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'Aparência vale mais do que o cérebro': elas relatam assédios pelo LinkedIn

Michele é recrutadora e fala, diariamente, com diversas pessoas pelo LinkedIn, a maioria homens - Acervo pessoal
Michele é recrutadora e fala, diariamente, com diversas pessoas pelo LinkedIn, a maioria homens Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

20/08/2021 04h00

Apesar de ser uma rede social voltada para contatos profissionais, os objetivos do LinkedIn nem sempre são bem interpretados: de acordo com um relatório de transparência da rede, que leva em conta o período entre julho e dezembro de 2020, foram removidas do site mais de 157 mil postagens em âmbito mundial, contendo "assédio ou abuso" — categoria que envolve desde "palavras rudes" até insinuações sexuais.

No Brasil, basta fazer uma busca pelo termo "LinkedIn não é Tinder" para encontrar dezenas de postagens, em especial de mulheres, relatando abordagens inapropriadas e que as deixaram desconfortáveis. A seguir, Universa conversou com usuárias da rede sobre suas experiências:

"É como se a aparência importasse mais do que o cérebro"

"Comecei a usar o LinkedIn com uma frequência maior no ano passado. A rede se transformou em uma ferramenta de trabalho, já que atuo como recrutadora na área de tecnologia e é por lá que encontro bons candidatos para as vagas que tenho a oferecer. Publico conteúdos para expandir minhas conexões e tenho contato com muitas pessoas, a maioria homens, já que eles são maioria nesse campo de atuação. Porém, com a maior visibilidade, já fui assediada diversas vezes.

Muitos me abordam pedindo dicas, já que também sou consultora. Por ter a consciência de que vivemos em um país com muitos desempregados, procuro ser solícita. Mas é muito comum que, nesse tipo de abordagem, aconteça um assédio. No início, são simpáticos, depois vão incluindo perguntas de cunho pessoal, até chegar em comentários, como "você não aparenta ter essa idade" ou "você é linda". Nesses casos, sempre digo que não estou interessada na avaliação da pessoa sobre minha aparência. Aqui abordo assuntos profissionais, nada mais.

É revoltante porque nos sentimos um pedaço de carne, como se a aparência importasse mais do que o cérebro, a bagagem profissional, a minha postura. Minha carreira para mim é sagrada e gosto de ser reconhecida pelo meu foco e pelas minhas entregas, sem ser importunada. Muitos, porém, acham que estão certos, que é 'só um elogio' e que eu deveria agradecer. Apesar da revolta, nunca cheguei a formalizar uma denúncia pelo LinkedIn. Na maior parte das vezes, acabo só bloqueando a pessoa". Michelle Ferreira Barbosa, 41 anos, recrutadora especialista em tecnologia, Mauá (SP)

"Demorei alguns minutos para entender que se tratava de um assédio"

Lis é criteriosa no momento de adicionar pessoas na sua rede - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Lis é criteriosa no momento de adicionar pessoas na sua rede
Imagem: Acervo pessoal

"Sou brasileira, mas moro em Portugal há quatro anos. Em geral, quando recebo convites de conexão no LinkedIn, avalio o perfil de quem enviou. Só aceito quando acredito que possa haver interesses profissionais envolvidos. Em uma manhã de sábado, recebi um convite masculino e achei que pudéssemos ter assuntos de trabalho em comum, então aceitei. Logo em seguida, recebi do usuário uma mensagem na qual ele usava o pronome 'tu', que só é usado em Portugal com pessoas com quem temos intimidade ou confiança. Só esse fato já poderia ser interpretado como uma falta de respeito.

Nessa mensagem, ele perguntava se 'os portugas me tratavam bem'. Questionava o que eu tinha vindo fazer no país dele e encerrava com um 'abraço'. O tom ambíguo e íntimo me deixou pasma. Não pude deixar de me questionar se tinha algo a ver com o fato de ser uma brasileira, de presumir que, por causa da minha origem, estaria disponível para esse tipo de conversa. Foi revoltante, pois ser imigrante e negra é sentir a pressão de ter que provar, o tempo todo, a sua capacidade profissional e intelectual, além de mostrar o tempo todo que seu corpo não está disponível para sexo.

