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Carla Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em alta com Beyoncé e tiktokers: será que o corset é mesmo opressor?

Beyoncé escolheu corset com pedrarias da Burberry para a festa do Grammy 2021 - Reproduçao/bYonidnidsoj
Beyoncé escolheu corset com pedrarias da Burberry para a festa do Grammy 2021 Imagem: Reproduçao/bYonidnidsoj

Colunista de Universa

18/03/2021 15h19

Beyoncé saiu de casa para se tornar a mulher mais premiada da história do Grammy no domingo (14) e apareceu com dois looks: um pretinho básico para a cerimônia da premiação musical e, para o after, um vestido Burberry com um corset cravejado de cristais.

Queen B é grande fã de espartilhos assim como as novinhas do TikTok. Tenho passado muito tempo nesta rede social e fui impactada por uma tendência: a galera apertando seus corsets sozinha (ou com a ajuda de uma porta) na batida de uma música.

Podia ser um desafio só de habilidade, afinal a gente sempre vê mulheres apertando espartilho com a ajuda de outra pessoa, mas acabou se tornando a disputa pela menor cintura tal qual acontecia em séculos passados.

Em "Bridgerton", série da Netflix mais vista no mundo, a cena de abertura é uma jovem sendo espremida num espartilho para a sua apresentação à sociedade. Apertaram tanto a peça que a garota desmaiou bem em frente à rainha.

Segundo a historiadora Valerie Steele em seu livro "The Corset: A Cultural History" (Corset: História Cultural, em tradução livre), era comum mocinhas desmaiarem com espartilhos apertados, como em "Bridgerton", porque eles podem diminuir a capacidade pulmonar. A atriz Lily James, protagonista do filme "Cinderela", relatou que não só era difícil respirar com os espartilhos do figurino, como ela só conseguia se alimentar de líquidos durante as filmagens.

Em "Bridgerton", Daphne usa corset para afinar a cintura e dar volume aos seios - Liam Daniel/Netflix - Liam Daniel/Netflix
Em "Bridgerton", Daphne usa corset para afinar a cintura e dar volume aos seios
Imagem: Liam Daniel/Netflix

Mas, ao contrário do que as imagens vitorianas fizeram muita gente acreditar, os espartilhos não alteravam as posições dos órgãos internos e nem eram o maior "inimigo" das mulheres.

Você já deve ter ouvido falar da "queda do espartilho" como um grande momento de liberação feminina, quando as mulheres se libertaram do uso dessa peça como instrumento de opressão, que as obrigava a aparecerem com uma cintura afinada. Eu mesma acreditava nisso até que ao fazer a pesquisa para o meu livro "Use a Moda a Seu Favor" ed. Galera), porque a moda é cheia das fake news. Dito e feito.

O espartilho só caiu em desuso porque precisavam do metal usado em sua estrutura para produzir armas durante a 1ª Guerra Mundial. Nessa época, a tecnologia têxtil já tinha evoluído (alô, elásticos) para conseguir reproduzir a compressão dos espartilhos sem os metais. Assim surgiram as cintas modeladoras que um século depois continuam super em alta com marcas como a Skims, de Kim Kardashian.

Uso do corset foi substituído mentalmente por dieta e plástica

A verdade é que o espartilho não era um instrumento de opressão, como nos fizeram acreditar. Muito pelo contrário. Valerie Steele afirma que as experiências das mulheres com o espartilho variaram consideravelmente e não podem ser totalmente compreendidas dentro dessas caixinhas. Ele tinha conotações positivas de status social, autodisciplina, juventude e beleza, características que são muito valorizadas em mulheres até hoje.

Como a própria Valerie diz, "o espartilho agora é mental" — ele foi internalizado, e agora as mulheres substituem o seu efeito "emagrecedor" por dieta, exercícios e cirurgia plástica. Mais uma vez, não é o espartilho que era opressor, sempre foram as expectativas sociais sobre o valor das mulheres com a imposição a determinada estética ou costume.

Mulheres eram mal vistas se aparecessem em público sem espartilho, assim como hoje muitas mulheres ainda são mal vistas de aparecerem em público sem sutiã.

Mas, os espartilhos resistiram como subcultura. De roupa íntima, eles se tornaram protagonistas dos looks e aparecem como tendência vez e outra. Grandes estilistas também usam muito os corsets em sua estética, como os franceses Jean Paul Gaultier e Thierry Mugler — além de terem fãs fiéis como entusiastas de práticas fetichistas e burlescas como as que eu descobri no TikTok.

Segundo a Vogue Inglesa depois da estreia de Bridgerton a busca por corsets aumentou e no tiktok já se espalham vídeos de garotas fazendo seus próprios espartilhos ou comprando versões para participar das trends. De ícone da opressão patriarcal do séc. 19, o espartilho hoje é visto por muitas como um símbolo de sexualidade feminina livre.

Então, meus amores, não é uma peça de roupa que tem o poder de oprimir é o uso que se dá pra ela. Isso vale pra corsets e saltos altos. Lembrem-se disso ;)