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Reportagem

'Turma da Mônica Jovem' reforça urgência do cinema nacional virar indústria

A Turma da Mônica é o exemplo mais bem-acabado de indústria cultural no Brasil. Afinal, Mauricio de Sousa e sua equipe souberam criar um verdadeiro ciclo virtuoso de personagens, produtos e fãs a partir das histórias em quadrinhos. Infelizmente esta é uma exceção, mas tem gente querendo mudar este cenário.

Agora em janeiro, "Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo" foi lançado nas telonas. Além de ser mais um derivado das criações de Mauricio, o filme tem o audacioso objetivo de fomentar a formação de um verdadeiro modelo de produção cinematográfica em larga escala no Brasil.

Em maio do ano passado, esta coluna de Splash visitou o set do longa-metragem enquanto acontecia o último dia de filmagens. "Temos que mostrar que somos uma indústria criativa, a gente tem que se empoderar", contou a produtora executiva Patrícia Chamon.

Chamon estava empolgada com o fato de o Palácio dos Cedros, que fica em São Paulo e serviu de locação para o filme, estar lotado de pessoas trabalhando - e de convidados. De acordo com ela, o projeto movimentou cerca de 200 pessoas por dia, com 500 trabalhadores diretos no total. Isso sem contar os indiretos. "A sociedade precisa entender o quanto de emprego geramos", declarou.

A frase tem um motivo. Até hoje, o cinema brasileiro é visto mais como algo passional do que necessariamente comercial, ainda que existam exceções. "Temos uma técnica de produção, sabemos produzir bem. Nossa mão de obra é boa. Mas a gente precisa desse lugar de respeito social, de ser entendido como uma cadeia produtiva", relata Patrícia.

Diretor Mauricio Eça (à frente, de preto) coordena a foto de todos os envolvidos em 'Turma da Mônica Jovem' durante o último dia de filmagens
Diretor Mauricio Eça (à frente, de preto) coordena a foto de todos os envolvidos em 'Turma da Mônica Jovem' durante o último dia de filmagens Imagem: Renan Martins Frade

Para a produtora, a solução passa por dois grandes pontos: a criação de público e a formação de mão de obra.

No primeiro, ela defende a cota de tela, que obriga os cinemas a exibirem um número mínimo de produções nacionais. A lei que recria a medida foi sancionada pelo presidente Lula agora em janeiro. "Precisamos também falar de políticas de subsídio de valor de ingresso. Pode ser de segunda a quarta, em um final de semana só por mês... Mas as pessoas precisam ir ao cinema. Tem gente que nunca foi porque é caro", lamenta Patrícia.

Sobre o segundo ponto, a produtora acredita que uma indústria precisa estimular a evolução de seus profissionais. "É inadmissível que uma camareira fique 20 anos sendo camareira. Ela tem que mudar de lugar, mas para isso você tem que dar formação, tem que dar estímulo, tem que dar o sonho", explica.

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Profissionalização e internacionalização

O assunto passa por um elefante na sala: a qualidade das histórias nacionais - e Patrícia Chamon não tem papas na língua: "Os roteiros subestimam a inteligência do espectador".

O problema está na falta de desenvolvimento de projeto. Temos poucas salas de roteiro. Investimos pouco em pessoas, é um dinheiro muito contado. Acabamos tão apegados que não jogamos o roteiro fora para começar de novo. Patrícia Chamon

"Os nossos roteiristas ainda são muito passionais [...], não tem distanciamento da obra", relata a produtora, que acredita ser necessária uma maior profissionalização da função. "Temos discussões loucas [com os redatores]. Não é para fazer o que está na sua cabeça! Brinco assim: trabalho para captar dinheiro para fazer um filme, não para fazer aquilo que está na sua cabeça. Tenho compromissos contratuais assumidos. Tenho um patrocinador. Tenho que entregar o projeto que propus".

