Musk e Moraes acenam para torcida e pontuam em campos distintos da briga
Quem manda para valer em uma grande empresa de tecnologia? Geralmente a cara de uma Big Tech é o seu CEO (chief executive officer). É ele que comanda as apresentações de novos produtos, dá entrevistas para a imprensa e termina por se confundir com a própria corporação.
Nem sempre foi assim. Por décadas, empresas de refrigerante, montadoras e farmacêuticas ganharam o mundo na esteira da globalização. Os seus produtos e serviços passaram a ser conhecidos em cada canto do globo. As pessoas por trás desse sucesso talvez não.
Existe algo de peculiar nas grandes empresas de tecnologia, imbricado na própria mitologia do Vale do Silício, que faz com que os diretores executivos das Big Tech tomem a dianteira do palco. Esses homens (já que existe um déficit importante de gênero nessa posição) passam a ser tratados como líderes visionários, inovadores disruptivos e personalidades icônicas. Biografias são escritas, fofocas são contadas e assim vida pessoal e o destino das empresas vão se misturando cada vez mais.
Um carro da Tesla, uma Bíblia do Trump e uma roupa da Havan
Quando Elon Musk tuita contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, dizendo que não vai mais cumprir as suas decisões, que o juiz mantém o presidente Lula na coleira e que deveria ser removido por um processo de impeachment, o empresário - pelo menos no contexto político brasileiro — assume um lado.
Ao fazer isso, ele arrasta as empresas de todo um grupo econômico consigo. Tem gente que não escuta mais as músicas de um artista ou de outro porque ele assumiu certo posicionamento político. Musk começa a atrair o mesmo comportamento para a rede social X ou os carros elétricos da Tesla. Em tendo o dinheiro, compradores podem optar por outros veículos, ou mesmo por não pagar pelos recursos extras na rede social.
Foi-se o tempo em que o mercado era apolítico. Opções políticas de CEOs podem impactar o uso de produtos e de serviços, tanto para afastar consumidores desgostosos como para fidelizar o grupo de apoiadores.
Guardadas as devidas proporções, é o que faz Luciano Hang, transformando uma loja de departamentos em símbolo de um posicionamento político, ou próprio Donald Trump, que recebe uma parcela das vendas de uma versão da Bíblia que contém, além do texto sagrado, a Constituição dos Estados Unidos e a letra de uma música que toca toda vez que o ex-presidente sobe ao palco para discursar.
Quem manda no X?
Diretores executivos não mandam sozinhos nas empresas que administram. A depender do tipo de sociedade, eles respondem a um conselho de administração. Foi justamente uma relação tensa entre diretoria e conselho que pegou o mundo de surpresa com a demissão (e a posterior readmissão) de Sam Altman do cargo de CEO da Open AI. Na época, o conselho afirmou que o executivo não havia sido sincero em suas comunicações com o colegiado.
O caso da rede social X, antigo Twitter, é curioso. Ao comprar a empresa, Elon Musk dissolveu o conselho de administração. Atualmente, além de dono, ele ocupa o cargo de CTO (chief technology officer). A CEO do X é Linda Yaccarino, executiva de mídia com experiência no setor de publicidade, tendo atuado na NBC-Universal.
A figura de Musk é de tal maneira associada ao X que muita gente trata o empresário como o "CEO de fato" da empresa. E se for assim, na ausência de um conselho de administração, Musk responde a quem? Ou quem pode influenciar as tomadas de decisão na empresa?
Uma pista para a resposta pode estar no pool de investidores que apoiaram e garantiram a compra do Twitter por Musk. Esse grupo inclui ativos do mundo árabe, em especial da Arábia Saudita. Várias entidades do terceiro setor, por sinal, protestaram contra o silêncio da empresa sobre a condenação à morte de um saudita por conta de publicações feitas na rede social.
X vai cumprir decisões judiciais brasileiras
No contexto brasileiro, depois dos tuítes inflamados de Musk, os advogados da X Brasil peticionaram ao STF informando que "todas as ordens expedidas por esse Egrégio Supremo Tribunal Federal e Egrégio Tribunal Superior Eleitoral permanecem e continuarão a ser integralmente cumpridas pela X Corp." Caso você esteja se perguntando, "egrégio" é elogio (sinônimo de "notável", "admirável").
A petição então vai na contramão do que Musk estava dizendo na semana anterior. Algo mudou de lá para cá e duas leituras podem sair desse cenário. A primeira é que a empresa capitulou. As bravatas de Musk deram lugar à comunicação harmoniosa nos autos do processo, até mesmo em preparação para os depoimentos dos representantes do X no Brasil em sede do inquérito das milícias digitais.
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Quero receberNesses depoimentos, as autoridades vão buscar entender se alguma ordem judicial foi recentemente descumprida pela empresa, conforme prometido por Musk, além de buscar um olhar interno sobre a tomada de decisões na corporação.
Uma segunda explicação consagra um ponto que está ficando cada vez mais claro. Musk e Moraes atuam em esferas de poder distintas. Ao movimentar as redes com suas publicações sobre o ministro, Musk estava jogando em casa. O engajamento frenético por uma semana a fio, além da promoção da figura do empresário como defensor da liberdade de expressão, mais do que valeram a jogada midiática.
Por outro lado, a resposta do ministro Moraes não pertence às redes. Ela deve seguir os seus canais próprios, nos autos, e ali serem disputadas as divergências. Ao incluir o empresário no inquérito das milícias digitais, Moraes talvez faça um movimento mais simbólico do que prático, já que dependerá de cooperação das autoridades norte-americanas.
De toda forma, ao colher os depoimentos dos representantes da empresa no Brasil, e ao receber petição com o compromisso de que suas decisões serão cumpridas, ele também colhe resultados positivos. O seu movimento nos autos também deu frutos.
Essa controvérsia toda serviu até aqui para jogar luz sobre a governança de grandes empresas de tecnologia. Salvo por um caso ou outro, como foi com a OpenAI, as estruturas societárias, de investimento e de controle das empresas acabam não recebendo a atenção que merecem. Através delas podemos saber muito mais sobre as empresas do que parecem revelar as falas espetaculosas dos seus diretores.
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