Luciana Bugni

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Opinião

Amy Winehouse: voz da mulher de 20, como ela lidaria com a crise dos 40?

O assunto da semana é Amy Winehouse. Enquanto a crítica especializada aqui e na Inglaterra detona o filme "Back to Black", uma biopic da meteórica ascensão e derrocada da cantora, fãs saudosos dão aquela chorada — nunca surgiu ninguém minimamente parecida com ela.

Amy foi a voz da galera que completou 20 anos na virada do milênio. Suas músicas raivosas mostravam que não estávamos tão bem assim, mas também não era o caso de rehab (era, sim). "Eu te contei que eu era um problema, você sabe que eu não sou muito boa coisa", ela dizia para a geração que estampava camisetas dizendo que "meninas boas vão para o céu, as más vão para Londres". A ideia era ser cruel, mesmo que em um conceito desajustado de sobrevivência para se dar bem frente à fila de tretas que se formava na porta da idade adulta. Cada um usava as armas que tinha. Falhamos, aliás.

Àquela época, enquanto a moça inglesa mostrava sua potência vocal cantando Stronger than me ("Você deveria ser mais forte que eu, já que está aqui há sete anos a mais que eu... Por que tem sempre que me colocar no controle? Tudo o que preciso é de um homem que cumpra seu papel"), as garotas que a descobriam olhavam para o lado e constatavam que seus pares sete anos mais velhos não eram exatamente a panaceia. Tudo isso com a brutalidade da voz que entrega vulnerabilidade nas letras, um combo para "under 30" nenhum botar defeito. Falei sobre isso com Diego Olivares, do podcast 1livro, 1disco, 1filme aqui.

Naquela época, o medo de envelhecer, por mais distante que parecesse, ficava estampado em um verso ou outro: "Você está fazendo 30 anos e seus truques não funcionam mais". O furor sexual também: "Eu só quero a pegada do seu corpo sobre o meu". E até tentativas quase ingênuas de explicar a traição em tempos que relacionamento aberto era ficção científica: "O que você esperava? Me deixou lá sozinha e eu bebi tanto que precisava ser tocada por alguém. Por que você ficou tão chateado? Eu nem deixei ele pegar na minha mão... Não é traição se era você que estava na minha cabeça". Para logo depois defender a necessidade de separar sexo das emoções. Era uma confusão danada ter 20 anos nos anos 00 — "Desde que voltei para casa, meu corpo está uma bagunça".

Viramos 30 tentando entender nosso poder, mas atravessamos a década seguinte como jovens adultas assustadas com as possibilidades disponíveis. Algumas de nós se casaram, outras não; algumas tiveram filhos, outras não. Os caras que correram atrás desse entendimento conosco seguem por aqui. A gente chama de desconstrução da masculinidade e até constitui família com eles. E rimos das piadas que eles fazem, como dizia Amy, agora só se realmente acharmos engraçado. "É como se você estivesse lendo suas falas em algum roteiro chato", ela cantava anos atrás.

Olhando em retrospecto, é bom atingir a maturidade nesses tempos em que nós vivemos. É uma pena que a cantora não tenha chegado até aqui conosco.

De 2011, quando Amy foi encontrada morta, para cá, o feminismo deu uma cambalhota no mundo. Entendemos que as culpas não eram nossas, que a gente podia enfrentar os caras e reconhecer os sinais de alerta que representam futuros abusos. A gente se safou? Não exatamente. Mas pelo menos informação agora temos em redes de apoio formadas por quem não tem medo de dividir experiências de catástrofes amorosas para que possamos nos espelhar. É a maturidade ou o feminismo? Não chegaríamos aqui sem um ou sem o outro.

Aos 40, entretanto, a gente está lidando com o que venho chamando de crise da Sandy. Metade das amigas está separada, a outra pensando no assunto. Quase todo mundo entendeu que fazer musculação não é mais uma opção e, sim, dever. E vem descontando mágoas no esporte para ver se com músculos fortes consegue dar um pau nas crises de ansiedade. Com redes sociais nas mãos, as injustiças dos caras abusivos podem ficar públicas e tem muita mulher legal usando as ferramentas e arrastando legiões com elas. Juntas somos mais fortes. E seguimos nossas carreiras, ávidos por pagar boletos, apesar da constatação de que aos 17 anos é um pouco cedo para decidir o que faremos pelo resto da vida. Muito gostoso não é.

Apesar de tanto avanço, a gente segue apavorada. E se não for bem isso? E agora que não tem volta? Como faz para fazer valer a segunda metade da vida? Se Amy tivesse chegado até aqui, saberia que os químicos não resolvem nada, que a ressaca é uma doença cruel, que alguns de nós ficam pelo caminho e que, às vezes, a gente segue a travessia mais por inércia do que por livre arbítrio.

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"Você está ocupada? Por que não dá uma passada aqui?", ela pergunta em Valerie. A gente não tem tempo para olhar no olho de ninguém em encontros de verdade e "toda semana piora".

Um amigo me perguntou qual a atitude mais crise dos 40 que eu havia tido — ele fez sete tatuagens no intervalo de um ano. Sei lá, eu comprei uma tornozeleira com pingente de lua ontem.

Quem vai fazer os versos que vão nos explicar que não estamos sozinhas e que é normal sentir um profundo pesar por termos alcançado exatamente a vida que queríamos? É normal, afinal? E será que alcançamos? Ainda bem que pelo menos as lágrimas realmente se secam sozinhas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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