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Max Weber lança linha de make acessível: 'para preto ver e poder comprar'

Manuela Aquino

Colaboração para Universa

09/09/2021 04h00

Uma linha de maquiagem com preços acessíveis e produtos de qualidade é o novo desafio na vida de Max Weber, 48 anos. Depois de três anos em cima do projeto, o maquiador colocou no ar o e-commerce da MAXWEBERLAB com o lançamento de três iluminadores cremosos produzidos totalmente no Brasil. Max trabalha há mais de duas décadas com maquiagem - que aprendeu sozinho vendo a transformação de drag queens. Também é cabeleireiro. É queridinho de diversas famosas brasileiras, já fez editorial e capa das principais revistas de moda nacional e assinou inúmeros desfiles da São Paulo Fashion Week e Rio Fashion.

A trajetória dele começou cedo com um trabalho de entregador de jornal aos 10 anos. Nascido no interior da Paraíba, se mudou pequeno com os pais para São Paulo e foi morar na Cohab, conjunto habitacional de classe baixa na zona leste da cidade. Lá sofreu agressões verbais e físicas por ser gay e se envolveu com drogas, até que sua mãe, Maria Lira, 71 anos, decidiu que um dos quartos do apartamento seria o local onde ele poderia trabalhar fazendo cabelo das vizinhas.

A ajuda com o curso e com o espaço foram fundamentais para que ele começasse a jornada de sucesso que agora dá mais um passo. A seguir, Max conta sobre sua caminhada, falou de representatividade e de como deu a volta por cima.

UNIVERSA - Você está lançando uma linha de make acessível. Como nasceu esse projeto?
MAX WEBER - É uma ideia antiga, mas é difícil. Tem muitas empresas gigantescas e aí eu pensava que ia concorrer com Dior, Lancôme, M.A.C, e desistia. Aí agora, com a pandemia, resolvi voltar com isso, mas o estudo foi de três anos.

Fiz o pré-lançamento já do iluminador, único produto por enquanto, disponível em três cores por 59,90 reais. É um preço acessível e dura muito. Descobri um mercado que eu não conhecia, agora estou mais calejado. A gente tem muita fantasia e colocar em prática é cansativo.

Você tem um sonho de ter o produto barato, começa a escolher embalagem e tudo vai encarecendo. Eu queria que tivesse espelho, por exemplo, e não deu pelo custo que ia impactar no preço final, mas o importante é que o produto seja legal.

Por que você escolheu iluminador para começar?
A beleza está na luz. Com ele você consegue fazer o efeito 3D na maquiagem. Quando uma pessoa está maquiada e com iluminador, de frente você enxerga uma coisa e quando vira é outra. Isso mexe com a fantasia, com nossos sentidos. Brincamos com o desejo, com a criação. Quando você vai fazer uma pele, mesmo com muito produto, preciso que tenham áreas que remetam a pele natural e aí vem o brilho do iluminador, que é essencial.

Como você enxerga a questão da representatividade na beleza, tanto na questão da variedade de tons de produtos como nas campanhas e editoriais?
As empresas acordaram, né? E elas são obrigadas a fazer, inclusive para vender. Precisa acontecer mais, inclusive economicamente.

Você vê propaganda com pessoas negras, mas elas não vão ter dinheiro para comprar aquela base de 200 reais. É legal a representatividade, você se ver lá, mas a gente precisa trabalhar e ganhar dinheiro.

Apesar de eu sempre ter desejado estar onde estou mesmo sem me enxergar, sei que para crianças, por exemplo, é muito mais forte e empoderador.

Foi complicado dar um tempo durante o isolamento?
A pandemia trouxe uma conexão com minha casa externa e interna. Comecei a cuidar das plantas e ficar mais aqui, lógico. Eu sempre trabalhei muito e praticamente só vinha pra casa para dormir. Eu fugi muito de quem eu era trabalhando, mas não tinha outro jeito de chegar num nível de excelência na minha profissão.

Como negro, a gente trabalha 110% a mais do que uma pessoa de pele clara. Eu tive que colocar todas minhas energias no trabalho para ser quem eu sou e estudar.

A pandemia me fez olhar para isso também. Às vezes, saía 5 da manhã e chegava meia-noite, mas eu queria isso. Estava achando que realmente a vida era isso e Deus mostrou "não, ei, para'. Foi importante, pois trabalhei mais de duas décadas sem parar.

