Relatório com decisão sigilosa do STF faz Brasil de escada para mirar Biden
Documentos jurídicos, em sua maioria sigilosos, recebidos pelo X Brasil foram publicizados em um relatório do Comitê sobre o Judiciário, da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos. Para parte da militância, esse é o primeiro passo para as autoridades norte-americanas virem nos salvar. Para outros, é o primeiro passo de uma indevida interferência externa em assuntos domésticos.
De uma forma ou de outra, é preciso ver esse relatório pelo que ele é. Já no primeiro parágrafo, ele deixa claro a que veio: os trabalhos do comitê têm por objetivo investigar "como e com qual extensão o Poder Executivo coagiu ou se juntou com empresas e outros intermediários para censurar discurso lícito."
O foco do relatório é Biden e não Moraes
Esse Poder Executivo não é o brasileiro, mas, sim, o norte-americano. O foco das investigações é o governo Biden e, ao que tudo indica, o comitê já chegou a várias conclusões, como:
A Casa Branca sob Biden está coagindo diretamente grandes empresas de mídia social, como o Facebook, a censurar informações verdadeiras, memes e sátiras, levando eventualmente o Facebook a mudar suas políticas de moderação de conteúdo."
E também
A Casa Branca sob Biden diretamente coagiu a Amazon, a maior livraria online do mundo, a censurar livros."
Os livros, vale esclarecer, desestimulavam a vacinação contra a covid-19. Quais sãos as referências que o relatório cita para esclarecer como se chegou nessas conclusões? Um par de tuítes do Deputado Jim Jordan, que vem a ser o próprio presidente do Comitê.
Jordan é um deputado republicano de Ohio, aliado de Donald Trump. Por vários anos, ele questiona a integridade do processo eleitoral, em especial o papel das grandes empresas de tecnologia, que tenderiam, na sua visão, a favorecer os candidatos democratas.
A leitura do relatório é assim altamente partidária. O documento já tomou um lado. E ele aparece em um momento em que beneficia alguns personagens dentro de um contexto bem específico.
Uma ação na Suprema Corte explica o contexto
O contexto dentro do qual é preciso compreender o relatório é a iminente derrota dos republicanos em um caso cujo julgamento está pendente na Suprema Corte e que diz respeito ao coração dos trabalhos do Comitê.
Em Murthy v. Missouri, a Suprema Corte dos Estados Unidos vai decidir se o governo Biden violou a Primeira Emenda (liberdade de expressão) ao contatar empresas de redes sociais para elas moderarem discurso que espalhava desinformação sobre a pandemia de covid-19 e sobre o processo eleitoral no país.
O governo alega que fez pedidos legítimos, não exigências. Congressistas republicanos usaram os mesmos fatos para impulsionar os trabalhos do Comitê, realizando uma investigação própria. Acontece que, depois dos argumentos orais realizados em março, tudo indica que a Suprema Corte vai entender que não houve violação à liberdade de expressão, impondo uma derrota à visão republicana de que o contato do governo com empresas seria uma forma de censura.
Na sessão de argumentos orais, em que os Ministros da Suprema Corte também fazem uma arguição dos advogados, a Ministra Amy Coney Barret, indicada por Trump, sugeriu que a conclusão de que o comportamento do governo seria ilícito acabaria jogando por terra uma série de comportamentos rotineiros da administração pública.
A Ministra Ketanji Brown Jackson, de perfil progressista, perguntou se os advogados também considerariam indevido o contato do governo com as plataformas para a remoção de publicações virais encorajando danos a menores. O Ministro Brett Kavanaugh, indicado por Trump, acrescentou que muitas vezes as plataformas se recusam a atender demandas do governo, o que prejudicaria a caracterização do contato como coerção.
Newsletter
Um boletim com as novidades e lançamentos da semana e um papo sobre novas tecnologias. Toda sexta.
Quero receberEsse resultado na Suprema Corte, se confirmado, vai acabar atravessando os trabalhos do Comitê sobre o Judiciário na Câmara dos Deputados, prejudicando as conclusões que hoje estampam a primeira página do relatório, como visto acima. O caso brasileiro então serve como uma luva na busca de novos episódios que possam trazer o governo Biden para o centro do debate sobre censura. Agora o questionamento seria sobre o silêncio de Biden com relação ao cenário de cerramento à liberdade de expressão no Brasil. Esse é literalmente o título do relatório.
O documento também ganha visibilidade em uma semana ruim para o ex-presidente Donald Trump no noticiário doméstico. Ele terminou impedido de fazer campanha nos estados, já que teve que comparecer ao tribunal de Nova York, onde começou o júri que vai decidir sobre supostos pagamentos para silenciar uma atriz de filmes adultos. Trump vem apontando que o julgamento seria uma forma de interferência eleitoral, que gera publicidade negativa para o republicano em momento importante para a corrida eleitoral.
Por tudo isso, é importante entender o relatório do Comitê do Congresso norte-americano dentro do contexto político local. É claro que a sua publicização produz efeitos na mobilização de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro e que ele apresenta críticas ao comportamento do Ministro Alexandre de Moraes e do TSE. Mas estamos longe de ser o foco das atenções. O alvo dos trabalhos do comitê é o governo Biden. O Brasil serviu apenas de escada.
Deixe seu comentário