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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ameaça de morte de Red Pill a Livia La Gatto é ápice de não aceitar crítica

Thiago Schutz ameaçou atirar em Lívia La Gatto - Reprodução
Thiago Schutz ameaçou atirar em Lívia La Gatto Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/02/2023 04h00

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Mulhertrix. Cheguei nesse neologismo tentando entender por que o movimento masculinista no qual o influencer Thiago Shultz está inserido atende sob a alcunha de Red Pill. "Pílula vermelha" é aquela usada pelos personagens de Matrix quando querem sair da Matrix e viver no mundo real.

Aqui, 20 anos após o filme, grupos de direita e de homens usam a expressão para se referir erroneamente a uma suposta realidade em que não são enganados pela esquerda ou pelas mulheres. Quem teria tomado a pílula azul pode cair nas garras do feminismo. Um tipo de Mulhertrix em que as moças "querem ser servidas e não servir". Um perigo.

O discurso de Shultz impressiona porque ele acumula centenas de milhares de seguidores. Com voz grossa e boa eloquência, uma avalanche de frases vazias ou repletas de misoginia: mulheres com mais de 30 anos precisam ser descartadas, mulheres com filhos têm que se esforçar o dobro para agradar o homem, mulheres servem para sexo apenas, mulheres precisam por a mesa e esperar o homem chegar do trabalho com tudo pronto para agradá-lo.

O estereótipo machista dos anos 50 é contraposto por um discurso moderninho, com gírias e palavrões. Dentre o séquito de seguidores, várias mulheres que complementam suas postagens com comentários igualmente vazios como: "Red Pill é muito mais do que o reduzicionismo", dizem. Ninguém explica nada. Não deve haver muito o que explicar além dessa superfície que deixa qualquer um que consegue pensar um pouco (ou que tomou a pílula azul, como eles dizem) perplexo.

Satirizar o nonsense é protestar

A genial humorista Livia La Gatto fez um vídeo satirizando a recente viralização de uma das explanações de Shultz. Ele diz em um podcast que as mulheres oferecem cerveja aos homens porque querem testá-los, mas eles devem recusar e continuar bebendo seus Camparis para serem respeitados. Parece nonsense porque de fato é.

O rapaz não gostou da sátira e achou por bem fazer uma ameaça de morte à comediante. Disse que ela deveria tirar o vídeo em 24h, porque depois disso ou a processaria ou "bala". Então, ligou para ela repetidas vezes. Livia não atendeu — é o que eu e você faríamos caso alguém que sugeriu que nos vai dar um tiro resolvesse nos telefonar, certo? Eu ainda fecharia a cortina e me trancaria no banheiro. Mas Lívia é corajosa: expos a mensagem e o rapaz e vai tomar as medidas legais para se proteger. Ele seguiu nervoso, fez um vídeo dizendo que "bala" é "meter bala" e que só chegou nesse ponto porque foi zoado — como se dizer algo que virou piada fosse motivo para violência. Disse também que nunca atacou ninguém, apesar de dizer com frequência todas as frases sobre mulheres que reproduzi no terceiro parágrafo desse texto.

Com a exposição pública, Livia não protege apenas a si mesma. Faz com que tantas outras mulheres que sofrem na mão de homens violentos e abusivos saiam dos banheiros onde estão trancadas e falem sobre o assunto. Ser violentada emocionalmente é uma cicatriz que divide a vida da gente. E é falando sobre isso que a gente evita que mais gente caia no buraco que é normalizar homens tóxicos. Tem mais de 300 mil pessoas que validam o que Thiago diz sobre mulheres todos os dias. A gente não sabe o que esses caras fazem com suas esposas quando chegam em casa e a mesa não está posta, afinal.

"Esse cara discursa diariamente para um exército de homens com suas masculinidades frágeis, questionando os poucos direitos que as mulheres conquistaram. Poucos. É um discurso de ódio a qualquer mulher que não aceite ser submissa. É um discurso que dá argumentos para homens que violentam, assediam e matam mulheres por estarem inseguros em sua masculinidade. É um desserviço a qualquer conquista dos Direitos Iguais, Direitos Humanos. Portanto, não cabe mais termos livremente na internet esse tipo de conteúdo que incita a violência contra a mulher. Tem que intimidar e expor agressor SIM ! Com a Lei, haverá punição e quebra desse ciclo que compromete a saúde mental de TODAS as mulheres. Misoginia não é opinião. E enquanto artista, eu vou debochar, SIM! Expor ao ridículo em meus vídeos toda e qualquer manifestação que diminua a mulher", ela diz em um post.

Shutlz diz que nunca viu uma feminista feliz, que elas estão sempre reclamando, bravas. Curiosamente, diz isso de uma maneira furiosa, sempre com o semblante fechado, nervoso — em toda a pesquisa para esse texto, não o vi sorrir em nenhum conteúdo. Mais curiosamente ainda, quando vê uma feminista feliz, rindo, fazendo humor, a ameaça de morte. Há algo errado aqui ou estou vendo coisas?

Só para contrariar, me diverti escrevendo esse texto. Não se fazem feministas como antigamente nessa Mulhertrix em que nos enfiamos.

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