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Thiago Queiroz, o Paizinho, Vírgula: 'Sociedade diz que pai é meio incapaz'

Thiago passou a criar conteúdo sobre parentalidade depois que seu filho mais velho, hoje com 8 anos, nasceu - Divulgação
Thiago passou a criar conteúdo sobre parentalidade depois que seu filho mais velho, hoje com 8 anos, nasceu Imagem: Divulgação

Juliana Tiraboschi

Colaboração para o Universa

08/09/2021 04h00

Foi ao segurar seu filho recém-nascido no colo pela primeira vez que a ficha de Thiago Queiroz, hoje com 39 anos, caiu. Naquele momento ele percebeu que queria ser um pai diferente daquela referência hoje antiquada de paternidade: a do pai provedor, autoritário e que não se envolve muito na criação dos filhos.

Depois da epifania, Thiago começou a estudar sobre criação com apego e disciplina positiva e tornou-se produtor de conteúdo na internet com o perfil "Paizinho, Vírgula!". "Percebi que as necessidades do bebê vão além do seio materno", conta, em entrevista a Universa. "Foi libertador, porque percebi que podia fazer tudo, só não podia dar o peito. Parece meio besta porque hoje a gente sabe que pai pode fazer tudo, mas oito anos atrás isso fez muito sentido", completa.

Thiago passou a compartilhar seus sentimentos e aprendizados nas redes sociais. Primeiro com um site e depois com perfil no Instagram, canal no YouTube e podcast. Ao longos dos últimos oitos anos, tem dado dicas para ajudar outras famílias a trilharem o caminho da paternidade participativa, escreveu o livro "Abrace Seu Filho" e, ao lado da companheira Anne Brumana, a sua família cresceu: Hoje é pai de Dante, 8, Gael, 6, Maya, 2, e está à espera de Cora, que deve nascer nas próximas semanas. Com tantos filhos, vê também os desafios da divisão de tarefas, com o adendo da pandemia, home office e filhos mais tempo em casa. "Não podia colocar dois meninos machistas nesse mundo. Percebemos que a melhor forma de desconstruir os estereótipos é o modelo". Leia a entrevista a seguir.

UNIVERSA - Por que você se tornou um produtor de conteúdo sobre paternidade?
THIAGO QUEIROZ - Antes de ter filho eu pensava bastante diferente sobre o que deveria ser uma relação entre pai e filho. Minha referência era a de um pai provedor e meio autoritário. Com o nascimento do Dante, vi que aquilo era uma coisa incrível e quis construir uma relação diferente da que tive na minha infância, mais próxima, empática, profunda e acolhedora, mas não tinha noção de como fazer isso.

Encontrei a criação com apego e a disciplina positiva e me embrenhei nesses temas. Criei meu site quando o Dante tinha uns cinco meses para falar dos meus medos e alegrias.

O nome 'Paizinho, Virgula!' vem de um incômodo que acontece com a gente, e acho que muito mais com as mães, de sermos reduzidos e recebermos um tratamento infantilizado a partir do momento que temos filho.

Se eu for a um hospital ou a uma escola tradicional, as pessoas imediatamente vão ignorar meu nome e me chamar de "paizinho". "Paizinho, você não sabe, vem cá que vou te ensinar".

Como era a sua referência de paternidade na infância, essa da qual você queria se afastar?
A minha figura paterna era o pai tradicional, que não demonstrava afetos com beijos e abraços. Era o cara que trabalhava o dia inteiro, que se preocupava em trazer o sustento, mas não com a criação.

Eu achava que usar recompensa, colocar de castigo e fazer os filhos sentirem medo era o modus operandi normal. Mas fui mudando ao longo da gestação da minha companheira. Como seria um parto domiciliar, tivemos que pesquisar bastante.

Meu filho nasceu e eu fui o primeiro colo, aí bateu: não fazia sentido que eu tivesse tido toda uma preparação para aquele momento e a partir dali dar uma educação na base do grito. Não queria ser o cara que chega em casa, senta no sofá, vai assistir ao jornal e só troca meia dúzia de palavras com o filho.

