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"Sou brasileira e me tornei uma dançarina de sucesso no Egito"

Soraia Zaied, 45 anos, bailarina profissional de dança do ventre, natural de São Paulo, vive no Cairo no Egito há 20 anos - Acervo pessoal
Soraia Zaied, 45 anos, bailarina profissional de dança do ventre, natural de São Paulo, vive no Cairo no Egito há 20 anos Imagem: Acervo pessoal

Soraia Zaied em depoimento a André Aram

Colaboração para Universa

19/07/2021 04h00

"Nasci no Brasil, em São Paulo, mas cultura egípcia sempre me atraiu. Quando era criança, os melhores amigos do meu pai eram egípcios. Neste ambiente, tive os primeiros contatos com a dança do ventre. Já era bailarina clássica e meu fascínio só aumentava. Então, aos 17 anos, já estava trabalhando com essa modalidade específica, herança dos países árabes.

Há vinte anos, em 2001, decidi sair do país para tentar uma carreira internacional. Vim para o Egito e, durante uma apresentação em que estava dançando, parte de festival internacional no Cairo, fui vista por um empresário. Ele me ofereceu um contrato de três meses, que foi sendo renovado sempre que acabava. Desde então, firmei raízes aqui.

Quando comecei, não existiam concursos de dança. Fui uma precursora no nicho de dança do ventre no Brasil. Hoje, grande parte das bailarinas que existem no mercado de trabalho passaram pelas minhas aulas ou pelas mãos das minhas contemporâneas. Tive como minha mestre a Raqia Hassan, um ícone da dança do ventre, sou coreógrafa e já dei aulas, bem como fui jurada de competições.

'Fiquei surpresa com a bondade das pessoas'

A minha adaptação em terras egípcias foi muito tranquila por já ter um contato anterior com a cultura árabe. Me surpreendi com a bondade das pessoas, de como elas se ajudam. É claro que, dependendo da região, você tem que se adaptar aos costumes locais, mas sinto que os egípcios respeitam os estrangeiros.

Existe preconceito em relação às bailarinas de dança do ventre, assim como existe no mundo inteiro, não é só aqui. Porém, no contexto árabe, é mais acentuado. Diria que se parece com o modo com que os brasileiros lidam com as as dançarinas de funk — claro que cada um dentro do seu universo cultural. No Egito, também é assim, uma vez que são mulheres que expõem mais o corpo do que as outras. Como também já sofri preconceito no Brasil, não vejo muita diferença.

Por aqui, conheci e me casei com o meu atual marido, que é local. Como a minha sogra é atriz, ele entende o universo artístico, o que tornou toda a relação mais tranquila. Tive sorte, porque sei de bailarinas que se casam com homens que não são do meio, então acabam sofrendo com falta de compreensão.

A desinformação faz com que acreditem que as mulheres por aqui são submissas, o que não é verdade. Se eu pudesse defini-las com uma palavra apenas, seria 'força'. Com elas, aprendi a ser mais forte e mais decidida.

'Tenho rendimentos, mas sigo dançando, porque gosto'

Hoje em dia, não preciso mais trabalhar, pois vivo da minha renda, mas continuo, porque eu gosto. A minha única pausa dos palcos foi agora, na pandemia, uma vez que o turismo aqui está parado.

Precisei me reinventar. Passei a dar aulas online, mas ainda tenho contratos em vigor com dois hotéis, onde as pessoas assistem a shows de dança durante os jantares. Além das apresentações, viajo o mundo inteiro ministrando workshops para ensinar a minha técnica — rotina que ainda vou retomar quando todos estiverem vacinados."

*Soraia Zaied é dançarina, coreógrafa e professora de dança do ventre. Vive no Egito desde 2001.