Luciana Bugni

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Opinião

'Copamadonna': Rio de Janeiro respira Madonna e causa FOMO no Brasil todo

Onde vocês compraram essa?, pergunta em espanhol uma mulher à beira do mar do Leme para um casal de homens que veste camisetas pretas com estampa de Madonna. Eles apontam o calçadão para responder: em qualquer lugar. É verdade. Basta caminhar cinco passos para tropeçar em algo com o rosto da cantora no Rio de Janeiro.

O clima na cidade é de pré-Réveillon — no lugar de rosas para Yemanjá, o comércio se aproveita vendendo sutiãs cônicos de Gaultier feitos de capim santo. O Brasil sabe mirar nas oportunidades e fazer um dinheirinho via pix. Wallace, ambulante que circula pelo Leme diariamente vendendo cervejas está preocupado com a promessa da policia de proibir as vendas informais na praia. Ele investiu 600 reais em cerveja e o plano é recuperar o dinheiro e dobrar o lucro na noite de sábado. "Vou fazer um cartaz em inglês para a Madonna ler no palco pedindo para a prefeitura liberar o trabalho dos camelôs", ele conta empolgado com a ideia.

Do outro lado da zona sul, em um samba no Cosme Velho, aos pés do Cristo, o cantor no palco puxa Like a Prayer em ritmo de samba: "ela está entre nós", diz ao microfone. Gritos empolgados. No Instagram, leio o post de um rapaz que viu um carro passar com escolta e pensou: é a Madonna. Ele mora em Recife, a 2.300 km do Rio.

Madonna realmente está em todos os lugares, incluindo onde ela realmente está: em um palco gigantesco montado em frente ao Copacabana Palace, na noite de quinta (2), toda coberta em um calor de 35ºC — medo do Aedes egypti, será? Um grupo grande em um bar em Botafogo para de ver a rodada da Copa do Brasil e abaixa as cabeças no celular para ver a rainha do pop sendo levantada no colo por Pabblo Vittar. A cena é postada e repostada.

O ambulante Wallace: expectativa de lucro para salvar o outono
O ambulante Wallace: expectativa de lucro para salvar o outono Imagem: Luciana Bugni/UOL

É vontade de ver a Madonna ou FOMO?

Não é de hoje que a gente incorpora hábitos, produtos e expressões de outras culturas — chamava globalização, hoje chama internet mesmo. Uma delas é a sigla FOMO (expressão em inglês para "fear of missing out", que quer dizer medo de estar perdendo). A verborragia das redes sociais em vídeos, imagens e reposts turbina a sensação de que é preciso estar onde as coisas estão acontecendo. E as coisas estão acontecendo na Avenida Atlântica.

Estive aqui em situação parecida, quando os Stones tocaram em 2007. Mas há algo diferente dessa vez na expectativa. O êxodo de malas de rodinhas arrastadas por pessoas de todos os tipos em Copacabana confirma. Veio todo mundo. Mais importante do que ver Madonna é estar com quem vai vê-la? Um post afirma que alguém nem vai pisar nas areias de Copa neste sábado, mas vai dizer que veio. Justo. O sensorial pouco importa em tempos de "se não postou, não viveu".

Aliás, postar vem sendo uma questão para quem planeja assistir ao show no meio da multidão da praia. A promessa de arrastões faz com que se cogite deixar os celulares em casa. Teremos efetivamente vivido uma experiência coletiva quando acordarmos no domingo sem nenhum registro ou vídeo tremido nos aparelhos?

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A FOMO do Zeitgeist Madonna no Rio — um evento de proporções gigantescas em estrutura de palco, telões, caixas de som — ultrapassa os limites do solo e chega ao mar em embarcações enfileiradas para ver o show. Talvez os peixes estejam enfileirados também. As grandes tartarugas das águas geladas do Leme. Todo mundo veio.

Madonna, a pessoa física, abre a cortina de seu quarto no hotel e analisa a dimensão de si mesma. Nunca nada foi tão grande? O imenso organismo coletivo formado em volta dela no bairro mais famoso do Brasil confirma que sim. Carros buzinam, pessoas compram camisetas. Ela está entre nós — e talvez ela seja também esse nós.

A estátua de Ary Barroso emoldurada por camisetas da Material Girl nesse mundo material tenta dizer que seu Brasil é brasileiro, mas às vezes troca o samba e o pandeiro por cones nos seios. "Nem sabia que eu estava tão perdida até achar você", ela canta. A gente vai enchendo nossos buracos com o que pode — e que bom que possa ser assim, com arte, com todo mundo junto, às vezes.

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Souvenir Madonna em Copacabana: onipresença
Souvenir Madonna em Copacabana: onipresença Imagem: Luciana Bugni/UOL

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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