Como ficou sua relação com seu pai depois que todas essas fichas caíram?
Foi um pouco complicada porque quando eu era adolescente minha mãe saiu de casa comigo e meu irmão e não vimos mais meu pai. Minha mãe tinha conflitos com meu pai. Nada que envolvesse violência física, mas ela resolveu fugir e nos isolar do convívio com meu pai, por motivos que até hoje não entendo muito bem.

Só fui reencontrá-lo por causa do meu blog. Em um dos textos que escrevi, veio uma mensagem do meu pai. Fiquei meio em choque, mas entrei em contato e nos reencontramos depois de 18 anos. Hoje temos uma relação bem bacana, ele e meus filhos se amam e estamos reconstruindo essa história.

Se eu apontar o dedo pro meu pai e falar que ele nunca demonstrou amor, ele vai falar "como assim? Eu trabalhava de 8h da manhã às 20h da noite por você". Para os homens das gerações anteriores, isso era demonstrar amor.

Acho legal olhar com empatia para os nossos pais. Nós temos o direito de não perdoar, dependendo do que aconteceu nas nossas infâncias. Mas é importante entender que nas gerações anteriores existia uma visão diferente do que é ser pai.

Nesse caminho de ressignificar a paternidade, qual o papel do pai para você?
É o papel do cuidador, daquele que participa de tudo da vida dos filhos. A gente vive em uma sociedade que fala que o pai faz tudo errado, que é meio incapaz.

Quando encontrei a criação com apego e descobri que as necessidades do bebê vão além do seio materno, foi libertador, porque percebi que podia fazer tudo, só não podia dar o peito. Parece meio besta porque hoje a gente sabe que pai pode fazer tudo, mas oito anos atrás isso fez muito sentido.

Thiago Queiroz, a companheira Anne Brumana e os filhos Maya, Dante e Gael. Eles estão a espera de Cora, que deve nascer nos proximos dias - @clickcarolina - @clickcarolina
Thiago Queiroz, a companheira Anne Brumana e os filhos Maya, Dante e Gael. Eles estão a espera de Cora, que deve nascer nos próximos dias
Imagem: @clickcarolina

Com toda a sua desconstrução, acha que atingiu um equilíbrio nos papéis de gênero ou ainda dá algumas escorregadas?
É impossível chegar num patamar de perfeição da masculinidade. Por mais consciente que eu esteja, existem pensamentos machistas inconscientes dentro de mim, que às vezes escapam. Na questão da divisão de tarefas, conversamos antes que se torne uma briga. Se a minha companheira está cansada, eu assumo mais coisas. Se eu estou sobrecarregado com o trabalho, ela põe as crianças para dormir, por exemplo.

Quando é você puxa a orelha dos seus seguidores homens, eles se sentem ofendidos?
Normalmente o homem que me segue já está querendo participar. Mas recebo muitas reclamações de mães cujos companheiros se negam a acompanhar meus conteúdos.

Vejo que a mulher se sente mais cobrada a aprender mais sobre cuidar dos filhos. Elas fazem uma "curadoria" dos temas mais importantes e torcem para o cara ler. E também rola aquele machismo do homem só achar que algo tem sentido quando ouve de outro homem.

Mas também recebo desabafos e relatos muito bonitos de homens que se identificam com a falta de referência afetiva de paternidade. Existe um pacto de silêncio bizarro entre os homens de não poder falar do que sentem, e isso somatiza, vira doença.

No livro "Abrace seu Filho", Thiago divide experiências sobre paternidade e conceitos da criação com apego - Reprodução - Reprodução
No livro "Abrace seu Filho", Thiago divide experiências sobre paternidade e conceitos da criação com apego
Imagem: Reprodução

Mesmo tendo esse ambiente acolhedor, seus filhos são afetados pela masculinidade tóxica fora de casa?
Isso é muito relativo. É impossível blindá-los totalmente. Já aconteceu do Dante levar uma boneca para a escola e o amigo rir dele, ele ficar abalado e eu explicar que tudo bem ele brincar com uma boneca. É uma luta todo dia. Mas começamos a ver, sim, um fortalecimento.

