Topo

Quebrada Tech

Quebrada Maps: jovens colocam no mapa a periferia que pouca gente conhece

Estudantes se preparam para fazer o mapeamento da favela do Sapé, na região do Rio Pequeno, em São Paulo - Arquivo pessoal/ Thais Cerqueira
Estudantes se preparam para fazer o mapeamento da favela do Sapé, na região do Rio Pequeno, em São Paulo Imagem: Arquivo pessoal/ Thais Cerqueira

Tamires Rodrigues

21/10/2020 04h00

Com a educação e o direito à cidade como principal foco de discussões, projeto reúne professores, jovens e crianças das periferias de São Paulo para investigar a histórias de bairros, utilizando ferramentas educativas de mapeamentos cartográficos e geolocalização.

O professor de geografia Wellington Fernandes, 34, transformou sua pesquisa de mestrado em uma metodologia pedagógica capaz de compartilhar técnicas de produção de cartografia e mapeamentos para jovens e crianças, visando contar histórias invisíveis sobre os bairros periféricos de São Paulo, onde os participantes das atividades do projeto residem.

Fernandes conta que sua dissertação possui um guia que mostra como trabalhar com mapas, pensando especificamente nas periferias. Uma das inspirações do professor é a cartografia indígena, que traz em sua essência uma linguagem de disputa por território. Logo, ele viu que poderia implementar essa lógica para construir uma nova geografia da cidade. "Uma geografia conectada com a periferia, conectada com o conteúdo", define o criador do projeto Quebrada Maps.

Ele enfatiza que, a partir desse propósito, decidiu levar sua pesquisa para além dos espaços acadêmicos, tornando a escola pública da quebrada em um dos espaços de atuação. "A cartografia hegemônica não dá conta de contar nossas histórias, aí no rolê com a juventude na escola, a gente chegou com a galera do Quebrada Maps", afirma.

Fernandes relembra o momento que entendeu junto com os estudantes qual seria o objetivo do Quebrada Maps. "Vamos por à tona todas as territorialidades das nossas quebradas e nossos lugares no mapa, só que o trampo é grande, pois nós temos muita história", diz.

"O lance é que mais pessoas possam fazer isso. Então, além de fazer um exercício de contar outras histórias, também é de fortalecer que outras pessoas contem a história", acrescenta.

O processo de desenvolvimento de uma nova cartografia que fale sobre o território passa por uma dinâmica que usa soluções tecnologias de mapeamento e geolocalização. "A gente usa o Google Maps para fazer as edições necessárias. Quando dá a gente também usa o Open Street Map, que é uma base aberta de dados livres, onde você também consegue editar a base de uma maneira muito mais ampla do que no Google".

A vivência com os moradores das periferias também é um grande diferencial para tornar a cartografia com a cara da quebrada. "A gente fala: onde você comprou doce está aí no mapa? Vocês acham que a tia que vende coxinha aqui na frente da escola ia curtir estar no mapa? De repente, a gente pode até perguntar para ela", afirma o professor, que a partir dessa concepção começou a criar um mapa colaborativo com alunos de escolas públicas.

Grupo de crianças faz exercício de cartografia com equipe do Quebrada Maps - Arquivo pessoal/ Wellington Fernandes - Arquivo pessoal/ Wellington Fernandes
Grupo de crianças faz exercício de cartografia com equipe do Quebrada Maps
Imagem: Arquivo pessoal/ Wellington Fernandes

Da escola à obra na favela

Os educadores procuram levar o Quebrada Maps para além dos muros das escolas, para que os estudantes possam falar com mais pessoas, e, desta forma, construir e transportar histórias cartográficas do território periférico para o mundo virtual.

Um desses territórios é a favela do Sapé, localizada no distrito do Rio Pequeno. O bairro passa por um forte processo de especulação imobiliária e isso reflete na qualidade de vida dos moradores da região. "A gente rompe o muro da escola e vai para os galpões de construção dos prédios na favela para conseguir dialogar com o território", relata Jéssica Cerqueira , 28, moradora do São Miguel Paulista e uma das educadoras que ministra oficinas no projeto.

"Foi potente demais a gente discutir sobre um lugar que tinha problemas, como a verticalização da favela do Sapé", acrescenta.

Um dos motivos para desenvolver essa metodologia de mapeamento foi para refletir sobre a desigualdade digital, que afeta os moradores das periferias e favelas. "Se a gente quisesse, por exemplo, fazer um trampo do Quebrada Maps de forma digital, talvez vários alunos não poderiam acessar, porque nem todos têm internet", diz Cerqueira.

A falta de um plano de celular ou de crédito para pacote de dados prejudicavam a participação dos alunos. "Eu lembro que na oficina a gente tirava duas ou três fotos e travava as imagens com a participação dos jovens. Mas só quem tinha internet na hora chegava na oficina", relembra a educadora.

Cerqueira entende que o papel do Quebrada Maps vai além de uma metodologia, e que o projeto é um espaço para criação de repositório de dados cartográficos. Ela prevê em quais situações esses dados poderiam ser utilizados. "2021 é o ano do plano diretor da cidade, e como que a gente consegue de repente reverberar nessa construção, como que a gente discute a cidade com a periferia não sendo só o fundão, só onde as pessoas chegam para dormir e tomar banho", questiona.

Além disso, o projeto contribui para o fortalecimento da autoestima dos alunos e na construção do sujeito político. "Tipo as meninas que participam: como elas conseguem pensar o mapa a partir do gênero, como conseguem pensar o mapa a partir de um lugar de cuidado ou a partir de um lugar de insegurança? É como a gente vai construindo o conteúdo com esses indivíduos", diz Cerqueira.

Descobrindo histórias do bairro

"Eu não sabia o que era o Google Maps até entrar no Quebrada Maps", afirma Júlia Isabel, 15, uma das alunas do projeto. Junto com a descoberta das ferramentas de cartografia e suas funções sociais, a estudante também explorou histórias do seu bairro. O primeiro mapa construído por ela, que ganhou o nome de "Revanche da Quebrada", gerou um grande impacto ao perceber a importância dos moradores para o território.

"Através desse mapa eu conheci a história da dona Lourdes, que usa plantas medicinais como remédio para fortalecer sua comunidade, dentre várias outras histórias de resistência periférica", conta.

Outra estudante, Jennifer Paiva, relembra como ela e seu grupo ficaram chocados quando descobriram a falta de visibilidade de seu território em cartografias virtuais. "Fiquei chocada no primeiro momento, me senti desvalorizada e me perguntava por que meu território não estava no mapa, mas está em quase todos os jornais", diz.

A partir dessa experiência de se sentir fora do mapa, ele questiona o motivo pelo qual seu bairro fica em evidência em programas de noticiário policial, mas não aparece no Google Maps. "Por que ele não aparece no mapa, como aparece no jornal? Eles querem mostrar só o que é ruim, não o que é bom, e no mapa a gente pode mostrar o que é bom", afirma.