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Luciana Bugni

Você prefere ser feliz ou ter razão? Eu prefiro não enterrar ninguém

2021: uma estrada compriiiiida e solitária para quem escolheu ter razão - Getty Images
2021: uma estrada compriiiiida e solitária para quem escolheu ter razão Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

30/12/2020 09h44

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Ano doido, todo mundo doido, gente doida governando, gente doida aceitando coisa doida acontecendo. E a gente aqui, meio de canto, meio esperando para virar jacaré, meio se comportando como jacaré, deitado na praia tomando sol e valorizando o conceito do "Eu Mereço". E merece mesmo. Todo mundo merece. Foi um ano puxado para todo mundo. A questão é: a gente tem esse direito?

Me lembra aquela frase motivacional de para-choque de caminhão: você prefere ser feliz ou ter razão?

A semana anda puxada para quem escolheu ter razão esse ano inteiro, não saiu de casa direito e foi premiado com recordes de morte no fim do ano. Quem tiver dúvida, pode ler essa matéria aqui sobre como estamos esticando a pandemia para 2022.

Por outro lado, quem escolhe ser feliz parece se dar bem. Basta se desconectar embaixo de um guarda-sol para não saber que terça (29) morreram mais de mil pessoas, as UTIs estão ficando cada vez mais lotadas e muita gente ganhou Covid de Natal pelo simples fato de dividir a mesa da ceia com o pessoal que acha que é uma gripezinha. E os governantes confundem proteger a população com fazer marketing. Ou pior: fazem marketing colocando em risco a população. Não está bonito, não.

Só ontem, duas amigas que passaram o ano isoladas contaram via Whatsapp que passarão o ano novo dentro do quarto, com sintomas pesados. "Dói meu corpo inteiro". "É a pior situação que já vivi". A reunião de família não caiu bem, claro. Acontece com todo mundo? Não, só com alguns. Mas as mais de mil mortes diárias amontoadas não deixam de ser grandes dramas individuais que perduram por décadas.

Estou dizendo o óbvio: morte é triste, rolê é legal. Aí a gente pesa e escolhe. Ser feliz ou ter razão?

E você, o que prefere?

Fiz algo nesses dias de recesso que vinha prometendo a mim mesma há quase 20 anos. Digitalizei os vídeos em VHS que minha mãe e meu pai gravaram no início da década de 90. Foi um desfile de outras vidas minhas, do azulejo azul da cozinha da casa de minha avó, dos churrascos, do banco de trás do carro enquanto tocava Tonga da Mironga nas viagens para o interior que fazíamos. Eu, que achava que havia esquecido a voz do meu pai, lembrei imediatamente. Das piadas, do cuidado, do silêncio.

Vê-lo ali, vivo, cortando uma melancia no dia de Ano Novo na cozinha azul, deixa uma dúvida: como teria sido minha vida se ele tivesse ficado?

A morte do meu pai não poderia ter sido evitada, apesar de dois anos de tentativas, transplantes e tratamentos. Mas talvez seja importante pensar no impacto da morte em tempos enlouquecedores como esse. Como eu seria se não tivesse perdido a pessoa mais importante para mim? E se eu pudesse evitar o fato que transformou minha vida inteira e a de tanta gente que me cerca?

E se para evitar a morte de meu pai eu devesse simplesmente deixar de fazer uma festa?

Quer dizer, nunca vai deixar de ter festa. É só a gente ligar o Zoom na mesma hora e partir para o não-abraço.

A vida online está te enlouquecendo? Pode ser, sim. Mas qualquer coisa é melhor do que enterrar quem você ama. Acredite em mim.

A gente pode falar mais disso no Instagram. Mas já aviso: só tem foto dentro de casa e #tbt nesse fim de ano, portanto o conteúdo está meio chato. Acontece.