No Rock in Rio, Amaro Freitas rema contra a maré para emocionar público
Após se apresentar nos maiores festivais de jazz do mundo, o pianista pernambucano Amaro Freitas já tinha em mente que show fazer em sua estreia no Rock in Rio. Pretendia conversar com o público e instigar a interação com palmas.
Mas tudo mudou quando ele subiu ao palco do Global Village, no sábado (14).
Um olhar rápido sobre a plateia o fez mudar drasticamente o roteiro. Não avisou aos músicos Sidiel Vieira (baixo acústico) e Rodrigo "Digão" Braz (bateria), mas todos eles entenderam o novo direcionamento na primeira nota ao piano.
"Eu senti que nesse movimento, da gente não ter um público tão grande quanto eu imaginava, era perfeito que eu não falasse, que a música guiasse e que a gente se conectasse através dela", disse, ao TOCA.
A plateia era de fato pequena, composta por alguns ouvintes atentos, além do curador dos palcos secundários do Rock in Rio, Zé Ricardo.
Grupos de jovens roqueiros passavam em frente, rumo aos palcos maiores, que naquele dia receberam bandas de sucessos radiofônicos, como Imagine Dragons e One Republic. Alguns paravam, capturados pelo som do trio.
Um lugar nada confortável, ele mesmo reconhece, para quem acabou de voltar do Japão e de uma bem sucedida turnê nos Estados Unidos e Europa.
Em festivais tradicionais, como o North Sea Jazz Festival, em Rotterdam, e Newport Festival, nos Estados Unidos, Amaro tocou para um público estimado em 3 mil pessoas. O desafio, no entanto, o move - e não há nenhum sinal de pesar nessa constatação.
"O Brasil é um país muito apaixonado pela canção. Essa mistura de letra e música impacta demais e faz parte da construção dos últimos anos da nossa música brasileira. Mas há um outro tipo de música brasileira que também é muito admirada fora do Brasil", ele diz.
"A provocação que fica no Rock in Rio é: você está tocando para um público totalmente diferente. E você tem só a sua música para mostrar naquele momento."
Em 1 hora de apresentação, o trio se embrenhou no terreno do improviso, com Amaro guiando o baixista e o baterista com olhares. Quem estava na frente do palco ficou hipnotizado. Nas viradas improváveis daquela música aparentemente desgovernada, a pequena plateia dava gritos de excitação.
"A nossa relação no palco é como se fosse a de um cardume. A gente está muito atento, na hora que um faz um movimento, o outro também faz junto, e a gente vai criando uma dança dentro desse oceano que é a música instrumental", ele explica.
"Hoje tem pouco espaço para que a massa possa acessar esse tipo de música. Não é feita rápida para ser hit do ano, é uma música que tem um processo de seis anos para chegar num tipo de maturidade e de identidade brasileira. O ponto de alegria é perceber que existe essa curadoria que está interessada em trazer isso para o público brasileiro. Quem tem o poder de fazer essa conexão que faça."
O show de Amaro aconteceu dias depois da morte de um mestre da música brasileira, Sergio Mendes - reverenciado lá fora.
"Eu acho que trazer para o Brasil aquele café que é exportado e o que o povo brasileiro não toma. É sobre alimento. Eu quero criar um diálogo com o nosso povo brasileiro. E isso é o início de uma coisa que tem um longo caminho."
"Fazendo minha parte"
Amaro Freitas tem galgado um espaço valioso no mundo do jazz. Um movimento relativamente rápido para quem, há pouco mais de dez anos, ainda tocava em uma igreja evangélica na periferia do Recife.
Seu terceiro disco, "Sankofa", com patrocínio da Natura Musical, foi uma virada de chave.
"Eu me lembro que a primeira vez que eu toquei no Sesc Pompeia em São Paulo, em 2017, tinha apenas 100 pessoas. Mais recentemente, voltei para tocar para 1,8 mil", diz.
Amaro colhe os frutos de "Y'Y", seu mais recente álbum, lançado no início do ano, e batizado a partir de uma palavra do dialeto indígena sateré mawé, que significa água ou rio. O álbum conta com participação de nomes em ascensão no jazz norte-americano, como a instrumentista norte-americana Brandee Younger e o guitarrista Jeff Parker.
O músico não deixa, porém, de buscar diálogos com o mundo pop. Nos últimos anos, ele colaborou em músicas de Sandy, Liniker, Manu Gavassi e Criolo. Muitos deles gravaram vídeos nas redes sociais, chamando seus seguidores para assistir ao show de Amaro no Rock in Rio.
"A Sandy tem uma outra realidade familiar, com o pai que já tava no meio, e ela é uma pessoa extremamente musical. Com nenhuma dessas pessoas com quem eu fiz parceria a gente ficou falando besteira, jogando conversa fora. Estávamos interessado nesse tipo de conexão. Isso foi muito interessante."
Para Amaro, esse diálogo constante faz parte dessa costura para chegar mais próximo do público brasileiro - sua maior meta como artista.
"O jazz é uma música reconhecida pela sua intelectualidade, às vezes isso afasta um tipo de conexão que, antes de qualquer coisa, é música. O dó mais complicado que você possa dar, com todas as tensões, a sétima maior, tudo isso são sonhos, que provocam sentimentos e emocionam. Então eu quero tá alinhado com qualquer pessoa que esteja afim de fazer isso", explica.
"É muito importante saber que essa música emociona as pessoas e que eu estou fazendo a minha parte."
* o repórter viajou a convite da Natura
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