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Recém-operada e careca, ela casou em meio a um tratamento de câncer de mama

O casamento de Michele Araújo Pereira e Daniel Gerth - André Usagi
O casamento de Michele Araújo Pereira e Daniel Gerth Imagem: André Usagi

Bárbara Therrie

Colaboração para Universa

01/10/2020 04h00

Quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama, aos 31 anos de idade, a bióloga e pesquisadora Michele Araújo Pereira, 32, de Belo Horizonte, jamais imaginou que se casaria em meio a uma pandemia e durante o tratamento da doença.

Ao contar a história de amor dela e do namorado, o fisioterapeuta e humorista Daniel Gerth, 37, em um concurso, os dois foram premiados com um casamento, realizado no último dia 11 de setembro.

Neste Outubro Rosa, mês de conscientização para o controle do câncer de mama, recém-operada e careca, Michele conta que se casou para celebrar o amor, a força e a cura:

"Eu e o Daniel nos conhecemos em julho de 2017 durante um stand-up dele. Começamos a namorar e ele queria fazer um test-drive, morar junto primeiro para ver se dava certo. Já eu queria me casar. Tínhamos planos de morar juntos no final de 2020 e de casar em 2021.

Na metade de 2019, eu senti um carocinho debaixo do mamilo da mama esquerda, mas deixei pra lá. Com o tempo, o caroço foi crescendo e começou a doer para abraçar, para dormir de bruços ou fazer algum movimento mais brusco. Um dia, o Daniel passou a mão e me incentivou a investigar o que era. Eu fui à ginecologista, mas ela disse que parecia um nódulo benigno e que eu não precisaria me preocupar. No ultrassom, o nódulo já estava com três centímetros.

Uma colega no trabalho também estava com um nódulo na mama, aguardando o resultado da biópsia. Como eu não estava satisfeita com o atendimento da ginecologista, resolvi passar com o mastologista dela. Ele me pediu a biópsia e, em janeiro, recebi o diagnóstico de câncer de mama.

Na mesma semana, passei com uma nova equipe. Na primeira consulta, o oncologista sugeriu que eu congelasse óvulos, dada a possibilidade de a quimioterapia causar infertilidade. Fiquei triste porque sempre sonhei em engravidar de forma natural, mas acabei fazendo o procedimento. Congelei seis óvulos e terei duas tentativas de fertilização in vitro.

Antes de começar as sessões de quimioterapia, em fevereiro, o Daniel me pediu em noivado e sugeriu de assinarmos a união estável para ele conseguir uma licença no trabalho e me acompanhar no tratamento -ele é fisioterapeuta na prefeitura de Rio Acima, em Minas Gerais. O diagnóstico cessou todas as dúvidas do Daniel em relação a nós. Além disso, o humor dele foi essencial para manter o meu astral alto.

A mastectomia e um presente

O tratamento mexeu com a minha vaidade e feminilidade. Como eu sabia que os pelos iam cair, eu fiz micropigmentação na sobrancelha porque não queria ficar com cara de doente. E fiz duas sessões de crioterapia na tentativa de retardar a queda.

Mesmo assim, com 20 dias da químio, meu cabelo caiu muito: no chão, no travesseiro, no banho. Era angustiante e desesperador. Chorei uns quatro dias seguidos até que um dia acordei e pedi para o Daniel e duas amigas rasparem. Eu assumi a careca, não usava peruca e só usei lenço no inverno por causa do frio.

Entre o término das 16 sessões de quimioterapia e a data da cirurgia, surgiu a oportunidade de eu e o Daniel nos casarmos. Minha concunhada viu um post de um concurso que iria presentear um casal com um casamento intimista. Participamos de todas as etapas, ficamos entre os três finalistas e enviamos um vídeo contando a nossa história.

No dia 29 de julho, eu fiz a mastectomia com a conservação da pele e do mamilo. Fiz a reconstrução imediata, coloquei silicone na mama direita e fiz a simetrização.

Um dia depois, recebi a notícia de que tínhamos ganhado o concurso. Foi um presente. Apesar de estar debilitada, os preparativos do casamento fizeram eu me sentir viva de novo.

Ganhando força para dançar a valsa

casamento  - André Usagi - André Usagi
O casamento de Michele Araújo Pereira e de Daniel Gerth
Imagem: André Usagi

O casamento estava programado para o dia 22 de agosto, mas adiamos para 11 de setembro para eu ter mais tempo para me recuperar. Em agosto, eu ainda estava muito mal, com dores, não conseguia levantar o braço e, certamente, não ia conseguir dançar a valsa. Durante uma das provas do vestido, minha pressão caiu três vezes.

Eu e a cerimonialista combinamos um sinal de que, se eu começasse a passar mal, ela, sutilmente e com classe, iria colocar uma cadeira reserva para eu me sentar durante a cerimônia. Eu tinha medo de me sentir fraca ou de acontecer alguma coisa em relação à minha saúde que preocupasse a minha família.

Eu estava com a autoestima baixa quando comecei a ver as coisas do casamento. Como emagreci 5 kg e tinha feito a cirurgia recentemente, eu queria um vestido colado e sem decote. Meu peito estava torto e irregular, eu tinha receio de ficar estranho, de não valorizar o busto e de a cicatriz aparecer.

Mas, após provar oito vestidos, acabei escolhendo justamente um decotado. Ele trouxe leveza e fez eu me sentir a mulher mais linda do mundo, o que foi bem importante, porque algumas semanas antes, eu tinha me olhado no espelho e não tinha me reconhecido. O vestido fez eu me aceitar da forma que eu sou hoje.

Careca em destaque

Outra questão foi em relação ao cabelo, toda noiva fica imaginando qual o penteado vai fazer. No meu caso, eu queria usar o véu, mas não queria esconder a careca de jeito nenhum, porque deixaria de ser eu. Usei um head band de strass com uma adaptação, coloquei um silicone nas duas pontas e prendi o véu nesse silicone, deixando a minha careca em destaque.

Eu casei em meio a um tratamento de câncer para celebrar o amor, a força, a fé e a cura. O casamento foi um momento de respirar, de agradecer a Deus, a cada um que orou por nós. Os médicos não falam em cura. Eles esperam passar alguns anos pra usar essa palavra, mas, para mim, eu já estou curada. No final da quimioterapia, tocamos o sino da vitória e da superação —e no dia do casamento também.

Não passei mal, foi tudo lindo e com uma energia perfeita, melhor do que eu poderia imaginar nos meus sonhos. Tivemos a presença de seis convidados na cerimônia, nossos pais e um irmão de cada lado —e transmitimos o casamento pelo YouTube.

Fizemos uma miniviagem para Tiradentes (MG), mas, quando a pandemia acabar, pretendemos casar no civil, fazer um cerimônia religiosa e ter uma lua de mel mais completa.

Casal contra o câncer

Sigo com o tratamento, farei a quimioterapia oral por seis meses. Eu sou pesquisadora em um laboratório de medicina diagnóstica, desenvolvo testes genéticos, inclusive testes para câncer. Tudo o que eu sabia era do ponto de vista teórico, agora sei do ponto de vista da paciente.

Com o objetivo de compartilhar essa visão e experiência, eu o Daniel criamos uma conta no Instagram (@casalcontraocancer) para publicar informações, ser apoio e inspiração para outras pessoas. Nossa mensagem é a de que todo dia é de luta, mas também de vitória".