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REPORTAGEM

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O que o morador da periferia precisa? Este app tem cursos, emprego e comida

Moradora explora as funcionalidades do aplicativo da Akiposso+, em São Paulo - Reproduçao/ Facebook/ akipossomais
Moradora explora as funcionalidades do aplicativo da Akiposso+, em São Paulo Imagem: Reproduçao/ Facebook/ akipossomais

Rebeca Mota e Ronaldo Matos (edição)

31/08/2022 04h00

A startup Akiposso+ criou um app para promover soluções de inclusão social para combater a desigualdade nas periferias e favelas de São Paulo agravada pela crise econômica durante a pandemia.

Além de acesso a banco de alimentos fornecidos por empresas parceiras do aplicativo, os usuários encontram uma série de oportunidades de emprego, cursos de empreendedorismo, educação financeira, técnicas de vendas e marketing, em parceria com o Sebrae.

Uma das criadoras do aplicativo é Priya Patel, 49, moradora do Jardim Panorama, na zona oeste da capital paulista. Ela nasceu na África do Sul e veio para o Brasil com a família na época do regime de segregação racial apartheid.

Por conta da origem e de tudo que viu nos países por onde passou, não hesitou em reunir os amigos que conhecia para mobilizar ações de combate à fome durante a pandemia. Com 23 anos de experiência em grandes empresas do mundo corporativo, ela sabia quem poderia ajudar naquele momento.

"Começamos o mapeamento em quatro comunidades para entender o grau de vulnerabilidade nesses territórios. Os últimos dados do censo foram colhidos em 2010 e quando se tem dados muito antigos você não consegue aplicar políticas públicas, entender as necessidades, dar acesso às oportunidades e conectar com parceiros", afirma.

Priya conta que o mapeamento foi importante para revelar que as pessoas não queriam apenas alimentos, eles tinham necessidade de educação e cultura. Foi aí que a questão da assistência social foi além, abrindo parcerias para ONGs e instituições de ensino.

"Nos definimos como uma startup de tecnologia social. A gente trabalha com muitos dados, fomos atrás para entender o que de fato as pessoas precisavam, não só durante a pandemia. Quem está fora tende a achar que quem está em situação de vulnerabilidade quer um assistencialismo, mas as pessoas querem chances para desenvolver suas habilidades. O aplicativo é justamente para esse fim: conectar e unir isso em um só lugar", diz a desenvolvedora.

"App expandiu meus horizontes"

Mirlei Souza Fernandes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mirlei Souza Fernandes passou a usar o app e obteve uma série de conquistas na carreira profissional
Imagem: Arquivo pessoal

Uma das usuárias do aplicativo é a manicure Mirlei Souza Fernandes, 36, que vive com a família no Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo. A dona de casa encontrou no aplicativo uma forma de transformar a realidade em que vivia desde que a filha mais velha, hoje com 11 anos, nasceu.

"Comecei a acessar o app durante a pandemia quando eu e meu esposo ficamos desempregados. Começamos a procurar ONGs que distribuem alimentos porque só a cesta básica fornecida pela escola não estava dando conta. Fiz o cadastro e não demorou muito para que eu fosse chamada para retirar os alimentos em um dos pontos de distribuição perto de casa", diz.

Mirlei relata que, apesar de ter procurado o app em busca de uma ajuda pontual, continuou acessando outras coisas dentro da plataforma.

"Fiz muitos cursos dentro do aplicativo: manicure, designer de sobrancelha e designer de unhas. Através do app comecei a fazer curso em outros lugares e isso me instigou a querer voltar a estudar", afirma a moradora, que já prestou vestibular para pedagogia e tem planos de ingressar na universidade no ano que vem.

"Conhecer esse app expandiu meus horizontes. Estava há 10 anos em casa sem trabalhar e isso me fez ficar muito introspectiva. Quando minha segunda filha nasceu isso se intensificou —não queria mais sair de casa. Hoje eu sei que consigo estudar, trabalhar e cuidar das minhas filhas", diz.

Mulheres são maioria na plataforma

app Akiposso+ - Comunicação Akiposso+ - Comunicação Akiposso+
Equipe do app Akiposso+ forma agentes na periferia de Guaianazes, zona leste de São Paulo
Imagem: Comunicação Akiposso+

Segundo levantamento realizado pela equipe do Akiposso+, startup que surgiu em abril de 2020, 80% dos usuários cadastrados na plataforma são mulheres e 20% delas são mães solo e chefes de família. Assim como a Mirlei, elas estão encontrando um novo caminho por meio do empreendedorismo social.

Outro trabalho realizado pelo app é a interação com os moradores dos territórios em que atua. O desenvolvimento dessa conexão dentro das comunidades é realizado pelos "agentes de transformação" ou "anjos", como também são chamados os responsáveis pelo mapeamento com os moradores.

"A equipe nunca vem às comunidades sem antes ter uma ponte. No caso do meu território foi através da associação dos trabalhadores e moradia popular, que virou centro de distribuição de doações: alimentos, fraldas descartáveis, produtos de higiene, entre outros", diz a pedagoga Leila da Silva Bonfim, 40, moradora do Jaraguá e integrante do "anjos" desde 2020.

Leila se formou em assistente administrativo, logística e controladora de acesso em uma instituição parceira do app. Para ela é importante que as iniciativas não sejam apenas assistencialistas e defende que levar educação para as pessoas é fundamental para quebrar ciclos de dependência. Ela também recebeu uma bolsa de iniciação científica pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

O app Akiposso+ está disponível para dispositivos Android e iOS.