O efeito Bad Bunny e o isolamento do Brasil na cultura latino-americana

Já é um clichê falar que o Brasil não interage culturalmente com a América Latina. São inúmeros os motivos: falamos português e não espanhol, num país imenso com uma produção cultural rica, diversa.

As veias abertas da América Latina parecem que não estão tão abertas assim no Brasil, mas essa semana o artista porto-riquenho Bad Bunny conseguiu fazer com que a gente falasse um pouco de espanhol.

Seu álbum novo, "Debí Tirar Mas Fotos" significa também - mesmo na época onde mais produzimos imagens na história - a última chance de registrar seu lugar, seu chão, sua história antes que o capitalismo tardio e globalizador apague todas as memórias do seu bairro e as substitua por franquias bilionárias.

Suas reflexões sobre gentrificação e imigração nos fazem lembrar de José Saramago, escritor português da famosa frase: "ser emigrante não é deixar a terra, é levar a terra consigo."

Porto Rico é um daqueles territórios coloniais invadidos até hoje, agora em domínio ianque, que as pessoas costumavam chamar de protetorado, onde ninguém sabe ao certo quem está protegendo quem e do que.

Bad Bunny usa de sua popularidade global, catapultada pela influência do seu trabalho e também pela sua vida pessoal - afinal, namorou uma das Kardashians —, para trazer luz às questões geopolíticas tensas entre esses dois lugares, em uma homenagem cuidadosa a seu chão, como nos versos da canção "Lo Que Le Pasó a Hawai", território estadunidense desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

"Quieren quitarme el río y también la playa
Quieren el barrio mío y que abuelita se vaya
Que no quiero que hagan contigo lo que le pasó a Hawái"

[na tradução: 'Querem me levar o rio, a praia, o bairro, a minha avó. Não quero que façam com você (Porto Rico) o que fizeram com o Havaí']

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Imagem: Reprodução/Instagram @BadBunny
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O planejamento da nova turnê também é muito interessante: prevista para começar em agosto e durar seis semanas, ela será em San Juan, capital de Porto Rico — as primeiras duas semanas de shows são exclusivas para moradores de lá, que só podem comprar o ingresso mediante comprovante de residência.

Ao invés de circular em uma turnê mundial, ele prefere trazer o mundo para o quintal de sua casa. Uma residência.

Além de Bad Bunny, existe uma dimensão estética acontecendo na música latina global contemporânea, como o movimento de C. Tangana e sua aproximação com os ritmos ibéricos e da música em Espanhol, em um dos discos mais brilhantes dos últimos anos, 'El Madrileño'.

A própria Rosalía em 'El Mal Querer', onde ela une o flamenco ao pop urbano, e 'Motomami', que virou referência para toda a produção musical global da atualidade.

Também Nathy Peluso, uma mulher de identidade híbrida, bipartida, nascida argentina e criada na Espanha, com os acessos do Norte global, que resultam em um trabalho que mistura salsa com trap, bolero com pop, bachata com hip-hop.

E claro, Ca7triel e Paco Amoroso, que são a nova força da geração Z, que ressoa da Argentina para todo o mundo.

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O que todos estes artistas têm em comum é a consciência e a dimensão política desse fazer artístico, de criar uma nova cara para cultura da América Latina, referenciando o passado para construir o presente.

E quem tiver com aquela lagriminha presa no olho querendo uma forcinha pra chorar, é só procurar pela trend da música 'Debí Tirar Más Fotos', intitulada apenas como 'Dtmf', e ver a reação do público homenageando pessoas que já não estão mais aqui. É encantador.

6 comentários

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Danilo Barros Meira

O Brasil se isola por pura arrogância. Historicamente nossa população se acha superior ao resto da América Latina, aliás, há quem sequer se considere latino. Essa eterna subserviência aos EUA um dia vai cobrar o preço 

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Marcus Phlavio Goes dos Reis

Bom dia. Acredito que faltou citar uma artista a Mon Laferte . 

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Antonio Eustaquio

Menos a Anitta, que grava regatton, na cola de Maluma, Carol G, E outros, e diz que é música brasileira. 

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