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Juliana Borges

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Diário de uma noiva em surto: reflexões de uma feminista rumo ao altar

O destino foi implacável: estou noiva há quatro meses - iStock
O destino foi implacável: estou noiva há quatro meses Imagem: iStock

Colunista do UOL

15/11/2021 04h00

Por muito tempo, alimentei a convicção de que eu não casaria. NO, NO, NO!

Para que casar?, diria a Juliana de dez anos atrás.

Primeiro, porque a minha experiência mais próxima do casamento, com um namoro de anos, havia sido uma imensa frustração. Segundo, porque eu havia compreendido que o casamento não era um fim, muito menos um meio necessário para alcançar felicidade e realização. E, por último, porque minhas percepções e afiliações analíticas no feminismo negro haviam me colocado diante de reflexões profundas sobre hierarquia e imagens de controle construídas sobre e para o lugar de mulheres negras no mundo.

Mas o destino foi implacável: estou noiva há quatro meses. Já vou avisando: sou piscianamente mística. Adoro umas coisas de destino, mesmo entendendo que a gente pode transformar nossa realidade. Adoro uma astrologia e fico por horas pensando sobre as combinações entre signos. Aliás, essa foi uma das primeiras perguntas que fiz ao meu atual noivo: qual é o seu signo?

Gente, não é bem assim uma bobagem. Até porque essa ideia de jogar na vala tudo que é conhecimento astrológico tem bem uma cara de hierarquia de saberes, não tem não? Mas por uma brincadeira das moiras, divindades gregas que sequer os deuses ousavam transgredir a harmonia do cosmos por elas construída.

Então, a coisa é séria.

Sim, eu estou noiva, e a afirmativa disso várias vezes neste texto é mais para mim do que para você que me lê. E, o mais engraçado disso é que quem fez o pedido fui eu. Euzinha. Eu e eu mesma.

Desajeitada, um tantão insegura, tentando criar clima romântico, eu fui lá e pedi a mão de alguém em casamento. E cá estou eu, agora, escrevendo para vocês em uma coluna sobre ser noiva, feminista, preta, gorda, independente, escritora e? Noiva.

Sem muitas delongas, a decisão de fazer o pedido foi definida mais rapidamente do que o meu habitual que, em geral, é muito demorado e deixa todo mundo um tanto irritado. Em uma manhã do começo de julho, quando ele abriu os olhos e me disse "bom dia" sorrindo, eu cheguei à conclusão de que queria me casar com ele.

Por algum tempo, fiquei pensando se eu seguiria o script patriarcal de esperar que ele tomasse a iniciativa. Mas percebi que fazer isso nos colocaria em um jogo de encenação, já que eu teria que enchê-lo de indiretas e falas enigmáticas. Ele demoraria uma vida para entender e eu ficaria frustrada. Não!

Como boa mulher contemporânea e independente, organizei uma viagem para nós dois, levei-o para uma das cidades que eu mais amo e ao meu restaurante preferido de lá, cheio de memórias afetivas generosas. Entre um papo e outro, falei de casar.

Não foi como eu, exatamente, havia imaginado, confesso. Não me ajoelhei, porque minha idade e dores no corpo já não permitem essas estripulias. Mas entre uma batata e outra, falei sobre nos casarmos. Ele achou que era para casarmos naquele momento, lá na cidade, como dois jovens que já não somos, impetuosos.

Mas, não. Eu quero uma festa, mesmo que não seja imensa. E vamos de 2022. Só um detalhe ficou de fora dos meus planos: a organização de um casamento.

Se eu já não imaginava me casar um dia, que dirá me imaginar pensando lista de convidados; discutindo melhores datas a partir do calendário do coronavírus; pensando vestido; madrinhas; padrinhos; músicas; convites; lista de presentes; o preço do aluguel de um lugar só para dizer "sim!"; cardápios completos com entradas, pratos principais e sobremesas; bebidas que agradem todo mundo, mas principalmente a mim e ao noivo; lembrancinhas; quem vai entrar comigo; etc, etc, etc.

Que universo incrível e sufocante! Resultado: surto.

Há quatro meses ando completamente absorvida pelo universo das noivas. E, nisso, me percebi um tanto bobona, chorando com vídeos que outras noivas me enviam. Eu, feminista convicta, pessoa que já desacreditou no casamento, estou em grupos de noivas, indico coisas, recebo indicações, me fortaleço, discordo, mas aprendi a exercer a empatia e o respeito por essas mulheres.

E, como já aprendi em um desses manuais incríveis para noivas —gente, até checklist pronto com 3.675.384 itens existe, e eu agradeço às magas que o disponibilizaram—, nós temos que aproveitar cada um desses momentos, espantar o nervosismo, discutir e decidir detalhes com leveza e alegria.

Então, decidi transformar essa jornada até o altar do "sim" em escritos e dividir com vocês angústias, reflexões sobre casar, ser feminista, preta, gorda e escritora, não necessariamente nessa ordem ou sempre juntos. Eu escolhi não deixar o surto corroer minha mente. E não há jeito melhor de fazer isso para uma escritora do que escrevendo.

Vem surtar comigo?