Luciana Bugni

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Opinião

Escola de filha de Samara e nosso papel como brancos na luta antirracista

Meu filho fechou o gibi da Turma da Mônica suspirando. "Sabe o que eu não gosto muito, mamãe? Que na turma inteira só tem duas pessoas pretas, o Jeremias e a Milena. É como na escola: só tem eu e o Giovanni. Eu queria que tivessem mais pessoas pretas", ele disse, aos 7 anos.

Fruto de um relacionamento interracial, ele tem cabelo liso e a pele negra clara. Segundo ele, marrom. "Todo mundo vê que minha pele é marrom e a sua é bege", argumenta quando alguém insiste que ele é branco. Seu letramento racial se deu cedo e em seus autorretratos ele usa o lápis marrom, que chama de "cor da minha pele".

João não sabe, mas está falando de diversidade racial. O problema virou pauta de conversas da classe média que tem filhos em escolas particulares na última semana, quando Samara Felippo expôs o que houve com sua filha em um colégio de elite paulistana. Você deve ter lido por aí: meninas estragaram o caderno da garota com ofensas racistas. O assunto tocou a todos, pois colégios modernos se preocupam com o antirracismo e pais de alunos desses colégios garantem que estão criando seus filhos repudiando a atitude. De onde sai, então, um comportamento como esse? Estamos fazendo pouco.

Não é preciso explicar com a história do Brasil o caminho que leva as pessoas pretas para longe de colégios abastados. Não falta representatividade negra em um país miscigenado como o nosso, o que acontece é que os núcleos endinheirados são compostos por maioria branca. Nas escolas, o fenômeno grita: diversidade é coisa de série adolescente da Netflix. E ensinar o antirracismo para brancos e por brancos é um ponto importante, mas não ter quantidade considerável de negros entre os brancos é só mais um ponto frágil. Como a gente debate sem escutar o outro porque o outro não está lá?

Quando me casei com meu marido, aprendi o que nunca tinha entendido sobre o racismo. Olhar a cena acontecer e o rastro de destruição que ela deixa faz com que a gente nunca mais diga que é exagero ou mimimi. Isso nós, os pais desconstruídos dos colégios bacanas, já entendemos. Mas o que mais podemos fazer?

Políticas de cotas e bolsas são uma das soluções apresentadas. Mesmo assim, há acusações de segregação entre os dois grupos (bolsistas e pagantes) dentro de instituições tradicionais de ensino. E os professores da elite? Estão sendo profundamente treinados por pessoas pretas para militarem contra o racismo quando a oportunidade aparece em sala de aula? Tem pretos nos cargos de gestão escolar?

Samara colocou na mesa, como tem feito com os pontos que considera errados desde sempre. "Não sei o que farei quando (e note que eu nem disse 'se') acontecer com meu filho", eu pensei alto com uma amiga. "Por que as pessoas brancas querem fazer mal para as pessoas pretas, mamãe?", João me pergunta. Eu explico o inexplicável.

O primeiro passo parar coibir é mostrar que fazer algo muito errado tem consequências. Cuidar verdadeiramente da reabilitação dessas meninas para que mais do que não repetir o erro, elas tornem-se militantes antirracistas — como todas nós deveríamos ser. Aos 15 anos, não se aplica penalizar apenas, há de se reconstruir.

A criação poliana dada por minha mãe procura ver algo bom de aprendizado em tudo, mas é inadmissível que meninas pretas sofram para que a gente entenda o óbvio. Vamos ler mais, vamos falar mais, vamos expor mais para que a conversa não fique rasa entre brancos. Eu me sinto pegando na mão de Samara e de suas meninas, meu menino atrás da gente com um gibi do Jeremias ou da Milena nas mãos. Vamos juntos, todo mundo. Vamos.

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PS: Esse texto tem o olhar sempre rico de Maria Carolina Trevisan.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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