Por exemplo, meus dois meninos têm cabelos longos, e às vezes as pessoas os confundem com meninas. Isso já não os abala, já conversamos várias vezes que não tem problema, não é uma ofensa ser confundido com uma menina.

Se um deles se machuca ou está com medo, eu vou acolher, dizer que tudo bem se ele chorar ou se expressar da forma que quiser, porque tradicionalmente os meninos são ensinados a represar as emoções, e a gente sabe que isso pode ter um impacto grave no amadurecimento emocional dos homens.

O mundo lá fora não é legal, eles vão passar por situações difíceis, e às vezes mais difíceis ainda por conta das decisões que tomamos. Mas acreditamos nas mudanças que estamos fazendo e estamos aqui para pagar esse preço e sermos o porto seguro para nossos filhos quando eles forem confrontados com essas micro-violências.

Um post com um de seus filhos passando aspirador de pó e varrendo a casa teve muita repercussão. Como foi esse processo de incluir a família das tarefas de cuidado de casa?
Primeiro, não existe uma regra, isso é o que funciona na nossa família. A divisão veio aos poucos, conversando com a minha mulher e entendendo como ela se sentia sobrecarregada. Fui entendendo a construção patriarcal do homem que só trabalha fora e da mulher que faz todo o trabalho de casa, que é invisível e ninguém valoriza.

Não podia colocar dois meninos machistas nesse mundo. Percebemos que a melhor forma de desconstruir os estereótipos é o modelo.

Não teve um esforço tão grande (em ensinar), uma vez que eu estava lavando a louça, limpando e cuidando deles. Se alguém falar para eles que homem não lava a louça ou não cuida de bebês, eles vão se lembrar de todas as vezes que me viram fazendo essas tarefas. Mas nós preferimos não ter uma divisão rígida de tarefas. Para gente isso não funciona, preferimos ter uma escuta afinada para perceber o que precisa ser feito.

Como tem sido a pandemia para vocês, como estão as dinâmicas entre aulas online e home office?
Ainda estamos mantendo nossos filhos em casa. Já tomamos as duas doses da vacina, mas não nos sentimos seguros, com variante Delta e uma bebê para nascer, então os mantemos em casa, mas nos arrependendo todos os dias (risos).

A gente vê o que está pior e tenta amenizar a situação. Temos nos cobrado cada vez menos. Quando bate a culpa, falamos um para o outro que estamos fazendo um ótimo trabalho para quem está sobrevivendo a uma pandemia. A gente perde muito mais a paciência, tenho dado meus gritos, apesar de saber que isso é péssimo.

É muito difícil conciliar as aulas de duas crianças, mais as demandas da Maya. E ainda vai chegar mais uma filha. Para mim o que define essa pandemia é a síndrome do cobertor curto. A gente não consegue dar conta de tudo. Tem semanas que vou conseguir dar um gás no dever de casa atrasado dos meninos, mas a roupa suja vai ficar acumulada. Vai ter dias em que eles não vão ter a melhor alimentação do mundo.

Quais são suas dicas para os pais lidarem melhor com esses momentos de estresse com os filhos?
Meu mantra é não levar para o lado pessoal. Quando a criança faz birra ou te bate, não é sobre você. É uma criança que não tem desenvolvimento cerebral para lidar com as emoções.

Com crianças pequenas, de dois ou três anos, o redirecionamento de atenção pode ajudar. Tenha uma caixa de brinquedos guardados, para fazer um rodízio, com brinquedos que ela não vê há algum tempo. Quando a Maya fica brava e se joga no chão, eu reconheço a raiva dela e ofereço ajuda, e não tem uma vez em que ela não aceite meu colo.

Com os filhos mais velhos, é maior a necessidade de diálogo. Daí eu tiro a criança da situação de estresse e a chamo para conversar. Digo que sei que ela está com raiva e que vejo o quanto ela está sofrendo. Pergunto se ela quer um abraço. A gente esquece o poder do abraço, é incrível o quanto isso ajuda uma criança a voltar ao controle de suas emoções.