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Gabi Oliveira "fura bolha da internet" e leva beleza negra ao horário nobre

Gabi Oliveira - Reprodução/Instagram
Gabi Oliveira Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

26/09/2020 04h00

Gabi Oliveira, dona do canal De Pretas, pode ser considerada uma veterana no Youtube: aos 28 anos, está na plataforma há cinco, falando de assuntos que vão de maquiagem a educação financeira e fake news. Nesta trajetória, ela acumulou 609 mil inscritos e 421 mil seguidores no Instagram, se aliou a grandes marcas de beleza, falou no TEDx e foi parar em Harvard, no ano passado, como palestrante.

Mas, como afirma em entrevista a Universa, só agora "furou a bolha da internet", ao aparecer na TV aberta, em horário nobre, no comercial da Seda — a peça publicitária tem 30 segundos dedicados a resumir a trajetória de Gabi, com fotos da infância e adolescência, mas, principalmente, falar sobre a importância de sonhar.

Apesar de considerar sua presença na TV aberta "significativa", por alcançar um público mais amplo que não alcançaria com a internet, a comunicadora nascida em Niterói (RJ) mantém o olhar atento sobre as marcas: ela criticou a Fenty por ignorar influenciadoras negras quando a empresa de produtos de beleza da Rihanna chegou ao Brasil e afirma dizer "mais não do que sim" às marcas por medo de virar "cabide publicitário".

A Universa, ela fala sobre a importância de chegar ao horário nobre da TV, o mercado por trás da influência digital, o sonho de ser mãe — Gabi revelou, recentemente, que está na fila para a adoção — e o desejo de ter uma casa com quintal e piscina, que nasceu durante o isolamento social.

UNIVERSA: Você já foi o rosto de outras campanhas de beleza na internet, mas agora está protagonizando a campanha de uma marca famosa, na TV aberta, e em horário nobre. O que isso significa para você e para outras meninas negras?

GABI OLIVEIRA: A maioria das outras campanhas de que eu participei foi para o digital, e eu tenho a impressão que quando a gente fala de TV, consegue alcançar um público muito mais amplo, mais plural, do que nas plataformas digitais, em que a gente acaba impulsionando os anúncios dentro de um recorte de idade, estado etc. Na TV não, quem está sentado no sofá assistindo ao Jornal Nacional, à novela ou a um programa de entretenimento vai ser impacto por aquela propaganda, como a da Seda. Para mim isso é muito significativo porque fura as bolhas da internet, as bolhas que já me conhecem. Eu entendo que, quando estou na TV falando sobre sonhos, perspectivas, consigo estimular pessoas que eu não alcançaria através do digital. E é justamente esse estímulo o motivo do meu trabalho.

Ser protagonista em campanhas de beleza [além da Seda, neste momento Gabi mantém parcerias com MAC, Quem Disse Berenice e Eudora, por exemplo] mostra uma evolução deste mercado? A indústria da beleza está enxergando as consumidoras negras?

Eu sinto que ainda falta um longo caminho para a indústria da beleza, aliás, para as indústrias em geral. A gente avançou sim, com certeza, pelo menos hoje essa discussão existe. A gente está discutindo a representação negra, a proporcionalidade. Por muito tempo a indústria se apoiou na ideia de que bastava uma pessoa preta e estava cumprindo seu papel, mas hoje a gente entende que a publicidade precisa refletir a população do Brasil.

Gabi 1 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Gabi 2 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Na sua visão, o que falta para que essa relação entre marcas e consumidores negros seja mais próxima do ideal?

Quando eu penso no mercado, eu não penso que as marcas estão se mobilizando, eu penso que as consumidoras se mobilizaram e entenderam seu lugar, o quanto elas poderiam reivindicar produtos de qualidade para a pele negra, para o cabelo crespo, cacheado.

E aí sim, a partir deste entendimento, elas conseguiram fazer pressão para que as marcas produzissem. Se a gente fala de cabelos naturais, por exemplo, o movimento começou com mulheres passando por transição capilar, se juntando, fazendo receitas caseiras, e só mais tarde as marcas começaram a caminhada delas para criar produtos específicos para cabelo crespo e cacheado, porque elas entenderam que existe um espaço no mercado que elas não estavam ocupando. Quando a gente olha pro setor da maquiagem, é a mesma coisa.

Para que a gente consiga chegar num lugar de igualdade, a gente precisa que as marcas tenham mais atenção, mas a gente precisa também, como consumidoras, aprender a boicotar quando a marca não se preocupa em atender pessoas com o nosso perfil. Numa sociedade capitalista, é quando mexe no bolso que a gente move as coisas.

