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Kéren Paiva: por que influencer quer acabar com a ditadura da pele perfeita

Kéren Paiva - Reprodução/Instagram
Kéren Paiva Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

04/02/2021 04h00

Uma pele lisa, sem manchas, sem espinhas, sem acne, sem textura — esse é o ideal de beleza que a jovem influenciadora e empresária Kéren Paiva quer destruir. Ela lida com um quadro insistente de acne desde o começo da adolescência e sabe como esse estereótipo de pele perfeita alcançou um status de idealização tão forte quanto o da ditadura do corpo perfeito. "As pessoas idealizam a pele sem mancha, sem poro, sem nada, da mesma forma que idealizam um corpo sarado, um corpo magro. Isso é uma utopia", afirma.

Hoje, aos 24 anos, a mineira de Contagem é um dos principais nomes ligados ao movimento pele livre no Brasil que prega liberdade para ter uma pele imperfeita, e mostra que toda pele tem textura e pode ter mancha, espinha, acne... Em entrevista para Universa, Kéren lembra sua jornada até fazer as pazes com sua imagem, os tratamentos agressivos que fez e episódios de preconceito que viveu no caminho.

Universa: Você convive com a acne desde os 11 anos. Como foi crescer com isso até aceitar sua pele como é?

Kéren Paiva: Quando começou, era pouco e eu convivia com outras meninas que também tinham, então não me preocupava. Mas quando fui ficando mais velha, com 14, 15 anos, foi um período bem difícil. Ensino Médio, né? A gente passa uma pressão muito grande, tem toda a carga da adolescência, e ainda tem que lidar com as pessoas olhando torto por conta da pele.

Existe uma construção de que é errado ter acne, espinhas, manchas, cicatrizes, e que o correto é ter pele lisa, perfeita, o que é inalcançável. Eu ouvia das pessoas que ter pele com acne está ligado à sujeira. Eu sempre cuidei da minha pele, sempre limpei da melhor forma, mas continuava me sentindo suja. Só na vida adulta, há dois, três anos, que eu comecei a desconstruir tudo isso em mim.

Keren Paiva - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Há menos de um ano, Kéren foi à praia pela primeira vez sem usar maquiagem
Imagem: Reprodução/Instagram

Você escreveu mais de uma vez que se sentia aprisionada. De que formas ter a acne impactou sua vida?

A gente acaba parando de viver por ter pele acneica. São coisas tão naturais para muita gente, mas muito complicado para quem tem uma pele como a minha. Isso aprisiona.

Deixei de sair algumas vezes porque a base tinha acabado e eu não conseguia sair de casa sem maquiagem, sem tapar toda a acne do rosto. E eu ficava sonhando com coisas como "quando eu não tiver mais acne, eu vou à praia sem maquiagem".

De que formas tentou lidar com a acne até que realmente fizesse as pazes com ela? Você fez ou ainda faz tratamentos para a pele?

Tentei várias formas de me livrar disso, porque a gente aprende que tem que se livrar. Desde receitas caseiras malucas, como colocar pó de café e até limão na cara, até tratamentos mais fortes, com antibiótico e isotretinoína [roacutan]. Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje, não teria me submetido a muitas dessas coisas. Todos esses tratamentos acabaram me gerando frustração. Eu ouvia das pessoas "usa isso", "toma esse remédio" ou "muda sua alimentação" como soluções para acabar com a minha acne, mas nada adiantava, justamente porque acne é multifatorial. O que funciona para Fulano ou Ciclano, não funciona para mim.

Ainda faço tratamento, mas tenho a cabeça muito mais leve, porque não existe mais aquela carga de ter que me livrar da acne a todo custo. Sei que é uma condição minha, que minha acne é muito resistente e não vai sair da minha pele do dia para a noite, mas sei também que isso não é culpa minha.

Qual foi a virada de chave para aceitar sua pele?

Quando eu conheci a Layla Brígido, que é uma influenciadora que fala de body positive, hoje minha amiga. Na época, eu via ela questionar padrões de corpo, falar de autoestima, Isso virou a chave para que eu questionasse também padrões de pele. Pensei: "Por que eu sou vista como suja se eu limpo minha pele todos os dias?" e "por que eu me sinto culpada se eu trato minha acne de todas as formas possíveis há anos?". E é louco porque, quando a gente pergunta, questiona, ninguém tem uma resposta, ninguém sabe explicar porque é assim. O motivo não é bonito, é uma coisa que a indústria da beleza impõe mesmo.

Kéren Paiva - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Kéren conta que foi o movimento corpo livre, que luta contra pressões estéticas, que a fez questionar padrões
Imagem: Reprodução/Instagram

Quais comentários você escuta por conta da sua pele e acredita que as pessoas precisam parar de reproduzir?

Existem dois tipos de comentários que são muito comuns e precisam parar. Primeiro, os que associam acne à sujeira e falta de cuidado. Muita gente ainda associa acne a "sangue sujo". Isso faz com que a pessoa com acne se sinta culpada, e já foi desmentido pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. Segundo, palpites que a pessoa não pediu. Usa esse remédio, muda a alimentação, passa esse creme. As pessoas dizem que estão tentando ajudar, mas o "conselho" vem carregado de preconceito, porque a pessoa que fala isso acha que a pessoa que tem acne tem que mudar. Isso não ajuda e pode fazer a gente se sentir pior.

