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Carnaval cresce enquanto festa popular, mas patina como produto comercial

Há algo curioso acontecendo com o Carnaval. De um lado, a festa popular brasileira está crescendo: a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima que as comemorações vão injetar R$ 9 bilhões na economia nacional, um incremento de 10% em relação a 2023 e superando o patamar pré-pandemia. Ao mesmo tempo, parte das cotas comerciais da transmissão da TV Globo não foram vendidas, enquanto blocos de rua acabaram cancelados por falta de patrocínio.

Um paradoxo? Nem tanto.

Os dados do CNC levam em conta não só o turismo, mas também o setor de serviços e o varejo. Para se ter uma ideia, em termos de grandes eventos culturais que movimentam muito dinheiro, estamos falando em valores que superam o impacto financeiro de um filme blockbuster mundial. "Barbie", maior bilheteria nos cinemas em 2023, arrecadou R$ 7,2 bilhões (US$ 1,45 bilhão) em todo o planeta no ano passado, por exemplo.

Nem mesmo a maior diva pop do momento é páreo para a nossa folia. De acordo com a QuestionPro, que faz pesquisas de mercado, a turnê "The Eras Tour", de Taylor Swift, vai injetar US$ 5 bilhões (R$ 25,7 bilhões) na economia dos Estados Unidos. Isso em um período super longo, previsto para durar 21 meses. Na média, dá R$ 1,22 bilhão ao mês, bem menos do que nossas semanas de folia.

Há uma tendência na imprensa local - inclusive deste colunista, assumo - em exaltar os feitos da indústria cultural dos Estados Unidos. Não é por menos: o país se solidificou em uma posição dominante em termos globais, criando um ecossistema produtivo e, principalmente, exportando os seus produtos para o exterior.

Porém, com um formato 100% nacional e fincado em nossa história, criamos um verdadeiro fenômeno financeiro todos os anos. Isso de uma forma mais democrática, gerando riqueza de forma pulverizada. A própria CNC prevê a criação de mais de 66 mil vagas temporárias no período, por exemplo.

Nem tudo é festa

Contudo, o sucesso popular não anda em conjunto com a melhora do Carnaval enquanto produto comercial.

Na Globo, as quatro cotas de patrocínio principais para participar das transmissões na TV saem R$ 23,8 milhões cada, no valor de tabela. O canal dos Marinhos não confirmou publicamente a venda total desses pacotes, e a informação passada anteriormente ao colunista Gabriel Vaquer, da Folha, é de que apenas duas foram comercializadas - com uma terceira, apenas parcial, também vendida. Isso reflete no próprio faturamento das escolas de samba, que recebem uma porcentagem das vendas feitas pela emissora.

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Mariana Aldano, repórter e apresentadora da Globo, durante as transmissões do Carnaval
Mariana Aldano, repórter e apresentadora da Globo, durante as transmissões do Carnaval Imagem: Divulgação/TV Globo

Há muitas justificativas para esse cenário. Passa, claro, por uma estagnação nos grandes investimentos publicitários, mas há também o peso do próprio formato dos festejos. Por mais que as transmissões dos desfiles tenham o seu atrativo em uma era no qual canais lineares usam o ao vivo para baterem de frente contra os streamings, a folia é verdadeiramente vivida fora de casa.

É por isso que, em 2023, a TV Globo amargou a segunda pior audiência da história no Carnaval, de acordo com o Kantar Ibope. Foram registrados 9,1 pontos, número levemente superior ao índice de 2013 (8,9).

Em um momento de tantas transformações na forma como consumimos conteúdo, é hora de repensar essa cobertura. Ou entender que o público será inevitavelmente mais pulverizado e menos de olho na televisão linear, readequando o investimento na cobertura e a pedida publicitária.

Menos blocos

Fenômeno parecido está ocorrendo em São Paulo. A cidade passou, na última década, por uma revitalização do Carnaval de rua, com os blocos ocupando os espaços públicos. No entanto, neste ano, mais de 140 (dos 579 confirmados anteriormente) anunciaram que não irão desfilar mais.

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Os motivos relatados pelos organizadores são os mais diversos, incluindo a falta de organização da prefeitura. Eles afirmam que a demora do governo local em fechar um patrocinador máster - que ocorreu apenas em 16 de janeiro - impactou na prospecção feita pelos próprios blocos. Para piorar, houve menor interesse das marcas, deixando muitos organizadores na mão.

Existe uma competição muito grande pelas verbas dos anunciantes no período - e os orçamentos são finitos. Para piorar, há uma chance das marcas acharem mais interessante investir em propagandas nas redes sociais (que assumiram o posto de primeira tela para acompanhar figurinos, famosos e fofocas de Carnaval) do que se arriscarem em ações nas ruas.

Assim como a TV Globo, os organizadores dos blocos devem repensar o seu papel na folia. Será que eles são mesmo outdoors ambulantes, com oportunidades de "ativação" (como dizem os publicitários)? Ou apenas veículos para a população colocar para fora a sua alegria? Se for este último caso, como podem ser economicamente viáveis?

O fato é que, diferentemente de um blockbuster ou de uma turnê global, a nossa festa tupiniquim não tem um dono. É menos um produto pasteurizado produzido em massa e mais uma manufatura, quase um artesanato. Trata-se de algo das massas. Entender isso é a chave para se dar bem.

Mais Brasil, impossível.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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