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"Sou uma prova viva de que meu pai é um estuprador"

Reprodução/BBC
Imagem: Reprodução/BBC

Emma Ailes

Do programa Victoria Derbyshire, da BBC

05/08/2019 15h27

Ela diz que seu nascimento é prova do crime e quer um teste de DNA para condenar seu pai biológico por estupro.

A polícia britânica afirma que a lei não reconhece Vicky como vítima, então a ação criminal contra o pai dela seria um "processo sem vítima" - um dos primeiros do tipo no Reino Unido.

Vicky nasceu em Birmingham e foi adotada aos sete meses, na década de 1970.

Aos 18 anos, ela começou a procurar por sua mãe biológica e descobriu, por meio de assistentes sociais e registros oficiais, que sua concepção foi resultado de um estupro.

"Minha mãe biológica tinha 13 anos - ainda estava na escola - e meu pai biológico era um amigo da família que estava na casa dos 30", explica Vicky ao programa da BBC Victoria Derbyshire.

Segundo Vicky, os registros mostram que ela tinha ido trabalhar como babá na casa dele, e ele a estuprou.

"[Os registros] têm o nome dele e seu endereço, que a polícia, o serviço social e os profissionais de saúde conheciam, mas nada foi feito sobre o caso."

"Fiquei com raiva e devastada por minha mãe biológica. Por mim."

"Prova viva"

Vicky conseguiu se encontrar com sua mãe biológica, em um momento que considerou "muito surreal".

Então, anos depois, com casos de abuso sexual recebendo mais atenção no mundo, ela decidiu agir. Ela sempre havia achado errado que seu pai biológico não tivesse sido processado criminalmente.

"Foi quando eu pensei, 'eu tenho prova de DNA, porque eu sou uma prova de DNA. Eu sou uma cena de crime ambulante. E está tudo escrito nos registros - com certeza as pessoas vão me levar a sério'."

"Eu queria que ele respondesse pelo que fez. Eu queria Justiça para minha mãe, para mim. As consequências do que ele escolheu fazer moldaram minha vida toda."

Sua mãe biológica, não querendo ter que reviver o crime em um processo e já tendo se decepcionado com a polícia uma vez, decidiu que não queria denunciar o estupro pessoalmente de novo - mas apoiou o desejo da filha de fazê-lo.

A ideia é invocar o chamado "processo sem vítima" por sexo com uma menor (a idade mínima para consentimento no Reino Unido é 16 anos), conhecido como estupro estatutário. A definição do crime contempla qualquer ato sexual entre um maior de idade e uma pessoa abaixo da idade mínima de consentimento, mesmo que o sexo não tenha sido forçado.

Vicky diz que, mesmo sem a mãe relatar o estupro, é possível processar o pai por estupro estatutário, já que ela pode usar seu DNA como prova e sua data de nascimento para comprovar as idades dos envolvidos.

"Processos sem vítima" podem ser usados em casos de violência doméstica e estupro, quando a vítima retira a queixa ou se nega a dar um testemunho, mas o processo é considerado de interesse público.

Uma vítima é definida pelo governo com uma pessoa que sofreu danos emocionais, físicos ou mentais como resultado de um crime.

Batalha por Justiça

No entanto a polícia, advogados, serviço social e membros do Parlamento disseram a Vicky que ela "não é a vítima", portanto não há um caso.

"Por causa do crime, eu estou viva. Minha vida inteira foi ditada por ele, mas ninguém me vê como uma vítima. Eu sou uma prova viva de um estupro contra uma crianças e ninguém está interessado. Como isso pode estar certo?", questiona.

A parlamentar Jess Phillips, do Partido Trabalhista, diz que crianças concebidas por estupro devem, sim, ser consideradas vítimas.

"O tipo de efeito emocional que isso tem em uma pessoa, seus relacionamentos, suas vidas, como elas se sentem consigo mesmas. Tudo isso é afetado."

"Ninguém jamais diria que uma criança que nunca sofreu violência direta em um caso de violência doméstica não seja uma vítima do crime acontecendo ao seu redor. Para mim, é exatamente a mesma coisa."

Vicky localizou seu pai biológico e usou uma câmera escondida para gravar sua conversa. Ela diz que ele nem negou nem confirmou ter estuprado sua mãe.

"Esse pode ser um dos poucos casos da história onde de fato há provas de DNA irrefutáveis", diz ela.

"Eu quero que a polícia peça um teste de DNA. Quero que a polícia e o serviço social peçam desculpas por suas falhas, e aprendam. E eu quero que a definição de vítima seja revisada."

Phillips diz que o caso definitivamente é de interesse público, porque o suspeito ainda está vivo.

"Não é algo que simplsmente passa. Essas pessoas são um risco à sociedade."

Pete Henrick, chefe da unidade de proteção ao cidadão da polícia do Estado onde Vicky mora diz que a força policial não subestimou os efeitos psicológicos que Vicky "sem dúvida sofreu".

Mas diz que a polícia não tem um registro de denúncia de estupro em 1975 nem de investigação, e que a suposta vítima não desejava cooperar quando Vicky os procurou em 2014.

"Tendo isso em vista, ela perguntou se ela mesmo poderia ser considerada um vítima e se o caso poderia ser aberto com base nisso. A lei não a reconhece como vítima nessas circunstâncias. Entramos em contato com a promotoria e eles nos disseram que não iriam apoiar um processo."

"A maneira como lidamos com o caso foi supervisionada tanto pelo Departamento de Conduta quanto pela Corregedoria da polícia, e ambos os órgãos concordaram que a ação da polícia foi apropriada."

*O nome da entrevistada foi alterado para proteger sua identidade.