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Desejada em 'Verdades Secretas', Mayara Russi diz: 'Gorda não é palavrão'

Mayara Russi estreou na TV no papel da modelo Vitória, em "Verdades Secretas 2", que chegou à reta final nesta semana - Reprodução/Instagram
Mayara Russi estreou na TV no papel da modelo Vitória, em "Verdades Secretas 2", que chegou à reta final nesta semana Imagem: Reprodução/Instagram

Nathália Geraldo

De Universa

15/12/2021 04h00

No papel da modelo Vitória em "Verdades Secretas 2", Mayara Russi empresta à construção da personagem a sua própria vivência no mundo das passarelas e dos ensaios fotográficos. Descoberta por um agente de modelos enquanto passeava por um shopping aos 15 anos — sim, a história comum a muitas meninas da profissão — Mayara usa seu corpo, desde muito cedo, como uma forma de se afirmar no mundo. Vitória também tem esse poder e é genuinamente desejada. Mas a atriz paulistana, de 32 anos, nem sempre esteve em paz com a própria imagem.

Mayara é uma mulher gorda. "E gorda não é palavrão", decreta. Como muitas de nós, sofreu a pressão de tentar se encaixar nos padrões do que é visto como bonito, se forçou a emagrecer em dietas malucas. Hoje, se entende como uma voz para libertar outras pessoas, sobretudo as que sejam parecidas com ela, da luta com a própria aparência.

Inspirando mais de 320 mil seguidores no Instagram, divide conteúdo sobre amor-próprio, moda e expõe não só a grande gostosa que é. Lá também é um lugar para reafirmar sua personalidade e seus feitos em um mercado de moda gordofóbico, que conquista aos pouquinhos. "Minha carreira não é só uma carreira, mas uma história em que as pessoas podem se inspirar."

"Verdades Secretas 2" já tem os últimos capítulos disponíveis no Globoplay desde segunda-feira (13). O episódio final, no entanto, só será liberado para o público na sexta-feira (17). A seguir, Mayara falou sobre a participação na novela, a descoberta da própria sensualidade e a importância de se ter mais pessoas gordas em papéis na TV. Confira os principais trechos da entrevista.

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Mayara estreou na TV como Vitória, em "Verdades Secretas 2"
Imagem: Fael Gregório

UNIVERSA - O que Vitória, de "Verdades Secretas", tem a ver com sua trajetória?

Mayara Russi - Ela é uma potência. Uma modelo plus size que não precisa fazer book rosa porque tem carisma, talento, força. Essa parte tem muito a ver com minha carreira, só que eu nem sempre fui essa potência. Eu precisei passar por um processo de construção para me tornar como ela.

Como foi esse processo?

Não tem muito tempo que entendi meu lugar, o de que não sou só um corpo. E que, respeitando minha saúde, posso ser como eu quiser. Foi há uns quatro anos. Só que aos 15, quando entrei para modelar, ainda havia o conflito interno da adolescência. Não queria ser gorda, queria ser magra, porque era o "bonito".

Não me achava feia, mas cometia loucuras para emagrecer: fazia dietas, ia à academia e não saía de lá enquanto não queimasse mil calorias, porque as pessoas achavam que eu devia ser magra. Por isso, tenho entendido que minha carreira não é só uma carreira, mas uma história que pode inspirar outras mulheres.

Como foi descobrir a própria sensualidade?

Quem tem meu biotipo sabe que nada funciona mais para a autoestima do que autoconhecimento. É conhecer o próprio corpo, se tratar com carinho... Isso aflora o lado sensual. As pessoas dizem que eu exalo sensualidade e talvez faça sentido porque isso tem a ver com segurança.

Como você tem lidado com a saúde mental na pandemia?

Durante todo o tempo eu só pensava que queria sair viva. Nos primeiros seis meses, fiquei apavorada. E logo quando entrei na novela, eu e minha mãe pegamos covid-19 e ela chegou a ficar 18 dias entubada. Foi no começo das gravações, foi difícil. A Globo até parou.

