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'Fui xingada por ir à praia de biquíni. Corpo da mulher é sempre julgado'

Bianca foi alvo de gordofobia ao andar de bicicleta na praia - Arquivo pessoal
Bianca foi alvo de gordofobia ao andar de bicicleta na praia Imagem: Arquivo pessoal

Bianca Barroca, em depoimento a Camila Brandalise

De Universa

01/01/2022 04h00

"Meu nome é Bianca Barroca, tenho 27 anos e sou criadora de conteúdo. Moro em Peruíbe, litoral de São Paulo, e tenho costume de sair para fazer as coisas usando biquíni. É comum por aqui, por ser cidade de praia e fazer calor. Muita gente faz isso.

Fui uma pessoa magra até os 21 anos, mas fui entendendo que mantinha um peso por causa de muita pressão, por medo de engordar. Fazia dietas completamente restritivas, beirando ao distúrbio alimentar. Passava a semana comendo muito pouco, aí no final de semana me sentia mal e comia muito mais do que se estivesse tendo uma alimentação equilibrada. Fui percebendo o quanto estava fazendo mal para mim e mudei.

Quanto vi, minha relação com meu corpo estava diferente. Não me sentia mais constrangida em usar biquíni, em dançar entre amigos. Sim, meu corpo vai balançar, mas não importa. Não tenho que parar de me divertir por isso.

Mas mesmo com toda a autoestima que eu construí nos últimos anos, quando acontece uma situação como a que eu vivi, a gente é pega desprevenida.

Era um dia de novembro e fui andar de bicicleta de biquíni na praia, tranquila. Em certo momento, passei por uma obra municipal e comecei a ouvir gente gritando comigo. Um grupo de homens começou a falar coisas do tipo 'ninguém é obrigado a ver isso', 'veste uma roupa', 'vai para casa'.

Não ia expor minha saúde mental para responder, nem gastar neurônio ou arriscar minha integridade física, então minha atitude foi continuar pedalando e ir para casa. Ali, acabou meu passeio de bicicleta em uma tarde feliz.

Uma coisa frustrante é que as mulheres passam por isso de terem seus corpos são julgados o tempo todo. Se for magra, padrão, é pela via do assédio, ao dizer 'gostosa'. Mas tanto nesse caso quanto no de uma pessoa gorda, o corpo feminino está sempre disponível para comentários e opinião alheia. A pressão estética acontece com todo mundo, mas no meu caso e no de outras mulheres, tem o requinte de gordofobia.

Se fosse anos atrás, eu passaria por esse tipo de situação e iria para casa chorar, não ia querer mais usar biquíni. Hoje em dia eu só fico com raiva mesmo.

Não devo ter sido a primeira assediada por aquele grupo de homens. Parece que existe aquela sensação de validação do discurso um do outro. Um vai lá e ofende, o outro ri e se acha no direito de fazer o mesmo. Mas não vou me sentir inadequada porque um grupo de homens teve uma atitude infantil, violenta e primitiva.


"Pessoas gordas precisam se esconder para fazer exercício?"


Tem uma complexidade a mais nessa situação porque o tempo todo sou cobrada para fazer exercício físico, e de gente que nem me conheço. Eu surfo, ando de bicicleta, mas por ser gorda, assumem que sou sedentária. Já ouvi coisas do tipo de gente da família, do trabalho. Uma vez, estava no metrô e uma pessoa me disse que eu era muito linda, perguntou por que eu não fazia academia.

No geral, parece que a pessoa gorda tem que se esconder. E não é assim: tenho direito de fazer atividades ao ar livre, estar nos ambientes que eu quiser. Não quero fazer meus exercícios dentro de casa.

"Autoestima é mais do que preocupação estética"

Autoestima não acaba com a gordofobia, mas faz a gente entender que não há nada de errado com o nosso corpo.

Durante o meu processo, relacionava muito a arrumar meu cabelo, ser vaidosa, me sentir bem, mas percebi que vai além disso: tem a parte intelectual, a de se relacionar com outras pessoas.

Há algo mais profundo do que a aparência. Quando entendemos que somos dignas de respeito, não somos inadequadas, conseguimos separar o que é o problema do outro e o que é nosso. E gordofobia é uma questão do outro. Infelizmente, há muitos 'outros' multiplicando esse discurso, mas esse tipo de situação que eu vivi ser discutida é importante para que aos poucos a gente vá mudando isso;

Saber que mereço ser tratada de forma digna me ajuda a entender as agressões. Posso até querer mudar coisas em mim, mas não será por causa dos comentários das pessoas.