Demorei alguns minutos para tentar racionalizar e entender que sim, era uma mensagem abusiva. Logo em seguida o bloqueei, fiz um post mantendo a identidade do homem em sigilo e denunciei seu perfil, justificando o motivo da denúncia no formulário. Infelizmente, não recebi nenhum retorno da rede sobre isso". Lis Barsan, 43 anos, profissional de comunicação e marketing, mora em Braga (Portugal)

"Enxergo os assédios como falta de empatia"

Mesmo falando sobre vagas de trabalho, Caroline recebe respostas desagradáveis - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Mesmo falando sobre vagas de trabalho, Caroline recebe respostas desagradáveis
Imagem: Acervo pessoal

"Sou recrutadora e situações de assédio são quase rotineiras no LinkedIn. Na busca por novos candidatos, frequentemente me deparo com mensagens do tipo: 'Se topar tomar um café comigo, participo da vaga', 'Se você me passar seu número pessoal eu me candidato' e assim por diante. Esses são os exemplos mais comuns, mas também recebo mensagens mais diretas, dizendo que sou linda ou me chamando de gata.

Sempre me sinto constrangida e indignada. Ainda tenho dificuldade de entender como uma pessoa que está em busca de um emprego pode ter essa postura. A sensação que tenho é de que sou um produto, avaliado apenas pela aparência. Infelizmente, esse é um reflexo da nossa sociedade, que ainda é muito machista. Sinto que é uma tremenda falta de respeito e de empatia.

Todas as vezes em que algo do tipo aconteceu, denunciei o perfil da pessoa que cruzou os limites e só recebi, como resposta, que o LinkedIn estava analisando a denúncia". Caroline Michelotto, 35 Anos, São Paulo (SP), especialista de recrutamento e seleção de TI

"Quando resolvi desabafar, insinuaram que eu havia provocado"

Sabrina deixou de usar a rede com frequência em função dos assédios - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Sabrina deixou de usar a rede com frequência em função dos assédios
Imagem: Acervo pessoal

Quando uso o chat do LinkedIn, normalmente tenho o objetivo de tirar dúvidas em relação a processos seletivos, vagas ou conseguir mais dicas sobre um determinado assunto. Nessas abordagens, não é raro receber pedidos de telefone ou 'elogios'. Uma vez, cansada dessa situação, fiz um relato sobre o assunto e publiquei na minha rede. Na ocasião, recebi diversas mensagens de ataque, dizendo que era um exagero, que eu estava 'querendo ibope' e até uma insinuação de que eu havia 'feito algo' para receber esse tipo de mensagem.

Além de falar do assunto publicamente, também tenho o hábito de bloquear as contas e denunciar ao LinkedIn. Uma vez, cheguei a mandar mensagem para a empresa na qual a pessoa atua, com um print do que havia sido dito. Em nenhum dos casos, obtive resposta. Hoje, não me sinto, tão segura na rede social, por isso deixei de ser uma pessoa tão ativa naquele ambiente quanto era antes". Sabrina Duarte Paixão, 30 anos, business partner, de Belo Horizonte (MG)

Como devo agir caso sofra assédio no LinkedIn?

Em nota à Universa, a rede social afirma que não tolera nenhum tipo de assédio e encoraja os usuários a sempre reportarem conteúdos inapropriados ou ofensivos. Esses reportes podem ser feitos em postagens, comentários, mensagens ou entrando em contato com a rede social diretamente, por meio deste deste formulário.

A empresa afirma ainda que as equipes de segurança utilizam técnicas automatizadas e análises humanas para identificar conteúdos que violem a política da rede social.

"Sempre que um conteúdo é denunciado, enviamos à pessoa uma notificação no aplicativo e/ou uma notificação por e-mail, informando que recebemos a denúncia e fornecendo acesso a uma página na qual eles podem ver uma prévia do conteúdo denunciado, a fim de lembrar o contexto do registro e obter acesso ao status mais recente de nossa revisão".

Caso a empresa entenda que houve quebra das normas, pode remover a postagem ou colocar uma restrição na conta do(a) autor(a).