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OPINIÃO

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Pobreza menstrual: novo decreto de Bolsonaro exclui 2 milhões de mulheres

Bolsonaro participa de cerimônia da cmemoração do Dia Internacional da Mulher, no Palácio do Planalto - Antonio Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Bolsonaro participa de cerimônia da cmemoração do Dia Internacional da Mulher, no Palácio do Planalto Imagem: Antonio Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Helena Branco

10/03/2022 04h00

Em pleno 8 de março, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou um decreto para a distribuição gratuita de absorventes para milhões de brasileiras em situação de pobreza menstrual. No entanto, o que foi apresentado como um "presente" pelo Dia Internacional da Mulher, é, na verdade, um cavalo de troia para o movimento que luta contra o problema, que atinge milhões de meninas, mulheres e outras pessoas que menstruam em todo o país.

Em outubro de 2021, Bolsonaro vetou um projeto de lei, de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE), aprovado pelo Congresso Nacional e pelo Senado, que trazia de maneira detalhada diferentes formas e frentes de atuação para a construção de uma política pública sólida em prol da dignidade menstrual.

O decreto do presidente atende 40% menos de pessoas do que a proposta que ele vetou e custa 60% a mais.

Serão atendidas 3,6 milhões de pessoas, 2 milhões a menos do que previa o PL. Além disso, o atual projeto custará cerca de R$ 50 milhões a mais, segundo o ministro da Saúde, totalizando R$ 130 milhões.

No passado, quando vetou nossa luta por dignidade menstrual, as explicações do presidente se limitaram a afirmações infundadas, usando da máquina pública para disseminação de fake news, afirmando que o PL não era de interesse público e que não indicava a fonte de custeio do programa.

Seu decreto é uma tentativa de cópia piorada de um projeto de autoria feminina. Mais uma vez, Bolsonaro tentou nos calar.

É sabido que as lideranças partidárias no Congresso fecharam um acordo pela derrubada dos vetos em novembro de 2021. Porém, a base do governo vem se articulando para que o veto ao projeto sobre pobreza menstrual não seja mais pautado.

A discussão já entrou em pauta quatro vezes e, em todas, foi retirada. É uma ação para adiar a garantia de direitos e nos vencer pelo cansaço, além de querer ganhar destaque em cima do Dia Internacional da Mulher em ano eleitoral.

A tentativa do presidente de se apropriar de uma conquista de direitos das mulheres e meninas, calando trajetórias de luta, usurpa e subestima os movimentos feministas. A luta pela dignidade menstrual, além de ter no âmbito federal um pacote de projetos de lei que foram idealizados por muitas mulheres, vem também de uma forte e insistente mobilização da sociedade civil.

Aposto que os contrários à dignidade menstrual não contavam que, a cada data adiada de apreciação do veto, o engajamento e a mobilização social aumentariam.

A intenção de fazer chacota com os nossos direitos e tentar abafar o assunto saiu pela culatra.

A posição do presidente serviu como o catalisador inesperado que o movimento brasileiro de justiça menstrual precisava para que, enfim, a menstruação se tornasse pública no Brasil, para desespero de alguns.

Para entendermos o quão drástica foi a mudança, basta compararmos a reação da mídia e do público geral ao projeto de lei de distribuição de absorventes em locais públicos de 2019, da deputada Tabata Amaral (PSB). Na época, o PL gerou repercussões negativas, foi atacado e questionou-se o quanto tal política custaria para o Estado. Dois anos depois, ao Bolsonaro vetar o que ficou conhecido como o "PL dos Absorventes", a mídia foi à loucura com a narrativa de uma ação desumana, tal qual é, de negar absorventes para pessoas em situações de vulnerabilidade.

Tive o privilégio enorme de ver de perto como esse jogo virou em tão pouco tempo e como esse processo se deu pelas mãos e mentes da juventude.

O que começou como a campanha de arrecadação #AbsorventeUrgente, em abril de 2020, tornou-se a Livre Para Menstruar, um movimento de aprovação de políticas públicas de garantia da dignidade menstrual liderado por meninas. Esse movimento, sem precedentes no Brasil, foi uma iniciativa que partiu da rede de jovens líderes da Girl Up Brasil, uma organização sem fins lucrativos que treina, inspira e conecta meninas para que elas se tornem líderes pela igualdade de gênero.

A espinha dorsal da Girl Up, uma organização internacional, é seu programa de clubes. São coletivos liderados por jovens que, no Brasil, já somam mais de 150 em 20 estados. Em junho de 2020, um deles, o Girl Up Elza Soares, conquistou a primeira aprovação legislativa de um projeto de autoria do movimento, que incluiu produtos menstruais nas cestas básicas do Estado do Rio de Janeiro. Mesmo que as meninas não recebam o devido reconhecimento por suas mobilizações, em março de 2022, já foram seis projetos estaduais aprovados e três protocolados em todas as regiões brasileiras, além de 43 PLs municipais sancionados e protocolados.

Nada me enche mais de energia quanto ver meninas ocupando espaços de poder.

Ao passo que a menstruação chegou no discurso público, as meninas que lideraram o movimento Livre para Menstruar ocuparam mais e mais lugares nas decisões públicas. Hoje, como cidadãs engajadas, mas aposto que, em alguns anos, serão mulheres eleitas.

Por enquanto, continuaremos a fazer política da melhor maneira: colaborativamente. E a derrubada do veto presidencial precisa continuar em nossa mira. Nosso projeto de lei (chamo de nosso porque nos representa) ainda pode triunfar sobre este decreto e garantir direitos menstruais a uma maior parcela da população. Não vamos parar até que sejamos todas livres para menstruar.