financeira melhorou, a Flávia começou a terapia ocupacional, e eu a psicanálise. Foi de extrema importância. A criança que é acolhida carrega uma culpa, acha que fez algo para aquela mãe e aquele pai não estarem com ela, acha que é indigna. Vi esse sentimento nos meus quatro filhos e acompanho muitas famílias que relatam isso.

A Flávia demorou um ano e três meses para criar um vínculo comigo. Dois dias antes de assinar a sentença de adoção [em março de 2021], ela pediu para voltar para o abrigo dizendo que não me queria. Porém, três dias após a sentença, enquanto fazia o café da manhã, ela acordou e me chamou de um 'mãe' diferente. Ali, vi que foi de verdade.

Ela começou a se abrir, e surgiu a ideia de criar um perfil no Instagram para falarmos sobre esse processo. Minha filha sempre diz que ter voz a ajudou a curar muitas feridas e a se ver como indivíduo, então, quer ajudar outras pessoas.

Fiz o perfil Mãe por Amor para mostrar às pessoas que esse vínculo é possível. Meus filhos tinham muito medo da devolução, eles desejam que o número de devoluções nos abrigos diminua, então vamos mostrar que é difícil, mas que conseguimos.

"As pessoas olham para a adoção como caridade"

Muitos acham que somos santos, que somos incríveis porque adotamos quatro filhos. Não somos. Adoção é só mais uma via de parentalidade. É muito importante cair por terra os termos mãe adotiva, pai adotivo, filho adotivo, porque você está inferiorizando essa família. É pai por adoção, mãe por adoção.

Família Fabris - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Fernanda, Arthur, Flávia, Flávio, Maurício e Fabrício
Imagem: Arquivo Pessoal

Levamos uma vida simples, não temos condições de colocá-los em uma escola particular, mas a educação pública na nossa cidade é muito boa. Utilizamos o SUS, não temos convênio médico. Tive de aprender a cozinhar além do trivial porque não conseguimos comer fora com mais quatro crianças. Vivemos momentos de dificuldades na pandemia, com dinheiro contado, acumulamos dívidas, mas batalhamos para honrar nossos compromissos e crescer.

Hoje, trabalho 100% em home office. Eles me ajudam com as tarefas de casa, somos uma grande equipe. Como gestora do terceiro setor, tenho um projeto social com cães e gatos resgatados e estou criando um projeto com jovens acolhidos. A gente nunca pode parar de sonhar."

Fernanda Fabris, 34 anos, é doutora em Ciências. O perfil no Instagram @mae_poramor, com 370 mil seguidores, foi hackeado em 22/01/22 e a família criou outra conta: @mae_poramor.oficial