Esse processo passa por uma visão mais internacional das histórias que são contadas, relata. "Nossas obras não viajam [para outros países]. Fazemos muitos filmes só com a nossa cultura, que não fazem sentido para quem está em outro lugar. Você vê, a gente importa conteúdo o tempo inteiro, e o máximo que exportamos é novela. Precisamos exportar mais".

Colocando em prática

"Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo" representa a tentativa de tirar essa teoria do papel. Para começar, trata-se de uma proposta de franquia, ao estilo Hollywood. A intenção é lançar quatro longas-metragens, formando uma quadrilogia. "Vai ser todo ano o filme das férias", aposta Patrícia.

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O financiamento foi "híbrido", com dinheiro proveniente de leis de incentivo fiscal, fundo setorial e capital próprio. "É um projeto que a gente experimentou e trouxe recursos de todos os lados. Sem a lei de incentivo, conteúdos independentes não acontecem", compartilha.

Além disso, o cronograma de produção foi mais ágil. Existiu um atraso na fase inicial, causado pela pandemia e pela dificuldade de encontrar a história que queriam contar. Porém, entre o fim das filmagens e o lançamento na tela grande, o prazo foi excepcionalmente rápido para os padrões brasileiros: apenas sete meses.

A equipe por trás das câmeras nas filmagens de 'Turma da Mônica Jovem'
A equipe por trás das câmeras nas filmagens de 'Turma da Mônica Jovem' Imagem: Renan Martins Frade

A adaptação dos gibis de "Turma da Mônica Jovem" não está sozinha. Vários outros longas brasileiros - em diferentes estágios de criação ou lançados recentemente - buscam, por um caminho ou por outro, concretizar um modelo de indústria para o cinema nacional.

Um ponto comum entre esses filmes é a tentativa de utilizar marcas reconhecidas, como figuras célebres já falecidas ou produtos originários de outras mídias, na esperança de cativar a atenção do público. Essa lista inclui obras inspiradas nas vidas de Ayrton Senna e Silvio Santos (que, vale lembrar, são diferentes das respectivas séries de Netflix e Star+).

Resultado na tela

Infelizmente, "Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo" acaba tropeçando em suas ambições. O resultado final, atualmente em exibição nos cinemas, tenta transportar para as telonas muitos elementos eficazes nas histórias em quadrinhos, mas que não se sustentam bem no contexto audiovisual. A obra parece indecisa quanto ao seu gênero, oscilando entre terror, aventura, comédia e paródia. Além disso, a montagem apressada é outro aspecto que não contribui para a experiência do espectador.

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A personagem Mônica, que deveria desempenhar um papel central nesta narrativa, também apresenta uma interpretação enfraquecida. Em parte, isso se deve à própria produção. Sophia Valverde, conhecida por seu papel na novela "Poliana" no SBT e com quase 15 milhões de seguidores no Instagram, foi escolhida para substituir outra atriz no papel apenas em novembro de 2022, aproximadamente um ano após a escolha dos intérpretes de Cascão, Magali e Milena (Theo Salomão, Bianca Paiva e Carol Roberto, respectivamente).

A isso, soma-se o fato de que todos estavam encarnando personagens que tiveram, recentemente, uma outra interpretação nos cinemas, com "Turma da Mônica: Laços". Universos e propostas diferentes, mas isso não impede o público de fazer comparações.

Quando a escalação se tornou pública, no começo de 2023 e antes do início das filmagens, Sophia Valverde foi alvo de críticas nas redes sociais. A insegurança da jovem, decorrente de toda essa situação, é evidente na tela. Entretanto, não se pode culpá-la: o que faltou foi uma melhor preparação e, acima de tudo, uma direção mais assertiva.

Aquilo que deveria ser um atrativo para o público acabou se tornando uma fragilidade. O produto, fundamental para um setor que busca se consolidar como indústria, precisa ser ainda melhor. Como vemos, o equilíbrio entre negócios e arte é uma peça-chave fundamental no audiovisual.

De qualquer forma, só erra quem se arrisca. E o erro ensina. Ainda temos muito a aprender com nossos tropeços para chegar na criação de uma Hollywood brasileira.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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