'Música é história, não 15s': Rennan da Penha quer inovar funk sem TikTok

Em seus 14 anos dedicados ao funk, Rennan Santos da Silva, conhecido como DJ Rennan da Penha, 30 anos, criou o famoso Baile da Gaiola, um marco no cenário carioca, e foi um dos pioneiros do acelerado Funk 150 BPM (batidas por minuto), a partir de 2015. Apesar disso, recebeu críticas dos amantes do funk melody.

Os tempos são outros e não foram só as batidas que ficaram mais rápidas, mas os ponteiros também: com a ascensão do Tik Tok, usuários daquela rede têm feito sucesso com 15 segundos de música — cantando ou dançando. E desta vez, quem está puto é o Rennan.

"Em 2017 e 2018 tivemos a ascensão do funk porque a gente fazia música, e não montagem. Hoje, o câncer do Rio de Janeiro é o MC cantar uma música de ponta a ponta no estúdio para outro cara pegar só alguns segundos, um trecho tipo "senta, senta, rebola, rebola". Não posso comercializar isso", ele justifica em conversa com Splash.

Em julho último, Rennan virou notícia após viralizarem imagens do símbolo do TikTok com um sinal de proibido por cima, exibidas em telões durante seu Baile da Selva — antigo Baile da Gaiola: ele não gosta que toquem hits daquela plataforma.

Para a reportagem, o DJ diz não ter problema com a plataforma em si, mas acha que sua música não deve ficar limitada a passinhos. Reclama ainda que muitos artistas estouraram hits durante a pandemia, mas não tiveram visibilidade por conta desse mecanismo de divulgação.

Reconhece, todavia, que o aplicativo mudou a vida de muitas pessoas, embora, para ele, a música tenha perdido sua qualidade:

"Eu não proibi nenhum DJ de tocar absolutamente nada. O problema é que as pessoas hoje só enxergam aquilo ali como uma luz no fim do túnel. Cadê a música que você faz a pessoa pensar? Podem me chamar de maluco, conservador, o que for, mas eu acho que a música está se perdendo em troca de um aplicativo que imita o som."

O dono da Hitzada, produtora de músicos como Puterrier, MC Rogê e Savanah, estende sua crítica à debandada de artistas do funk para o trap, uma vertente do rap muito presente em São Paulo. Para ele, se artistas pensassem mais na música do que na fama, o funk carioca estaria novamente no topo, sem precisar de 15 segundos:

"O funk do Rio tem um tempero diferente, porque começou aqui. Quando a gente inova, contagia o mundo todo. As pessoas têm que agradecer ao Complexo da Penha porque as músicas chegaram lá fora por causa de uma comunidade. Se a gente parar de produzir, dá merda para eles. A música marca uma história, não só 15 segundos."

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"Tirei cadeia à toa"

Os dois períodos de seis meses que passou na cadeia também contribuíram para a queda de produção do funk carioca, na visão do artista.

Em 2015, ele foi condenado a 6 anos e 8 meses de reclusão por associação ao tráfico de drogas, mas as únicas "provas" eram mensagens de WhatsApp avisando da subida de um blindado da polícia — comuns na comunidade —, uma foto em que segurava uma réplica de um fuzil de madeira, tirada no Carnaval, e outra apertando a mãe de um criminoso.

Foi preso em dois momentos: de janeiro a julho de 2016, e de maio a novembro de 2019. Chegou a ficar em cela com 100 pessoas, mas recorreu e foi absolvido pelo STJ em junho passado. Alega nunca ter envolvimento com atividades ilegais, e que ter seu trabalho associado a crimes o levou à depressão.

"Tirei cadeia à toa. Queriam me prender. Tanto que o tal bandido [da foto] está solto. E nem torço pelo contrário. Ele é conhecido meu e escolheu aquilo para ele, como escolhi viver de arte."

Hoje, não faz terapia, mas usa a maconha para relaxar. "Não pode faltar meu baseado. É a minha terapia, assim como ouvir música dos anos 70", diz ele, expulso de casa aos 16 porque o pai achou que o filho havia fumado a erva. "Pior que naquele momento nem estava."

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"As pessoas só olham o lado negativo da coisa"

Hoje, Rennan e dois amigos lideram o Baile da Selva todos os sábados. O nome antigo, que era uma homenagem a um bar cercado por grades, foi proibido pelo Estado, mas o atual segue da mesma forma.

Ainda não alcançou a mesma popularidade de outrora devido a intervenções negativas das autoridades, na avaliação dele. O artista acredita que se o governo apoiasse mais a música, eventos como o seu poderiam prosperar ainda mais, beneficiando ambulantes e a comunidade local.

"A gente reúne, a cada baile, cerca de 80 ambulantes. No auge de 2018, tinha vendedor levando R$ 17 mil por noite. Fora o comércio da comunidade como salão de beleza, para onde as meninas correm antes de ir para o baile", ele enumera.

"Mas as pessoas só olham o lado negativo da coisa. Se a gente tivesse um governo que realmente abraçasse a música, poderia ter tudo padronizado, com os trabalhadores com CNPJ para registrar cada barraca."

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"A gente furou essa bolha há muito tempo"

Muitos dos ataques contra o estilo musical nascido no Rio de Janeiro deve-se a letras com conteúdo sexual e que citam crimes. Recentemente, o alvo foi a MC Pipokinha, conhecida como "rainha da putaria".

Amigo da cantora, Rennan diz que as críticas contra ela e outras mulheres que interpretam letras de cunho sexual partem de pessoas com mente fechada.

"Ela veio aqui em casa gravar e puxou uma oração. Mandou todo mundo fechar o olho, dar as mãos. Depois, rasgou o verbo cantando um montão de putaria. É uma coisa que tá no artista. Eu posso não gostar, mas não posso ficar dando hate."

Rennan acredita, no entanto, que o preconceito contra funkeiras têm reduzido, talvez porque as pessoas aprenderam a respeitar mais as diferenças. Ele aponta, por exemplo, que o funk andou abraçando a comunidade LGBTQIA+. Tanto que no próximo 11 de novembro, ele fará a segunda edição da Parada LGBTQIA+, no Complexo da Penha.

Para ele, a primeira foi das melhores recepções que recebeu do público: "Até o chefe do tráfico mandou todo mundo ficar de boa, e avisou que se tivesse agressão contra algum gay haveria consequências", lembra.

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Rennan, que foi indicado ao Grammy Latino 2019 com "Me Solta", com Nego do Borel, e venceu duas estatuetas no Prêmio Multishow daquele ano, nas categorias Canção do Ano e Melhor Produtor com "Hoje Eu Vou Parar na Gaiola", com Mc Livinho, agora espera quebrar novas barreiras.

"Olha quanto prêmio ganhamos. Vou ficar me importando com essas pessoas que olham a gente como uma minoria? Pelo amor de Deus. A gente furou essa bolha há muito tempo", finaliza.

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