Topo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Vida de Karol Conká é marcada por violência e isso diz muita coisa

Karol Conká no BBB21 - Reprodução/Globoplay
Karol Conká no BBB21 Imagem: Reprodução/Globoplay
Carla Lemos

Colaboração para Universa

03/02/2021 04h00

A gente queria alienação, mas o que ganhamos no BBB21 foi um live action das redes sociais. Quem acompanha o programa (ou não) está vendo comportamentos tão surpreendentes quanto tóxicos de participantes que chegaram na casa exaltados pela internet. São muitos os gatilhos de bullying, abuso psicológico, xenofobia, intimidação e cancelamento. O povo brasileiro não tem sossego nem quando quer se entreter.

O comportamento da inicialmente favorita Karol Conká começou a decepcionar seu público ainda nas primeiras 24h, quando ela fez um comentário transfóbico ao falar de um comportamento também transfóbico de Nego do Borel. No dias que se seguiram, ela insistiu em fazer comentários xenófobos contra a paraibana Juliette e, na grande confusão da maquiagem, se acomodou confortavelmente no pedestal de bastião moral da casa que a colocaram.

Com um trabalho pautado em questões de empoderamento feminino e diversidade, Karol construiu uma imagem de uma pessoa bem informada e consciente. As letras do seu álbum de estreia, o Batuk Freak, de 2013, geraram identificação com toda uma geração de garotas que reconheciam ali suas dores e seus desejos. Karol era a grande influenciadora de jovens que se viam representados na sua autenticidade e discurso. A nova onda de fortalecimento da negritude através da estética ficou conhecida como 'Geração Tombamento' em referência a sua música.

Mas, 'já que é pra tombar, tombei'. E Karol tombou do alto do carro alegórico da desconstrução, estraçalhando a admiração dos seus fãs, outros artistas e até amigos que repudiam suas atitudes nas redes sociais. Sua participação em um festival já foi cancelada e até mesmo um programa apresentado por ela não vai mais ser exibido na TV.

Não há justificativas para o comportamento cruel e tóxico da Karol. Mas, quando não estava falando mal de outros participantes, ela relatou diversas vezes o bullying e as situações de racismo que sofria na escola quando professora atirava apagador nela ou a chamavam de macaca.

Em entrevistas ainda antes de entrar na casa, Karol também já contou como aos 5, 6 anos tentou se banhar na água sanitária para tentar clarear a pele. Na casa do BBB ela também compartilhou a história de alcoolismo do seu pai e de um relacionamento abusivo que viveu.

A vida dessa mulher é marcada por violências. Talvez seja só isso que ela conheça. Pessoas que foram muito oprimidas em suas vidas tendem a repetir os ciclos de opressões porque é tudo que conhecem.

Como diz Paulo Freire "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor". O medo de ser cancelado é tão grande que as pessoas começam a agir como canceladores.

Esse é o comportamento que a participante Sarah, que eu chamo de Sarah Sensata, apontou no Fiuk Palestrinha no Jogo da Discórdia. O cara entrou na casa cheio de medo de ser cancelado por ser homem branco cis hetero padrão que ele acabou se tornando a pessoa que cancela os outros por não usar gênero neutro ou por não entender seu lugar de privilégio.

É como a cantora Anitta falou em seu pronunciamento nos stories "tô vendo a internet inteira condenar e repudiar um comportamento que é exatamente o comportamento do cancelamento que as pessoas fazem na internet"

Desconstrução é um processo que leva tempo, estudo e escuta. E a desconstrução existe para que um novo comportamento possa ser contemplado no horizonte. Não é algo automático, não é uma chave que a gente vira e de repente adentra uma área evoluída do nosso cérebro onde só teremos comportamentos corretos e atitudes puras.

Nós somos seres humanos e errar faz parte da nossa natureza. O que a gente faz com isso é a questão.

Karol começou no programa fazendo discurso contra a "cultura do cancelamento" dizendo: "Vão julgar, entendeu? Tem coisa que você vai falar e que não vai soar bem? E daí? Todo mundo que está lá fora e vai cancelar a gente ou não também erram e talvez aprendam com os nossos erros".

Será que vamos aprender com os erros da Karol na casa? Estamos abertos a permitir que as pessoas entendam seus erros e mudem seus comportamentos? Conseguimos entender que a mudança de comportamento não é um processo instantâneo? Será que a única forma de uma pessoa 'pagar' pelos seus erros é sendo punida com dor e sofrimento?

E justamente por isso que esse debate é tão importante quanto urgente - mesmo que a gente não queira. Eu assisto BBB pra me entreter. Mas no Brasil de 2021 só me entrega decepção...

*Carla Lemos é feminista, carioca, criadora do blog Modices e produtora de conteúdo há mais de 15 anos. Observadora atenta das mudanças de comportamento das mulheres na sociedade, Carla comanda o podcast PRIMAS e é autora do livro "Use a Moda A Seu Favor". Em 2021, lançará seu novo livro, "As Mentiras que te Contaram Sobre Ser Mulher"