E também rolaram aquelas questões de as pessoas fazerem comentários gordofóbicos, de que iriam engordar muito na pandemia... O que não é nada novo, apesar de termos visto mais respeito por parte de algumas pessoas. Fato é que não tento discutir mais, a minha esperança é que as próximas gerações sejam educadas de forma diferente para não ver essas situações como "piada".

Você já apareceu em Universa falando sobre a aparência dos seus braços, que são grandes. É uma questão de autoestima corporal para você?

O braço e a barriga são questões. Na barriga, tenho flacidez por ter passado por duas gestações [Rafael, 14 anos, e Sofia, 8]. Meu relacionamento com essas partes do corpo já melhorou muito, mas ainda é uma questão.

mayara - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Mayara Russi em ensaio fotográfico publicado no Instagram, onde fala para seguidores sobre carreira de modelo e gordofobia
Imagem: Reprodução/Instagram

No Google, as pesquisas por "Mayara Russi" vêm acompanhadas das palavras "medidas", "usa lentes de contato" e "altura". Por que querem saber tanto sobre sua aparência?

Essas são as perguntas que mais fazem nas caixinhas de pergunta que abro no meu Instagram. Sim, eu uso lentes de contato! E entendo que tudo bem perguntar das medidas, porque pode ser para saber se dá para usar os mesmos looks com que apareço, apesar de também ter pessoas que façam essa pesquisa por maldade ou só por curiosidade mesmo.

Mas a gente precisa conversar quando me perguntam do meu peso. Eu sei que as pessoas querem saber isso para ter comparações e isso pode gerar frustração. A gente não tem que se comparar. Neste sentido, estar 100% ligado na aparência é muito ruim.

Você tem 230 mil seguidores no Instagram, muitas mulheres gordas comentam que seu conteúdo é inspirador. O que você divide com os seguidores?

Publico conteúdo de moda, inspiração, coisas engraçadas do dia a dia sendo uma pessoa gorda, como a dificuldade de sentar em uma poltrona de avião ou uma de cinema. Ali, nada é para impor e sim, inspirar. Até sou alvo de 'haters', mas é muito legal também ver o quanto o que escrevo pode mudar a vida de outras pessoas, as inspirando. E não só mulheres gordas.

Você virou modelo aos 15 anos, sendo uma adolescente gorda. Como foi descobrir a possibilidade de entrar no mundo da moda?

Foi um olheiro no shopping que me viu e falou que eu poderia ser modelo. Achei que era brincadeira, porque nem existia roupa feminina para mim, eu tinha que comprar na seção masculina. Eu pensava: "Como é isso?". Estar na moda me ajudou porque eu tenho muitos contatos no meio, de marcas e pessoas, então acabo tendo opções — e aproveito para passar, atualmente, o acesso a essas informações às pessoas.

Hoje tenho 32 anos e desde que comecei já passei por situações que me fizeram pensar em desistir diversas vezes. Porque a pessoa fora do padrão, como eu sou, é tachada de relaxada, é excluída, vista como uma aberração.

Ao mesmo tempo, já vi grandes feitos no nosso mercado: é um avanço eu ter desfilado em eventos como a São Paulo Fashion Week, ter feito tantas campanhas publicitárias e estar em uma novela em um papel em que não sou a "coitada", ao contrário, eu ocupo um lugar de poder.

Sente falta da presença de mais pessoas gordas na mídia?

Sim, e também de se colocar a mulher gorda sem que ela precise ser lembrada que é gorda. Que tenha dramas, profissão, relacionamentos, que tenha família, sem precisar enfatizar somente a questão do corpo. Aliás, gordo não é palavrão: é uma característica física, como magro, alto, baixo. Se tentar falar no diminutivo, pode ofender ainda mais, dependendo do tom.

Você teve medo de ser fetichizada com essa personagem da série? Já passou por isso na sua vida amorosa?

Já passei por perrengue assim, de ser hiperssexualizada. Sair com alguém que não quis me levar a um lugar público, só pensando no lado sexual. Foi uma das piores situações que já vivi. Mas, quanto a Vitória, não tive esse medo porque ela não é fetichizada, ela é realmente desejada. E o diretor, Walcyr Carrasco, ainda colocou que é ela quem tem um fetiche.