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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cléber Machado trouxe um pouco de alegria à cobertura de morte de Pelé

Cleber Machado chora após a morte de Pelé. E ri também. Que bom - Reprodução/Globo
Cleber Machado chora após a morte de Pelé. E ri também. Que bom Imagem: Reprodução/Globo

Colunista do UOL

30/12/2022 18h47

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A cobertura da GloboNews sobre a morte de Pelé na quinta (29) estava austera. O maior ídolo do esporte mundial havia entrado em cuidados paliativos no hospital Albert Einstein há semanas. Assim, apesar de sempre existir uma esperança de que o tempo de vida se prolongue o máximo possível, há um preparo precoce do material que será veiculado no momento da morte. É do jornalismo deixar o famoso obituário pronto.

O canal então colocou no ar edições primorosas, com textos impecáveis narrados por grandes nomes como Galvão Bueno e Pedro Bial. Emocionante. No ar, apresentadores e repórteres vestiam preto, num cuidado de produção que não me lembro de ter visto antes. A morte de Pelé comoveu até os avessos ao que rola dentro das quatro linhas. O Brasil deu uma paradinha para procurar no HD aquela foto com o ídolo e postar.

Mas, na mesma tarde em que limpávamos as lágrimas, mexidos, vimos o "Em Pauta", programa apresentado por Marcelo Cosme, na GloboNews. Monica Waldwogel era uma das comentaristas convidadas — santista, ela relembrava com afetuosidade histórias que a família, toda fanática pelo alvinegro da Vila Belmiro, contava sobre Pelé. Havia um clima de melancolia no ar. Até que Cléber Machado entrou em uma das janelinhas como representante do jornalismo esportivo. Radiante como sempre.

E pode estar radiante no dia em que morre alguém que a gente gosta muito? Claro que pode. Cléber contava histórias com sua alegria de sempre, mas com um profundo respeito ao Rei.

A morte de Pelé trouxe mesmo uma estranha dualidade de sentimentos. É triste sepultar alguém que é eterno, mas tem um quê de beleza rever, junto com um planeta emocionado, seus dribles, seus gols, as histórias superlativas que vêm à tona com sua morte, mas que o cercaram por toda a existência.

O desaparecimento do Pelé humano traz a sensação que apazigua de certa forma: que bom que tivemos o mito vivo, entre nós.

No café da manhã de Ana Maria Braga, na manhã se sexta (30), Cléber repetiu a história. Chorou um pouco, ficou emocionado. E riu. Arrancou um furo de Ana Maria: a apresentadora contou sobre o momento em que ficou internada na Santa Casa de Santos e ganhou uma TV portátil de Pelé. "Nunca contei isso antes, não sei porque estou contando para você", ela disse sobre a história que guardou por décadas. Está contando porque ele Cléber Machado, ué, eu pensei no sofá de casa. Cléber parece ser desses que te leva no papo e quando vê, está ali há horas, comendo um pão de queijo, rindo, chorando, ouvindo e perguntando se tem mais café.

O locutor brilhou na Copa do Mundo sem nem estar no Catar. E fez piada com sua cobertura à distância: "É minha nona Copa do Mundo, manda um presentinho desse para cá", disse em tom de deboche ao mostrar os colegas que estavam in loco. Merecia estar lá com outros narradores, pensou o público. Ele sabe que sim. Mas enquanto isso, encheu de energia cada segundo dos jogos que narrou. Cabia até uma imitação do pandeiro de Daniel Alves que arrancava risinhos no canto de boca até do público que despreza entretenimento misturado com jornalismo esportivo.

No fim do "Em Pauta", na quinta, Marcelo Cosme pediu que o locutor mudasse seu contrato com a Globo, e entrasse com eles ao vivo sempre que pudesse. Cléber entrou na brincadeira e aceitou. O apresentador foi além: perguntou se era possível se tornar amigo de Cléber. Todos riram. É o tipo de cara que a gente quer encontrar nos churrascos mesmo — e talvez até nos velórios. É bom ter a leveza de saber celebrar a vida de quem se foi.

A morte de Pelé traz um sabor diferente ao brasileiro, povo que anda tão perdido em saber se deve ou não gostar de seu país. Pelé deu esse gostinho patriota (de verdade) no meio de uma ditadura, nas décadas de 60 e 70. E agora nos devolve após a sua partida. Que grande nação somos, repleta de alegria, mas também de respeito e de união. Nem lembrava mais o que era ficar de mãos dadas, mesmo que metaforicamente, com desconhecidos, quando alguém se vai.

E aqui estamos: eu, você, Ana Maria Braga, Marcelo Cosme, Cléber Machado e mais gente de cinco continentes. Enxugando lágrima, de nariz entupido. E rindo. Juntos, pensando que é uma tristeza quando alguém se vai, mas é bonito demais termos vivido com ele até aqui.

Você pode discordar de mim no Instagram. Se for Cléber Machado, pode por favor me adicionar e virar meu amigo? Se Marcelo Cosme pediu, porque eu não entraria na fila?

PS: Esse texto tem um olhar atento do Diego Locci, o melhor comentarista de TV que eu conheço.