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"Dependo dos vizinhos pra comer", diz brasileira que contraiu covid em NY

Ana Silva, 35, contraiu a Covid-19 em Nova Iorque, epicentro da pandemia nos EUA - Arquivo pessoal
Ana Silva, 35, contraiu a Covid-19 em Nova Iorque, epicentro da pandemia nos EUA Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa

04/04/2020 04h00

Morando em Nova York há dez meses, a paulista de Araçatuba Ana Silva descobriu que estava com a covid-19 no fim de fevereiro, na mesma semana em que o presidente americano Donald Trump confirmou o primeiro caso de morte no país. Até ali, ela diz, ninguém fazia ideia de que o país seria o recordista em infecções do mundo, com mais de 220 mil pessoas afetadas. A região em que a brasileira vive é a que enfrenta situação mais complicada, com mais de 50 mil casos e quase 1,4 mil óbitos.

Recuperada, porém isolada em casa, sem poder voltar ao restaurante onde trabalha como garçonete, Ana acredita que o país demorou a agir para conter a pandemia, e que, tal qual o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, Trump tratou os primeiros casos como uma "gripezinha".

Mãe de dois adolescentes autistas e de uma criança, ela torce por uma rápida solução, já que vive hoje da solidariedade dos vizinhos para comer. Leia o relato dela.

"Comecei a ter febre extremamente alta, além de uma diarreia forte, falta de ar e tosse seca. Mas nem desconfiei que estava com a doença. Achei que tinha pegado uma virose e continuei saindo na rua normalmente, indo à farmácia comprar remédio, ao mercado. Também trabalhei.

Já tive dengue, e esses sintomas que tive do coronavírus não chegam nem perto. Quando tive a doença provocada pelo arbovírus, fiquei de cama por 15 dias, sem aguentar abrir o olho.

Mas, cinco dias após os sintomas aparecerem, resolvi ir ao médico, porque eles não passavam. Foi quando fiz o teste rápido e deu positivo para o coronavírus. Com muita calma, a enfermeira falou: 'Você está com esse novo vírus vindo aí'. Não me pareceu, naquela época, que as pessoas estavam atentas à doença. Voltei para casa com paracetamol e pediram para eu ficar isolada.

Trabalho como garçonete em um restaurante e, pensando agora, devo ter contaminado muita gente, sem querer.

Mas, assim que recebi o diagnóstico, me isolei. Divido uma casa com um casal de pastores. Eles desceram para outra parte do imóvel e fiquei no andar de cima, sozinha.

No dia seguinte ao diagnóstico, veio uma equipe da vigilância sanitária. Eles avisaram que tinham sido notificados sobre meu caso, e vieram me dar orientações. Mas não se alarmaram, até porque tenho 35 anos e não faço parte do grupo de risco.

Rede de solidariedade

Logo depois, os casos começaram a aparecer com mais intensidade. Nunca imaginei que se transformaria nisso tudo. E aí veio também uma rede de solidariedade. Os vizinhos me deixavam comida na porta. O casal com quem moro suspendeu o aluguel deste mês.

Tenho dois filhos autistas, de 17 e 11 anos, e uma menina de 9, que estão com o pai no Brasil, em Araçatuba, no interior de São Paulo. Em fevereiro último, consegui mandar algum dinheiro, mas agora não sei mais como vai ser.

Não trabalho com carteira assinada e recebia do restaurante 900 dólares por semana. Acho que as empresas deveriam ser liberadas para trabalhar, mas munidas de equipamento para conferir a temperatura dos empregados, e também com materiais como luva e máscara. E as pessoas que fazem parte do grupo de risco devem ficar em casa.

Trump tratou como 'gripezinha'

Creio que os Estados Unidos estão assim porque faltou consciência no início. Parecia que não estavam levando a sério. No começo, o Trump tratou como o Bolsonaro, uma 'gripezinha'.

E tem outro agravante aqui: os hospitais são particulares. E caros. Eu mesma demorei para procurar o médico porque aqui é tudo muito caro. Você paga por tudo, a partir do momento que entra no hospital. Até pela agulha. Não tem tipo um SUS (Sistema Único de Saúde), como no Brasil. Um plano de saúde básico, que cobre consulta e exame simples, custa 300 dólares mensais. Por isso americano só vai a médico em último caso.

Eu paguei 30 dólares para ser atendida, mas muita gente não tem nem isso. Se eu ficar doente mesmo, em estado grave, terei que voltar ao Brasil. Acho que isso colabora para estar todo esse surto aqui. E muita gente nem sabe que está infectada. Ainda vejo gente na rua tossindo, idoso.

O desespero é total, e a quarentena vai até 29 de abril. Esse mês ainda tive dinheiro pra mandar para a minha família. Agora não tenho mais nada."