Quando a Fenty [marca de beleza criada pela Rihanna] chegou ao Brasil, você foi uma das personalidades que criticaram o fato de influenciadoras negras terem ficado de fora da divulgação, o que você chamou de "erro de estratégia, pautado pelo racismo". O que esse episódio diz sobre a relação entre marcas e influenciadores negros no Brasil?

Eu acompanho muitas criadoras negras nos Estados Unidos e acompanhei a estratégia de marketing quando a Fenty foi lançada. Todas elas recebem Fenty, desde as maiores até as menores. E, aqui no Brasil, quando a marca chegou, ela não mandou produto para as criadoras negras. Antes de ser blogueira, eu sou profissional da comunicação. Foi um erro estratégico pautado no racismo, porque você tem uma marca cujo grande diferencial é fazer produtos de qualidade para todos os tipos de pele, principalmente para a pele negra, mas a agência que cuidou da estratégia de divulgação não olhou de forma mais ampla para as influenciadoras de beleza.

Quando comentei sobre isso, não estava falando de mim. Hoje eu até faço publicidade relacionada à maquiagem, mas não sou uma produtora de conteúdo de beleza, eu produzo conteúdo sobre outras coisas. Mas muito me estranhou que as meninas que são referência em maquiagem para pele negra, alguns homens também, não tenham recebido os produtos, não tenham sido cotados para fazer publicidade.

Se você tem um produto que é para um público carente de produtos de qualidade, por que não delimitar esse público-alvo, fazer uma estratégia voltada para os consumidores negros? Eu ouvi "ah, mas a marca é para todo mundo". A gente sabe que é para todo mundo, mas esse discurso silencia pessoas que já são vistas como marginalizadas.

É mais difícil se sustentar como influenciador ou produtor de conteúdo sendo negro?

Eu acho que é mais difícil conseguir entrar no mercado. Depois que você consegue se estabelecer, construir sua marca, colocar os valores da sua marca para jogo, a coisa vai para frente. Mas antes disso, é difícil conseguir entrar num meio que, muitas vezes, é pautado por indicação. Também é um meio muito centralizado no Sudeste, muito elitizado, além do racismo, que obviamente se impõe. Eu lembro que quando comecei o processo de criação de conteúdo, uma pessoa que trabalhava com marketing me disse que era impossível eu trabalhar nesse meio porque eu não tinha perfil e que as marcas não aceitariam trabalhar comigo.

Eu estou aqui, mas não foi simples, não foi fácil. Eu entendo que o mercado sempre tenta injetar um valor menor para os influenciadores negros. A gente precisa estabelecer nosso preço, construir nossa marca. Hoje eu falo mais não do que sim, tenho muito cuidado, me preocupo com a credibilidade, me preocupo em não virar um cabide publicitário.

Mas sei que a realidade dos outros criadores negros, por conta da desigualdade social, faz com que se sintam obrigados a falar sim sempre, porque estão sem grana mesmo. Eu vejo criadores conseguindo se estruturar e quero ver cada dia mais negros falando sobre coisas diversas e se sustentando com o seu trabalho.

Gabi Oliveira - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Você divide com os seguidores o desejo de ser mãe e, recentemente, anunciou que está na fila para a adoção. Que tipo de mãe espera ser? O que quer construir para sua criança?

Eu pretendo ser uma mãe atenta. A minha mãe foi muito atenta e eu quero repetir essa fórmula. Quero ser uma observadora do desenvolvimento da minha filha, ou do meu filho, observando as necessidades, os desejos, sempre dando suporte para que eles consigam seguir o caminho que eles querem seguir, que consigam realizar os sonhos que têm para realizar, e que sejam fortalecidos em casa, em sua autoestima física e intelectual.

Qual é seu maior sonho pessoal? E seu maior sonho coletivo?

Eu tenho alguns sonhos pessoais, um deles é ser mãe, outro é morar numa casa com quintal e piscina, acho que a quarentena trouxe esse sonho. E, quanto ao coletivo, eu tenho muita vontade — e estou me planejando para — construir um espaço voltado para o ensino de artes diversas para crianças em situação de vulnerabilidade.

Eu acho que é importante a gente conseguir ampliar as perspectivas de outras pessoas e, quando você consegue fazer isso ainda na infância, pode mudar a história daquela pessoa para sempre. Se tudo der certo, e vai dar, isso não vai demorar muito para acontecer.