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Juliana Borges

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Por que casar e fazer festa?': o que não dizer para uma noiva feminista

Anchiy/Getty Images
Imagem: Anchiy/Getty Images

Colunista de Universa

22/11/2021 04h00

Sim, sou feminista e decidi me casar. A coisa toda já começou de um jeito diferente, nos moldes do que muita gente está chamando de "ressignificação do rito do casamento": eu fiz o pedido. O aceite foi na hora, apesar de ele achar que, devido a minha impulsividade, a proposta envolvia ir a um cartório naquele mesmo dia. Mas não estamos nos Estados Unidos, onde é possível voar para Las Vegas e casar fantasiados de Jay-Z e Beyoncé. Levando em consideração questões financeiras e a pandemia, resolvemos nos planejar: casório no ano que vem. Então, lá fomos nós comunicar alguns familiares e amigos, decidir padrinhos e madrinhas e começar a pensar em como se daria esse enlace. Ele, mais reservado; eu, mais expansiva.

Nem bem iniciamos os declames e algumas coisas começaram a me incomodar. Outras, me deixaram emocionada, é verdade, como minha amiga, que chamarei aqui de Sharilaine, chorando de felicidade com a notícia e, praticamente, berrando quando a convidei para ser madrinha. Sobre esse dia, a gente conversa depois, porque há tantas coisas envolvidas no choro dela e no meu, que acho que vale a pena a gente trocar por aqui. Mas, voltando ao tema: incômodo. Não com o casamento, mas com pessoas. Como a coisa é recente, ainda não consegui levantar um extenso material sobre as inconveniências das pessoas, mas acho que podemos listá-las por aqui com o passar dos meses.

Só que tudo tem um começo, então, inspirada pela minha diva do manual de boas práticas chiques, Gloria Khalil, decidi escrever algumas coisinhas que considero importantes. Porque chique é ser uma pessoa com noção e bons modos.

Assim, inicio as: dicas do que você não precisa dizer para uma noiva feminista. Temporada um. Episódio um:

"Mas por que você vai casar?"

Porque eu quero. Não está bom para você? Claro, pessoa, sabemos que historicamente o casamento tem sido uma instituição que subjuga as mulheres. Segundo muitas pensadoras feministas e por toda uma historiografia, o casamento é uma instituição constituída em torno da ideia de transmissão e perpetuação de patrimônio.

Por muito tempo, e ainda em algumas sociedades, é também uma aliança de negócios, que responde a interesses familiares e acúmulo de riqueza, poder, status político, relevância, etc, etc, etc. Sei também que essa ideia de casamento baseada no amor romântico é uma coisa do ideal burguês forjado no século XVIII, criando um modelo familiar mais individualizado, posicionando a mulher como mãe e limitada ao ambiente doméstico, tendo no homem uma ideia de provedor e uma criança como a representação desse elo inquebrantável e da perpetuação daquele nome, daquelas relações sociais, etc e tal.

Eu poderia ficar horas escrevendo sobre a história do casamento, sobre idealizações e tudo o mais. Mas, como tudo, o casamento também passa por transformações ao longo da história. E eu sou da turma que acredita que a gente molda o nosso casamento, que há lutas políticas sendo realizadas que reorganizam e reposicionam o significado desse enlace.

Houve, e ainda há, quem pensava que o casamento era a junção de pessoas de sexos opostos. E isso já está demodê. O casamento pode ser a festona que eu quero fazer, mas também pode ser um olhar para o outro, decidir celebrar entre o casal e só institucionalizarem uma vida que já vivem e dividem juntos. O casamento pode ser muita coisa que a gente quiser. Então, não seja essa pessoa que questiona sua amiga feminista porque ela decidiu exercer uma bandeira importante do feminismo: o direito de fazer o que bem entender.

"Pra quê fazer festa?"

Sério, de verdade, não seja essa pessoa. Você pode estar na melhor das boas intenções, mas... lembra o ditado popular? Então. Se você já é casada e decidiu não fazer festa, seu direito. Se você não é casada e acha melhor que o gasto seja direcionado para outras coisas, seu direito também. Mas, não me questione.

Eu, noiva, quero fazer uma festa. E não porque cresci imaginando que andaria até o altar e dançaria a tal valsa e coisa e tal. O motivo de eu querer e fazer uma festa é porque eu sou pisciana e festeira!

Meus "vinte" podem ser lidos como a representação dessa alma festiva que tenho - minha mãe e avó que o digam! Hoje, na porta dos 40 - querido, venha logo que estou pronta! -, eu estou mais seletiva em relação a festas. Mas eu adoro festas.

Gosto de me reunir com amigos, de dançar carnavalescas, dance music, rap, samba, pisero e o que mais estiver disponível. Eu quero uma festa porque eu quero dançar, gargalhar, compartilhar essa diversão com as pessoas que eu amo e, inevitavelmente, ganhar uma dor de cabeça no dia seguinte.

Para iniciar essa conversa, eu fico nessas duas primeiras dicas, porque elas dão pano pra manga. Você pode pensar que isso não deveria ser dito para nenhuma noiva. E eu concordo. Mas decidi expor a questão sobre uma mulher feminista, porque, no meu caso, essas perguntas estão carregadas de estereótipos sobre o feminismo e sobre ideias limitadoras sobre o que uma feminista deve ou não fazer.

Aliás, se feminismo é, também, e não apenas, sobre eu poder escolher o que quero para a minha vida e meu corpo, eu não deveria passar por situações em que pessoas se acham no direito de questionar o tipo de relação e casamento que estou construindo. Certo? Certo.

Seja chique, seja inteligente e respeite a vida alheia.