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Altman e OpenAI: 4 pontos para entender a tensão no ninho do futuro da IA

A primeira temporada da série documental sobre as disputas que moldaram o futuro da inteligência artificial passou ao vivo nesse final de semana. Na tarde de sexta-feira (17) o conselho da OpenAI, empresa que assombrou o mundo com o lançamento do ChatGPT, demitiu Sam Altman, até então CEO e a cara da companhia.

Em comunicado à imprensa, o conselho afirmou que Altman "não foi consistentemente sincero nas suas comunicações com o conselho, prejudicando a sua capacidade de exercer as suas responsabilidades." Sendo assim, continua, o conselho não confiaria mais na capacidade do CEO em "continuar liderando a OpenAI".

Na sequência, Greg Brockman, o presidente do conselho, se afastou. Um movimento de centenas de funcionários, além de investidores, parecia forçar o que poderia ser uma revisão dos eventos da sexta-feira. O conselho chegou a indicar Mira Murati como diretora interina. E, na noite de domingo, apareceu com um novo CEO: Emmet Shear, cofundador da plataforma de vídeos Twitch, popular entre gamers e vendida para a Amazon por US$ 970 milhões.

Rapidamente, a Microsoft contratou Sam Altman, o que ajudou na saída para o impasse. Na manhã desta quarta-feira (22), ele acabou voltando para a OpenAI após quatro dias de intensas negociações.

Algumas lições podem ser tiradas desse vai-e-vem que sacudiu o mundo da tecnologia — e em especial a disputa pelo controle do futuro da inteligência artificial:

1) Nem todo mundo pensa igual dentro de uma big tech

É muito comum o discurso sobre as grandes empresas de tecnologia tratar delas como um monolito, uma coisa só. Geralmente, elas são representadas pelas visões e pronunciamentos de seus midiáticos diretores. A disputa dentro da OpenAI joga luz sobre as divergências em uma das mais rapidamente bem-sucedidas empresas no setor.

Implementar mudanças rápidas em produtos e serviços, escolher como comunicá-las, decidir onde colocar mais esforços e analisar como interagir com atores governamentais são algumas das decisões a serem tomadas rotineiramente em grandes empresas. É natural existirem várias perspectivas dentro da organização sobre a melhor solução.

Times inteiros podem acabar se tornando partidários de uma certa visão, ao passo que outro time defende uma direção oposta. A divergência de perspectivas entre o jurídico e o marketing, por exemplo, parece remontar a tempos imemoriais.

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Após comprar o Twitter, Elon Musk passou meses revirando os processos de tomada de decisão na empresa para procurar provar que havia algum direcionamento ideológico por lá. Nada de muito revelador surgiu dos seus Twitter Files, exceto por uma confirmação: há divergências entre os diferentes times da companhia sobre como lidar com casos complexo. Exemplo disso é a história envolvendo o filho de Joe Biden. Nesse caso, prevaleceu a orientação do time de segurança (trust & safety), que aplicou as regras contra a veiculação de conteúdos obtidos por hackers.

As empresas de tecnologia lidam com a fronteira do desenvolvimento de ferramentas que podem transformar, de maneira significativa e instantânea, a forma como as pessoas se comunicam, se informam e se entretêm. As decisões delas importam. Saber como divergências foram identificadas e superadas é também uma medida de sobrevivência —, além de ser uma prática de boa governança. A insatisfação por decisões tomadas de modo abrupto, sem transparência, e que passam por cima das regras pré-estabelecidas, é a receita para toda sorte de problemas.

2) Segurança x Inovação

Assim que o conselho da OpenAI anunciou a removeção de Sam Altman, surgiram mil explicações sobre o que poderia ter motivado a medida. Uma das que mais circulou foi a divergência entre a velocidade com a qual o CEO queria inovar e a cautela que o conselho queria imprimir, garantindo segurança aos lançamentos da empresa.

Essa dinâmica, de certa forma, sempre marcou a trajetória da OpenAI. O lançamento do ChatGPT pegou o mundo de surpresa. Grande parte das pessoas não sabia que o desenvolvimento de aplicações de IA, em especial aquelas ancoradas em large language models, já estava tão avançado. Quando saiu, no final de 2022, o ChatGPT encantou e assombrou ao mesmo tempo. Parecia deter conhecimento enciclopédico e capacidade para redigir textos convincentes, embora não viesse acompanhado de qualquer ferramenta para identificar autenticidade, além de frequentemente inventar fatos.

A tensão entre segurança e inovação não é exclusividade da OpenAI. Grande parte do debate regulatório global sobre inteligência artificial parece girar em volta dessa dualidade. De um lado, estariam os movimentos pela edição de leis para guiar o desenvolvimento de IA, com obrigações de segurança para as empresas. De outro, está a descrença de qualquer regramento poder ser efetivo, trazendo ainda o efeito colateral de restringir o potencial de inovação dessas tecnologias.

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Em certa medida, o choque entre o conselho e antigo CEO da OpenAI tem tudo para ser lembrado no futuro como um episódio em que as duas visões entraram em rota de colisão. Como o conselho pouco esclareceu sobre os seus motivos, o que não faltam são especulações.

Emmet Shear, que foi o CEO interino da empresa durante a crise, afirmou que as divergências entre Altman e o conselho não teriam qualquer relação com a segurança dos produtos. Mas e se, questiona uma outra narrativa, a questão fossem os justamente produtos?

3) Pesquisa x produtos

O desenvolvimento de inteligência artificial não nasce em árvore; precisa de investimento em pessoas qualificadas, poder computacional e acesso a infraestrutura para rodar os testes e os treinamentos necessários. Esses são recursos escassos.

Surge aqui uma outra possível explicação para a demissão de Altman e o agravamento das tensões: a disputa por máquinas e pessoas dedicadas à pesquisa ou ao lançamento de produtos. A parceria com a Microsoft é estratégica, já que a gigante de tecnologia oferece as facilidades da plataforma Azure e outras condições favoráveis para a OpenAI operar.

Como os recursos são finitos, como alocar quanto vai para pesquisa e quanto vai para a área comercial? Será que o último passo dado por Sam Altman à frente da empresa tensionou ainda mais esse equilíbrio? Em recente conferência para os desenvolvedores, Altman apresentou funcionalidade que permite criar aplicações próprias de IA em cima do GPT (que poderiam depois ser vendidas na loja de apps da companhia).

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Quanto mais pessoas usam o ChatGPT e criam ferramentas com ele, mais capacidades técnicas precisam ser alocadas para o setor comercial, viabilizando uma melhor experiência dos usuários. Isso significa menos pessoas e máquinas dedicadas à pesquisa na empresa.

Como apontou Ronaldo Lemos em sua coluna na Folha de S.Paulo, a composição singular da OpenAI pode ter ajudado a criar algumas dessas divergências. A unidade comercial, que angaria investimentos e lança produtos, é controlada por uma entidade sem fins lucrativos, com forte dedicação à pesquisa na área.

4) E a audiência?

O último lance da saga de Sam Altman com a OpenAI entregou tudo o que se esperava de um season finale: reviravoltas inesperadas, mistério sobre as reais motivações dos personagens, além de introduzir questionamentos a serem respondidos na continuação da série. Acontece que, diferentemente das séries que adoramos maratonar, o desfecho dessa pode impactar em tempo real a vida de todos que fazem parte da audiência.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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