Spoilers: saber o final de uma história estraga o prazer?
Nunca perdoarei o professor que, diante de uma sala abarrotada, revelou o maior segredo de "Grande Sertão: Veredas". O segredo preparado, cuidado, fermentado ao longo de todo o livro e cuja descoberta João Guimarães Rosa reserva para o leitor só nas páginas finais.
Talvez nem o próprio Rosa o perdoasse. Tenho um exemplar da oitava edição em que consta, uma página antes da contracapa, o que deveria ser um release, com o título e as palavras "Sensacional. Estranho. Poderoso" escritas à mão em letra bastão, e ao final do qual há o seguinte pedido: "N O T A — Aos leitores, e aos que escreverão sobre este livro, pede-se não revelar a sequência de seu enredo, a fim de não privarem os demais do prazer da descoberta do GRANDE SERTÃO : VEREDAS."
Mas será mesmo assim? É fato que o conhecimento de uma informação do enredo priva do prazer da descoberta, mas será que esse é o principal prazer ao se ler um livro? A que se deve, afinal, esse prazer, se o enredo é apenas um dos aspectos de um romance, sustentado por outros tais como a linguagem e a voz?
Estou lançando um novo romance e me vejo às voltas com essas questões. "As pequenas chances" também tem uma revelação no final, algo que talvez modifique o sentido de tudo, que desloca o livro inteiro para outro lugar. Mas é muito difícil falar sobre o livro sem mencionar esse fator específico; é quase como uma ligação entre o dentro e o fora da narrativa, entre o mundo da realidade e o da ficção.
Segundo a lógica de que o enredo é a maior fonte de fruição, não haveria prazer na releitura — e "Grande Sertão" é provavelmente o livro que eu li mais vezes. E mesmo para quem nunca o leu: não se poderia sequer saber quem representou Diadorim na adaptação cinematográfica de "Grande Sertão", pois haveria aí a exposição do segredo.
Assim como não se controla a vida, não é possível, afinal, controlar a reação a uma obra e o que será dito sobre ela.
Talvez eu perdoe meu professor. Talvez eu o tenha perdoado há 21 anos, na tarde em que abracei "Grande Sertão: Veredas" por não saber que outro gesto fazer ao terminá-lo, as lágrimas rolando, o peito subindo e descendo em soluços que assustaram meu pai quando, por acaso, me telefonou naquele momento. Está tudo bem, eu disse. É só que terminei um livro.
Mas um livro como aquele não se termina, segue dentro de nós, antes e depois, com e apesar do segredo.
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