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'Me trate como homem': mulheres passam perrengues como entregadoras de app

A entregadora de delivery Paloma Barbosa Félix diz que a alça da bag é muito curta para o padrão do seu corpo - Arquivo pessoal
A entregadora de delivery Paloma Barbosa Félix diz que a alça da bag é muito curta para o padrão do seu corpo Imagem: Arquivo pessoal

Patricia Santos e Ronaldo Matos (edição)

16/12/2021 04h00

Moradoras de periferias percorreram as ruas de São Paulo entregando comida aos usuários de aplicativos de delivery ao longo deste ano. Elas trabalharam tanto quanto os homens, movimentando a economia dos apps de delivery. Mas seus desafios são enormes.

Aos 28 anos, Paloma Barbosa Félix, moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo, foi diretamente atingida com as mudanças sociais e econômicas causadas pela pandemia de covid-19. Ela se tornou entregadora de aplicativos após o buffet onde trabalhava pelo menos quatro vezes por semana fechar.

"Eu trabalhava com eventos numa empresa de festas em geral e aí, em março de 2020, eles cancelaram todos os eventos por causa da pandemia", diz Paloma.

Para Bianca Camila dos Santos, 23, fazer entregas pela cidade já faz parte da sua rotina, mas a pandemia transformou esse cotidiano, após ela sofrer um acidente de bicicleta e quebrar o braço.

"Eu andava de bicicleta elétrica fazendo as entregas quando caí. Fiquei uns dois meses parada com gesso no braço. Quando voltei estava tudo fechado, não tinha gente na rua", lembra.

Trabalhando com delivery há quase três anos, Bianca viu a pandemia dificultar a rotina como entregadora. Além disso, o sistema dos aplicativos de entrega que ela trabalha também colaborou para esse retorno ser ainda mais problemático.

Segundo ela, os chamados em seu cadastro no aplicativo reduziram bastante, pois quando a conta fica inativa por algum tempo, o sistema de entregas prioriza quem está ativo. Essa situação foi agravada também pelo número de novos cadastros realizados por pessoas que perderam o emprego e buscaram alguma renda durante a pandemia.

Bianca dos Santos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bianca Camila dos Santos, do Jardim Iporanga, zona sul de São Paulo, liga o aplicativo todo dia às 10h da manhã.
Imagem: Arquivo pessoal

Moradora da quebrada e lésbica, Bianca pede que seja tratada como os colegas de profissão. "Eu sou lésbica, né, então sempre falei para eles me tratarem como um homem e é nesse 'tratar-me como um homem' que eu peço respeito. Homem só respeita homem", diz

No caso da Paloma, o maior preconceito é da parte dos aplicativos, por causa da bolsa que usa nas entregas, as conhecidas bags. Para ela, o uso da bag é dificultado por ser uma mulher gorda, já que as alças não fecham em seu corpo.

"A bag não fecha em mim porque a alça é muito curta, e fica bem na parte do peito. Prefiro não fechar, deixo bem folgadinha, principalmente quando estou com coisa pesada e ela fica apoiada na moto. Tem que ter mais inclusão com os gordinhos e gordinhas, é ruim para os dois", diz.

Risco para mulheres

Bianca celebra o fato de estar prestes a quitar a sonhada moto. Depois de passar meses fazendo entregas com uma bicicleta elétrica e até mesmo uma patinete, enfim ela está perto de pagar os últimos boletos da "queridinha". Ela pretende em 2022 terminar o ensino médio e correr atrás de novas oportunidades de trabalho.

Enquanto isso, Paloma, que começou recentemente a trabalhar com delivery, sabe o quão importante é a conquista de ter a própria moto. Depois de um ano de muitas crises de ansiedade, dias e noites em claro e em prantos, ela se vê melhor agora que tem como meta pagar as 20 prestações que ainda faltam de sua "menina", como chama a moto adquirida recentemente.

Hoje, a rotina de trabalho de Paloma com o aplicativo de entrega começa por volta das 11h30. Já Bianca liga o aplicativo por volta das 10h, para garantir que estará nas ruas entregando pedidos no horário de almoço, que segundo ela, é o melhor horário do dia para alcançar a meta diária e chegar em segurança em casa.

O horário de trabalho é um grande desafio para mulheres que estão nas ruas, por causa do risco de assalto, assédio, violência e também questões fisiológicas.

Paloma conta que sair à noite para realizar entregas não é uma opção para ela. "O horário que eu preferiria trabalhar seria à noite, mas não tenho coragem. Às vezes eu fico até as 20h, 21h, depois começa a ficar mais sinistro", diz.

Não há números exatos sobre a quantidade de pessoas que fazem a função de entregadores no Brasil.

Em São Paulo, são aproximadamente 200 mil motoboys que geram cerca de R$ 423 milhões, segundo o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas e Ciclistas de São Paulo (SindimotoSP). Porém não existe dados que mostrem a presença de mulheres nesse cenário.