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Caso Pétala: assédio judicial é estratégia para silenciar mulheres

Pétala Barreiros e Marcos Araújo: ela o denunciou por agressão, ele foi à Justiça lutar pelo silêncio dela. - Reprodução/Instagram
Pétala Barreiros e Marcos Araújo: ela o denunciou por agressão, ele foi à Justiça lutar pelo silêncio dela. Imagem: Reprodução/Instagram
Isabela Del Monde

Colaboração para Universa

05/01/2021 04h00

Antes de mais nada, friso: sou defensora incansável e irrevogável do acesso à Justiça e à ampla defesa. Não acredito em perseguições e justiça pelas próprias mãos, mas sim no fortalecimento de instituições adequadas para resolução de conflitos, seja o Judiciário, câmaras arbitrais ou câmaras de mediação e de justiça restaurativa. Acredito também no direito que todas as pessoas têm de contar sua própria histórica e buscarem reparação seja pelo acolhimento público ou por acordos e ações.

Entretanto, o acesso à Justiça tem sido utilizado de maneira perversa por homens publicamente acusados de violência contra a mulher. Eles conseguem, a seu favor, ordens judiciais que impedem mulheres de falarem sobre as violências que sofreram, mesmo quando essas mulheres têm provas. E muitas vezes, utilizam o Judiciário para colocar a vítima no banco dos réus.

É o caso recente da influenciadora Pétala Barreiros, impedida judicialmente de falar sobre as acusações de agressão que faz ao seu ex-marido, Marcos Araújo. Nos últimos dias, Pétala exibiu em suas redes sociais vídeos que mostram o que ela sofria quando se relacionava com ele.

O assédio judicial ou assédio processual é tão sério que já foi tratado pelo Superior Tribunal de Justiça. A Ministra Nancy Andrighi desenvolveu a tese de que "o ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual".

Até o momento, sabemos que apenas pelo fato de se manifestar sobre a sua história - e reforço, com provas - Pétala já enfrenta duas ações judiciais.

Qualquer ação judicial que tem como objetivo impedir que uma pessoa fale sobre fatos verdadeiros é um assédio na medida que é desprovida de fundamentação idônea. Oras, para processar alguém por calúnia ou difamação é preciso que uma calúnia tenha sido cometida e mais ainda, provada. Qual foi a calúnia que Pétala cometeu? Até agora, nenhuma da qual tennhamos ciência.

O Judiciário não pode servir de refúgio a homens agressores que, incomodados com a publicização de seus atos, simplesmente gritem "calúnia", "injúria", "difamação" e obtenham liminares que amordaçam as suas vítimas sob pena de multas que elas não podem pagar. O resultado? Mulheres silenciadas pelo medo imposto pelo Estado, representado pelo sistema de Justiça.

É importante relembrar que Pétala obteve medida protetiva de urgência que impede Marcos Araújo de se aproximar dela. Uma medida protetiva também é uma ordem judicial que apenas é conferida a vítimas se o juiz ou a juíza entender que há risco à sua segurança.

Se o Judiciário entendeu, portanto, que Pétala está sob risco de eventuais violências de Marcos Araújo, como pode também entender que ela está mentindo e, por isso, impedida de falar sobre a sua própria história? Tamanha incoerência beneficia apenas agressores e prejudica apenas as mulheres.

Não é incomum que homens publicamente acusados obtenham amparo judicial para silenciar suas vítimas, mas continuem falando do assunto publicamente. Se o acusado deseja privacidade, é, no mínimo contraditório que após conseguir o silêncio da outra parte, fale do assunto em suas redes. Mas, como não é nenhuma novidade, a masculinidade hegemônica não preza pela coerência e sim pela imposição de sua voz e narrativa sobre todas as demais.

Infelizmente, essa decisão contra Pétala não é única. Há casos recentes também envolvendo pessoas públicas em que mulheres que se apresentaram como vítimas de violências foram obrigadas ao silêncio porque simplesmente não podem pagar multas ou mesmo advogadas para defendê-las.

O Judiciário brasileiro é instituição fundante e fundamental de democracia brasileira e não pode ser utilizado como se fosse uma estrutura à disposição de homens acusados de violências que não admitem serem socialmente responsabilizados pelos seus atos.

Isabela Del Monde é feminista e advogada. Coordenadora do movimento MeToo Brasil, cofundadora da Rede Feminista de Juristas (deFEMde) e sócia da Gema - Consultoria em Equidade