Você começou a trabalhar bem cedo?
Com 9 anos, meu pai entregava jornal e eu comecei a trabalhar com ele. A gente saía do Cohab Jardim Bonifácio, na zona leste de São Paulo, no sábado, às 3 da manhã. Fiquei uns três anos. Com 14 anos, eu fui trabalhar como office boy no Serasa. Minha vida começou a se expandir ali. Minha vizinha era casada com um cara que trabalhava na Transbrasil e levava pra casa aquelas revistas perfumadas. Aí, comecei a ver que tinha outro mundo.

No trabalho fui promovido para auxiliar de escritório e tinha um cara que fazia backing vocal para uma drag que ia vestida de Tina Turner no programa do Silvio Santos. Ele era branco e ficava igual a ela. Quando eu vi aquilo, juntou a maquiagem, a transformação... Aquilo não existia para mim, mas passei a saber que aquilo existia.

Foi aí que você decidiu ser maquiador?
Dos 17 aos 19 eu não trabalhei, eu saía bastante, me maquiava. Aprendi a maquiar de maneira autodidata vendo as drags, como era a transformação de um rosto de homem em um de mulher. Passei também a me transformar em Naomi Campbell, que era quem eu queria ser.

Com 21 eu fiz um curso para me tornar cabeleireiro. Na época, o curso era completo, aprendi e cortei e comecei a trabalhar na casa da minha mãe. Na Cohab, o apartamento tinha três quartos. Eu dormia com meu irmão e minhas duas irmãs em outro. Minha mãe colocou ele para dormir com elas e ali no meu quarto ficou meu salão, que não tinha nada de mais, uma escova, uma capa, não tinha dinheiro para o secador. Comecei a fazer o cabelo das minhas irmãs, depois das vizinhas.

Sua mãe, então, sempre te apoiou?
Sim, eu morei com ela até os 31 e sempre gostei. Ela ficou muito do meu lado em uma época difícil, eu tinha passado por um período de fuga.

Foi muito complicado crescer na Cohab - além de eu ser gay, tinha a questão de ser uma criança negra adotada em uma família branca. Então, as drogas passaram a ser meu alicerce. Precisei me internar. Nunca falei sobre esse assunto, mas acho que pode ajudar outras pessoas.

Dos 15 ao 18, descobri essa muleta ali naquele lugar, daquela realidade dura. Aos 21, pedi para meu pai me internar. Quando saí, fiz o curso, que minha mãe descobriu pra mim e falou para eu fazer o salão lá em casa pois tinha que me ocupar. Minha fuga mudou, era o salão.

Como sua mãe encara o fato de ser gay? Sempre foi numa boa?
No começo não, não aceitou muito, pois ela achava que eu tinha que me poupar, que esconder. Mas sempre fui uma gay pintosa, que não consegue esconder, desde pequeno sempre fui espoleta.

Desde pequeno tinha essa delicadeza e na Cohab o povo não aguentava. Eu saía de mini blusa e com uma calça da Wangler que eu tinha, que era muito apertada. A gente fazia umas pistas e eu usava roupa de caubói com minhas amigas e as pessoas não entendiam essa beleza. Eu queria ser Michael Jackson e Madonna, o pessoal não aguentava.

Sofreu preconceito por ser gay nesta época da Cohab?
Uma mente expandida num lugar em que as pessoas não estão a fim, é conflito. Sempre ouvi xingamentos. Era "viado", "vira homem".

Com o tempo não dava para eu sair correndo cada vez que alguém me xingava. Aos domingos, o posto de gasolina ficava cheio, passa por ali, queria dar meu close de garota. Eu sempre fui bocadura e não aguentei. E se eu respondesse? Aí, era babado. Tinha briga e tudo, já cheguei em casa com sangue da cabeça aos pés. Não tinha ninguém por mim, eu tinha que me defender.

Como foi de seu salão no quartinho para o mundo da moda?
Depois das vizinhas, vieram as amigas das vizinhas e acabei ganhando clientes na vizinhança. O meu diferencial é que eu sabia muito de química, fiz um curso de alisamento, fazia meu próprio cabelo e as pessoas olhavam e queriam igual.

Tinha um outro profissional que morava ali perto, mas em outro prédio. Do outro lado da minha casa tinha um maquiador e cabeleireiro, aí quando um não tinha horário, ia no outro e começamos a trocar as clientes. Depois eu comecei a fazer trabalhos em fotos como maquiador e cabeleireiro, book, e este vizinho me apresentou para uma editora da revista Desfile e passei a ir pro Rio de Janeiro trabalhar.

O dono da agência Mega me chamou para fazer o book da Isabeli Fontana. Depois pintou uma campanha do caderno Tilibra e reencontrei ela neste trabalho. E ela me chamou para fazer aqui no Brasil, a Vogue Espanha, depois vogue Brasil e não parei mais.

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