Nessa trajetória, você encontrou profissionais da saúde preparados para lidar com a acne de forma acolhedora? Como os dermatologistas encaram quadros de acne como o seu?

Não. Sendo sincera, até hoje não conheci nenhum dermatologista em que me senti 100% acolhida. Nenhum. E não acredito que é falta de formação, mas uma dificuldade de lidar com pessoas, de entender que que antes da acne, da cicatriz, das manchas, tem uma pessoa que pode estar insegura com aquilo, se sentindo mal.

Eu já fui muito julgada em consultórios. Um dia eu passei mal e fui para a emergência. Quando cheguei ao consultório, a médica olhou para o meu rosto e falou: "Você já pensou em tratar sua acne?". Falei que tinha acabado de passar por mais um tratamento, mas que infelizmente não tinha dado certo, e ela disse que eu tinha que tratar de novo. Eu nem sabia como reagir, isso é muito invasivo. Primeiro, porque eu não "tenho que" nada. Segundo, porque eu estava ali passando mal, para tratar de outro assunto, que era gastrite. Ela era uma clínica geral, não uma dermatologista. Se eu quisesse tratar a acne, teria ido a um dermato.

Depois de anos tendo uma relação de dependência com a maquiagem, Kéren hoje encara como diversão - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Depois de anos tendo uma relação de dependência com a maquiagem, Kéren hoje encara como diversão
Imagem: Reprodução/Instagram

Você produz muito conteúdo sobre maquiagem, desde corretivo até sombras e batons bem coloridos. Como é sua relação com a maquiagem? Ela é aliada ou inimiga de mulheres que têm acne?

Minha relação hoje é muito legal, a maquiagem é uma diversão, uma forma de me expressar. Eu uso quando eu quero, e quando não quero não uso, mas nem sempre foi assim. Até pouco tempo atrás, a maquiagem infelizmente era uma prisão. Na minha cabeça, não tinha chance de sair de casa sem base, sem tapar tudo aquilo — o que é uma baita utopia, porque a base só tampa as manchas, e às vezes nem isso; o relevo continua aparente. Mas eu ressignifiquei a maquiagem. Desconstruí muitos mitos também: por exemplo, que uma pessoa com acne não pode usar iluminador em determinadas partes do rosto para não ressaltar a acne. Mas e daí se ressaltar? Também não pode usar maquiagem colorida. Eu posso usar sim. Justamente por isso, a maquiagem pode ser tanto uma aliada, como uma inimiga.

De que formas o movimento pele livre, que você defende, se relaciona com o movimento corpo livre? E por que ainda não tem o mesmo alcance?

O pele livre prega liberdade para ter uma pele imperfeita, e mostra que toda pele tem textura e pode ter mancha, espinha, acne, que nada disso é errado ou anormal. Não precisamos ter uma pele plastificada, como a indústria vende. Tanto o pele livre quanto o corpo livre gritam sobre liberdade, essa é a maior semelhança. E acho que só é possível falar de pele livre porque o corpo livre veio primeiro.

Ainda existe uma resistência muito grande em relação à pele, primeiro porque, principalmente quando a gente fala de pele do rosto, envolve com um contato olho no olho. E muitas vezes eu não conseguia olhar nos olhos das pessoas por conta da acne, era uma insegurança muito grande. Segundo, porque ainda existe uma resistência muito grande. Vejo muitas pessoas desconstruídas em relação a corpo e cabelo, mas que ainda têm muita dificuldade de falar sobre acne.

Kéren Paiva - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
"Eu não conseguia olhar nos olhos das pessoas por conta da acne, era uma insegurança muito grande", lembra
Imagem: Reprodução/Instagram

Julia Petit disse, em entrevista à Universa, que "ter pele boa é o novo ser magra". Você concorda com essa afirmação? E por quê?

Concordo. As pessoas idealizam um corpo sarado, um corpo magro, da mesma forma que idealizam a pele perfeita sem mancha, sem poro, sem nada. Mas as duas coisas são inalcançáveis. O corpo é fluido, a pele muda. Pode até ter pele sem mancha, sem espinha, mas não tem pele sem textura, todo mundo tem poros.

E de que forma a popularização do termo skincare impacta nesse momento? Ajuda ou atrapalha?

Acho que pode tanto ajudar, como atrapalhar. Hoje a gente vive uma onda de skincare que pode ser um pouco problemática, uma fissura em busca da pele perfeita. As pessoas não fazem skincare com o real sentido do termo, que é de cuidar da pele, mas de buscar uma pele impossível. Quando a gente fala de saúde da pele, muitos dermatologistas afirmam que o cuidado essencial é a limpeza, a hidratação e a proteção. Se você limpa, hidrata e protege, está cuidando muito bem. Rejuvenescer, acabar com manchas, isso é estética, não saúde. Eu amo fazer skincare, acho uma delícia, mas a gente tem que se questionar: até que ponto é saúde e até que ponto é mera estética?

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Kéren ama skincare, mas questiona o termo: cuidado com a pele ou mera estética?
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"A gente vive uma onda de skincare que pode serproblemática, uma fissura pela pele perfeita"
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